Origem: Livro: DISCIPLINA CRISTÃ
COMENTÁRIOS FINAIS
Nos casos em que a disciplina da assembleia tenha se tornado necessária, as decisões de uma assembleia, nem preciso dizer, não são infalíveis. Afirmar a infalibilidade de tais decisões seria nada menos do que estar no caminho certo para Roma, ou seja, para uma chamada Igreja infalível. Do lado de Deus – tudo é perfeição e infalibilidade. Mas e quanto ao nosso lado humano? Aqui tudo está sujeito ao fracasso, seja um único crente ou uma assembleia de crentes. O infalível Espírito de Deus habita no crente. Isso faz do crente um papa infalível? O Espírito Santo habita na Igreja ou assembleia. Isso a torna uma Igreja ou assembleia infalível? Jesus Cristo, nosso bendito e infalível Senhor e Mestre está presente no meio dos Seus dois ou três que estão reunidos ao Seu Nome. Sua presença torna Seus servos infalíveis, porque estão reunidos ao Seu Nome? Dificilmente poderia haver uma falácia maior e mais perniciosa. Podemos com certeza presumir que dois servos devotados de Cristo, como Paulo e Barnabé, na manhã do dia registrado em Atos 15, foram reunidos ao nome de seu Mestre celestial comum, orando por Sua direção, antes de iniciarem a jornada com Marcos no dia seguinte. Mesmo assim, eles se desentenderam no caminho e se separaram. Eles deixaram de se amar porque posteriormente surgiu uma forte disputa? Certamente não. Talvez o apóstolo e seus companheiros de trabalho tivessem omitido em sua oração pela jornada o importante pedido de bondade fraternal, paciência e abnegação.
O que quero afirmar é simplesmente isto: que o Senhor, ao prometer Sua presença graciosa aos Seus dois ou três reunidos ao Seu Nome, certamente não transmitiu a ninguém que Sua presença, por mais abençoada que fosse, tornaria aqueles dois ou três (ou qualquer número deles) infalível em suas deliberações, decisões e ações, por mais disposto e pronto que Ele esteja para guiar pelo Espírito Santo aqueles que realmente estão reunidos ao Seu Nome – que é exatamente a questão da qual tudo depende. Mas em nenhum lugar de Sua Palavra o Senhor nos promete infalibilidade, seja em relação aos nossos pensamentos ou palavras, às nossas decisões ou ações. Aquele que sonda os rins e o coração conhece muito bem o elemento romanista, tão inerente à natureza caída do homem, para nos dar tal promessa.
Mesmo naqueles abençoados dias de Pentecostes, quando “era um o coração e a alma” dos crentes e o Espírito de Deus habitando na Igreja com poder desimpedido, a carne e o coração maligno natural apareceram nos santos, não apenas no caso de Ananias e Safira, mas em outras partes da Igreja em Jerusalém, quando surgiu o murmúrio de ciúme entre os Cristãos gregos e hebreus (Atos 6). Não, mesmo na assembleia em Jerusalém, estando presentes os apóstolos e os presbíteros, surgiu uma não pequena disputa (cap. 15). Mas, estando então desimpedidos o poder do Espírito Santo, do amor e de uma mente sã, a carne logo foi descoberta e silenciada.
Mas como é em nossos dias? Dias da ruína geral da Igreja de Deus, quando mais do que nunca a verdade solene e humilhante se manifesta, a saber, que o homem foi infiel e naufragou em tudo o que Deus havia confiado à sua guarda, desde o paraíso até o Pentecostes, e desde Pentecostes até agora! Certamente seria mais conveniente deitarmos diante de Deus com o rosto em terra, com a boca no pó, em vez de abri-la para reivindicar arrogantemente a infalibilidade para as decisões da assembleia em meio às ruínas – as testemunhas mudas, mas eloquentes de nossa queda profunda! Quando nestes “últimos dias” ouvimos falar de um grupo de Cristãos afirmando a orgulhosa reivindicação de infalibilidade para suas decisões eclesiásticas, fundamentada nas falácias mencionadas acima, temos todos os motivos para tremer, por sua condição espiritual.
Não ouvimos falar de Cristãos de quem, de acordo com o seu conhecimento da verdade, se poderia esperar coisas melhores, alegando a infalibilidade da Igreja através de raciocínios como este? “O Espírito Santo” (dizem eles) “habita na assembleia, e o Senhor prometeu Sua presença no meio dos Seus, mesmo onde apenas dois ou três estão reunidos em Seu nome. É evidente que o Senhor não pode guiar erroneamente o Seu povo: consequentemente, as decisões de uma assembleia, sendo a voz do Espírito Santo, devem necessariamente ser infalíveis”.
Ao mesmo tempo, por assim dizer, e em flagrante contradição com a afirmação anterior, é acrescentado: “Mas se acontecer de uma assembleia, num caso de disciplina eclesiástica, ter cometido um erro ao excluir alguém, aquele que foi assim erroneamente excluído, no entanto, teria que aceitar isso como vindo da mão de Deus e curvar-se diante dele. Ao recusar-se a fazê-lo, ele apenas manifestaria a sua vontade insubmissa, e assim provaria que merecia o castigo” (ou seja, que a assembleia, afinal de contas, deve ser considerada guiada corretamente, mesmo que não tenha justificativa para excluí-lo!).
Poderia haver uma prova maior da perversidade do coração natural, mesmo nos Cristãos, a menos que fossem mantidos pela vigilância e pela oração no humilde sentido de sua total dependência da graça de Deus que estabelece o coração?
Disseram-me que um líder muito proeminente daquela seita religiosa disse que, se alguém, que tivesse sido injustamente excluído de uma assembleia, caísse em pecado vários anos depois, isso justificaria a assembleia por tê-lo excluído, anteriormente!
Eu não teria acreditado neste relatório (tal expressão sendo um ultraje aos princípios mais simples da justiça natural, para não falar da verdade e piedade Cristã), se eu próprio não tivesse lido uma expressão bastante semelhante e equivalente do mesmo mestre em um artigo escrito e assinado e distribuído por ele mesmo.
Não se pode, em fidelidade a Deus e ao seu precioso rebanho, pelo qual o Bom Pastor sofreu e morreu, passar em silêncio ensinamento como este, assiduamente divulgado. Ele é fiel, embora tenhamos sido infiéis. Que Sua graça ensine Seus subpastores a ser “exemplo ao rebanho”, em vez de dominá-lo, como “tendo domínio sobre a herança de Deus” (1 Pe 5:3), assumindo uma autoridade e infalibilidade que não vem nem de Deus nem Sua Palavra, mas do mal que construiu o romanismo.
Mais uma palavra sobre o caso de uma assembleia ter opiniões divididas no que diz respeito à necessidade de disciplina da Igreja em alguns casos. Aqui, agir de acordo com o princípio da maioria, como nas reuniões seculares, seria evidentemente humano e, portanto, falso. Tem havido numerosas provas de que, nos assuntos da Igreja bem como nas questões seculares, a maioria nem sempre está certa. Ouvi falar de um caso em que um único irmão recusou seu consentimento ao julgamento unânime de todos os irmãos na assembleia. Seus irmãos tiveram graça e fé quanto à direção do Espírito Santo e esperaram, quando logo depois se tornou manifesto que o irmão único estava certo e os outros errados. A unanimidade, especialmente no caso solene de excomunhão de uma assembleia, parece muito desejável, e a espera no Senhor e na direção do Seu Espírito não será decepcionada. Mesmo nos casos em que a oposição de um ou de alguns irmãos seja efeito da carne, o Senhor manifestará isso e removerá os obstáculos.
A questão da disciplina Cristã é de tão grande e séria importância que não poderia ser deixada de lado com apenas algumas observações.
