Origem: Livro: Aos Pais de Meus Netos

Davi

Talvez a primeira indicação de que algo estava errado na vida familiar de Davi foi quando ele começou a multiplicar esposas. Vocês devem se lembrar de que ele comprou sua primeira esposa, Mical, filha de Saul com a vida de duzentos inimigos do rei. Mas em 1 Samuel 25 vemos que Davi casou-se com Abigail (anteriormente esposa de Nabal, o carmelita, da família de Calebe) e Ainoã, a jezreelita.

Ora, Deus havia claramente advertido o rei do que ele deveria escolher, e em Deuteronômio 17 diz: “Tampouco para si multiplicará mulheres, para que o seu coração se não desvie” (vs. 15 e 17). Davi sabia muito bem que Deus o havia escolhido para ser rei. Ele o havia ungido rei quando ainda era jovem e ruivo. Mas em desobediência deliberada ao claro mandamento de Deus, dirigido claramente por si mesmo, Davi começou a multiplicar esposas.

Nunca nenhum de nós pode levianamente desobedecer a Palavra de Deus de forma alguma, e esperar não colher frutos amargos de nossa desobediência. Quão pouco Davi percebeu que o mal de ceder a essa concupiscência particular da carne seria tão avidamente seguido por seu ilustre filho, até que se tornou a causa de sua ruína; e a perda e ruína de grande parte de seu reino. É uma coisa má e amarga abandonar o Senhor ou qualquer um de Seus mandamentos (Jr 2:19). Alguém assinalou que a própria palavra “paixões”, as concupiscências às quais tantas vezes cedemos, é uma palavra eloquente que fala dos sofrimentos que certamente se seguirão: pois um dos significados de “paixão” é sofrimento.

O terceiro filho de Davi foi Absalão, que significa “Pai da Paz”, o que nos fala do anseio do coração de Davi pela paz, após os longos e cansativos anos de guerra e peregrinação. Mas quem era a mãe de Absalão? Maaca, filha de Talmai, rei de Gesur. E isso foi se tornando cada vez pior. Davi não apenas multiplicou esposas, mas, a fim de encontrar esposas de linhagem real, ele se voltou para as nações pagãs ao seu redor. Isso também foi uma expressa desobediência e desafio ao frequentemente repetido comando de Deus de que eles não deveriam tomar esposas das nações pagãs ao seu redor. Como Davi poderia esperar uma bênção da prole de tal união? De nada adiantou dar ao filho desta esposa um nome com tão belo significado, quando ele nasceu de um casamento feito em deliberada desobediência à clara Palavra de Deus.

E o problema não acabou aí. Absalão era um homem peculiarmente bonito: “Não havia, porém, em todo o Israel homem tão belo e tão aprazível como Absalão; desde a planta do pé até à cabeça, não havia nele defeito algum” (2 Sm 14:25). Podemos entender muito bem que um menino, um jovem tão bonito seja muito mimado por tais elogios.

Em 1 Reis 1:6, lemos sobre Adonias, filho de Hagite, que era o próximo em idade a Absalão; e o registro divino de sua criação é particularmente triste: “nunca seu pai o tinha contrariado, dizendo: Por que fizeste assim?”. Que demonstração solene e verdadeira e prática de palavras escritas um pouco mais tarde por um dos meios-irmãos de Adonias. “O que retém a sua vara aborrece [odeia – JND] a seu filho, mas o que o ama, a seu tempo, o castiga” (Pv 13:24). Quão diferente poderia ter sido a história de Davi e Salomão, e tudo o que se seguiu depois, se os filhos de Davi tivessem levado algumas boas varadas quando eram pequenos.

Adonias “era ele também mui formoso de aparência; e Hagite o tivera depois de Absalão”. Talvez não estejamos errados ao supor que a educação de Absalão foi na mesma linha que a de seu irmão mais novo; de modo que temos uma imagem indescritivelmente triste desses dois belos rapazes, de idade avançada, criados sem correção de qualquer tipo, mas autorizados a fazer sua própria vontade e seguir seu próprio caminho, um caminho que levou cada um deles a uma morte prematura e violenta. Em nossos dias chamamos esse método de educação de “autoexpressão”, e há aqueles que são tolos o suficiente para defendê-lo; mas o resultado prático, conforme anunciado pelo Espírito Santo, deve dar a cada um de nós uma tal advertência para que, agradecidos, possamos fugir desse método perverso e insensato de criar filhos, e adotarmos aquele estabelecido na Palavra de Deus.

Mas devemos seguir Davi adiante. Em 2 Samuel 11:1 lemos: “E aconteceu que, tendo decorrido um ano, no tempo em que os reis saem para a guerra, enviou Davi a Joabe, e a seus servos com ele, e a todo o Israel, para que destruíssem os filhos de Amom e cercassem Rabá; porém Davi ficou em Jerusalém”. Por que o rei Davi ficou em casa quando era o “tempo em que os reis saem para a guerra”? Foi indolência? Era o que parecia. Joabe e seus servos e todo o Israel estão lutando, e o rei Davi está ocioso em sua casa! Esta é uma história diferente do início ou dos últimos anos da vida de Davi. “Satanás ainda encontra algum dano para mãos ociosas fazerem”, e não precisamos nos perguntar que ele forneceu uma armadilha na qual Davi caiu com muita facilidade.

“E aconteceu, à hora da tarde, que Davi se levantou do seu leito, e andava passeando no terraço da casa real” Tudo fala de indulgência própria, ociosidade e indolência. E todo esse tempo Joabe e seus servos e todo o Israel estavam lutando nas batalhas do rei. A triste história continua: “e viu do terraço a uma mulher que se estava lavando; e era esta mulher mui formosa à vista”. Por que, oh, por que Davi não desviou os olhos instantaneamente? A indulgência anterior de sua concupiscência havia cauterizado aquela consciência terna que é de valor inestimável e, em vez de desviar os olhos, ele a cobiçou e não ficou satisfeito até obter o objeto de sua concupiscência.

Qualquer um de nós poderia facilmente ter feito a mesma coisa se estivéssemos no lugar de Davi. A maioria de nós não foi suficientemente cuidadosa para manter nossa própria consciência inteiramente sensível e imaculada, ou rápida o suficiente para desviar nossos olhos de visões que mexem com nossas paixões, para poder atirar pedras em Davi.

E o resto da triste e humilhante história de mentira e homicídio poderia ter sido a história deste escritor ou sua, querido leitor, se tivéssemos sido colocados nas mesmas circunstâncias, se não fosse pela graça de Deus. Mas mesmo tal pecado pode ser perdoado, e ao clamor de um coração quebrantado: “Pequei contra o Senhor”, vem a réplica instantânea: “Também o SENHOR perdoou o teu pecado” (ACF).

Mas tal semeadura deve produzir uma colheita, e vemos isso em onda após onda de problemas que varreu o rei em seus últimos anos. O pequeno bebê, nascido desse ato perverso, morre; e Davi se curva a esse golpe de disciplina. Mas há mais. O que Davi fez a Bate-Seba, mulher de Urias; agora seu filho mais velho, Amnom, faz com Tamar, a bela filha de Davi. Triste, triste registro. Não é de se admirar que quando o rei Davi ouviu falar de todas essas coisas, ele ficou muito irado (2 Sm 13:21). Mas será que Davi percebeu que foi ele mesmo quem deu o exemplo perverso diante de seu filho mais velho do pecado que agora tanto o irritou e humilhou?

E isso não é tudo. Tamar era irmã de Absalão, e a má ação de Amnom encheu seu coração de ódio por seu irmão, que ele não descansou até que o matasse. E então segue mais triste colheita de sementes más semeadas anos antes. Absalão foge do país para encontrar refúgio, em vez de punição, com seu avô materno pagão, Talmai, rei de Gesur. Lá ele se sente a salvo da vingança que deveria, de acordo com a lei de Deus, ter caído sobre ele.

Vocês conhecem a triste história do banimento temporário e, em seguida, um retorno e até mesmo um beijo de perdão de seu pai indignado, sem uma única palavra dizendo: “Pai, pequei contra o céu e perante ti e já não sou digno de ser chamado teu filho”.

Então segue a conspiração e o furto do coração dos homens de Israel (2 Sm 15:6). A conspiração chega ao auge e Absalão manda chamar Aitofel, o gilonita, conselheiro de Davi (2 Sm 15:12). “E era o conselho de Aitofel, que aconselhava naqueles dias, como se a Palavra de Deus se consultara” (2 Sm 16:23). Como foi que Absalão teve o atrevimento de mandar chamar o conselheiro de confiança de Davi? Esta foi outra parte da dolorosa colheita do pecado anterior. Aitofel parece ter sido o avô de Bate-Seba, e podemos entender que ele nunca perdoou Davi pelo tratamento que deu à neta (Compare 2 Sm 11:3 e 23:34).

Seguimos o quadro triste e tenebroso; iluminado, é verdade, por vislumbres de devoção por Itai, o geteu; e outros, velhos e jovens, israelitas e estrangeiros, mas todos fiéis seguidores de um rei rejeitado. Mas a imagem como um todo fica mais sombria e triste, até que observamos a dor agonizante daquele nobre rei, ao saber da morte de seu filho perverso. É uma das visões mais tristes que Deus em Sua sabedoria nos mostra em todo o Seu Livro. Suponho que dificilmente haja um choro mais triste do que aquele que saiu do coração partido daquele pai: “Meu filho Absalão, meu filho, meu filho Absalão! Quem me dera que eu morrera por ti, Absalão, meu filho, meu filho!” Ninguém, exceto um pai, pode entender as terríveis profundezas da angústia contidas naquele choro, amargo choro.

Muito diferente foi a morte da criança de Bate-Seba, conforme registrado em 2 Samuel 12. Ali Davi podia dizer: “Eu irei a ela, porém ela não voltará para mim”. Bem sabia Davi que a separação de seu filho amado, Absalão, era eterna. Talvez não haja nada tão triste quanto a morte sem esperança. A morte, o Rei dos Terrores, e depois da morte, o conhecimento do indubitável julgamento; e, além disso, com punição, punição eterna e sem fim. Que nenhum pai Cristão conheça a dolorosa dor de tal separação.

Mas mesmo isso não é o fim da triste história. Quando Natã procurou Davi depois de seu terrível pecado, e contou-lhe a história do homem rico que havia tomado a ovelhinha de seu vizinho pobre, Davi, em justa indignação, sentenciou aquele homem rico a restaurá-lo “quadruplicado” (2 Sm 12:6). Mas o profeta havia respondido: “Tu és este homem”; e Deus permitiu que a sentença de Davi permanecesse contra ele mesmo. Vimos três dos “cordeiros” de Davi serem tirados dele: mas um quarto deve ir; e lemos a triste história da morte de Adonias em 1 Reis, capítulos 1 e 2, especialmente 2:24-25. Em grande verdade, “o homem rico” restaurou “quadruplicado”.

Tal foi o fruto indescritivelmente amargo, cujo início foi um passo na desobediência à Palavra de Deus. Senhor, guarda-nos!

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