Origem: Livro: Aos Pais de Meus Netos
Barzilai, o Gileadita
“E era Barzilai mui velho, da idade de oitenta anos; e ele tinha sustentado o rei, quando tinha a sua morada em Maanaim, porque era homem mui grande”. O rei convida Barzilai para ir com ele a Jerusalém, “sustentar-te-ei comigo em Jerusalém”. Mas Barzilai sente que está velho demais para isso e não serviu a seu Mestre rejeitado por recompensa ou reconhecimento; foi o amor que tão generosamente deu de sua substância ao rei naqueles dias mais sombrios, e o amor não dá por recompensa. Mas ele acrescenta (como suponho que todos acrescentaremos no dia vindouro): “e por que me recompensará o Rei com tal recompensa?” E então, embora ele mesmo quisesse voltar para casa, ele oferece seu filho Quimã para ir com o rei; “e faze-lhe o que bem parecer aos teus olhos”. E o rei respondeu: “Quimã passará comigo, e eu lhe farei como bem parecer aos teus olhos” (2 Sm 19).
O que Davi fez pelo filho de seu velho amigo, que cuidou dele em sua rejeição? Não sabemos ao certo, mas poderia ser que ele compartilhou com ele o seu próprio patrimônio familiar em Belém? Sabemos que nosso Rei compartilha Seu régio lar com aqueles que compartilham Sua rejeição. De qualquer forma, lemos em Jeremias 41:17 daqueles que foram “habitar em Gerute-Quimã (ou habitação de Quimã), que está perto de Belém”. E há quem pense que esta deveria ser a “pousada de Quimã”, e que depois, talvez, foi esta mesma estalagem na qual “não havia lugar” para o Rei dos Reis, e assim na sua manjedoura, em Belém, o grande Filho maior de Davi veio ao nosso mundo, rejeitado, como Davi havia sido, em pequena medida, antes d’Ele. Não podemos saber com certeza sobre isso, mas sabemos que Davi não se esqueceu daquele que havia compartilhado sua rejeição e, em seu leito de morte encarregou seu filho Salomão, recomendou especialmente aos seus cuidados, não apenas “Quimã”, mas “os filhos de Barzilai, o Gileadita”.
É algo abençoado ter o privilégio de compartilhar a rejeição de Jesus e ainda mais abençoado que nossos filhos compartilhem essa rejeição conosco. Eles, e nós, compartilharemos a glória no dia vindouro com Aquele que aprendemos a amar em Sua rejeição. Há quem diga: deixem os filhos escolherem por si mesmos. Não era assim com aqueles nobres de antigamente. Com eles, os filhos, claro, foram com os pais. Que assim seja, cada vez mais, com seus pequenos.
Mas não posso me abster de mais uma pequena palavra sobre Quimã, embora não esteja exatamente de acordo com o assunto que temos diante de nós. O nome Quimã significa “Grande Desejo”, “Espera”. Vem de uma raiz hebraica, significando “almejar” qualquer coisa; ocorre apenas uma vez na Bíblia, Salmo 63:2, “minha carne anseia por Ti” (KJV). Esse nome não nos fala do intenso desejo do coração mais íntimo do nobre pai de Quimã; como ele “ansiava” pelas bênçãos prometidas, mas esperava por tanto tempo, por seu povo Israel? Talvez eu não devesse dizer “pelas bênçãos”, mas sim “pelo Abençoador”; pois não é por “elas”, mas “minha carne anseia por Ti”. E assim aconteceu que, embora o próprio Barzilai não pudesse ir a Jerusalém com Davi, seu “desejo” foi até lá e habitou com o rei. Vou citar um antigo poema que encontrei recentemente e que tocou profundamente meu coração, e espero que possa levar uma mensagem de esperança para vocês também:
“Quimã passará”
O Rei atravessou o rio
Jerusalém está livre;
Este deserto está cansado,
Esta carne é escravidão:
Por um tempo Ele habitou entre nós,
Com quem não foi assim:
Doravante nosso Rei e Salvador
Não mais em carne nós O conhecemos.
Ele entrou no Jordão pedindo
Que estivéssemos com Ele;
A glória que Ele carrega
Ele orou para que pudéssemos ver;
“Pai, Eu quero” (ouvimos,
Pensei ter ouvido meu nome)
“Que aqueles que Me deste
Estejam Comigo onde Eu estiver.”
O homem não pode contemplar a glória,
Como outrora contemplava a graça;
Nem no Senhor Se regozijando,
Como no rosto desfigurado do Homem;
Um pouco em Gileade
Nossa morada deve ser,
Mas nosso “desejo” passará,
E habitaremos, ó Senhor, Contigo.
Eu morava junto ao Jordão ansiando
Para que eu pudesse partir logo,
E num “dia do Senhor” uma visão
Encantou meu coração ansioso.
Eu vi no Monte Sião,
Ao redor do Cordeiro Real,
Doze vezes doze mil virgens
Dos homens redimidos elas vieram.
Uma voz de muitas águas
Subiu de toda aquela multidão,
A voz de harpistas tocando,
Uma canção com voz de trovão,
Diante do trono e dos anciãos
E criaturas vivas próximas;
Nenhum não redimido poderia aprendê-la,
Nenhum não redimido poderia entoá-la.
E cada boca era símplice,
Cada vestimenta imaculada;
Deus em cada testa havia escrito
O Nome que sela Seu filho,
E, enquanto eu olhava, meu Salvador
Sorriu para mim com graça;
“Vem, Eu te alimentarei
Em Jerusalém Comigo.”
A visão desapareceu de mim;
Acordei para a Terra novamente;
Diante de mim estava o Jordão
Atrás de mim estendia-se a planície,
Mas ainda habitava sobre mim
O olhar e o sorriso de Meu Salvador;
E palavras sussurravam em meus ouvidos,
Suas Palavras: “ainda um poucochinho.”
“Ainda um poucochinho” — junto ao Jordão
Minha peregrinação deve ser;
Mas meu anseio passou,
E eu desejo habitar Contigo.
“Ainda um poucochinho” – quanto tempo ainda tenho de vida,
Para que eu vá ser um rei Contigo?
Trabalho e tristeza, tudo que a carne pode dar,
E oitenta anos como o limite da vida para mim!
Posso discernir entre o bem e o mal?
Triste divindade vazia que o homem pensou ganhar!
E deve Tua bondade preciosa fluir, para encher
Uma alma em farrapos, um vaso adequado ao pecado?
Pode Teu servo provar
O fruto da vida de que Teus conquistadores se alimentam?
Deverão os lábios impuros o maná escondido desperdiçar,
As águas vivas para onde o Cordeiro conduz?
Posso ouvir a voz
Daqueles que cantam “Salvação” o dia todo,
Cujos olhos contemplam o Rei, cujo coração se regozija
Com gozo indizível, que ninguém tira?
Não – ainda não – não ali,
Para ser um fardo para meu Senhor, o Rei.
Não – que esta casa terrena se dissolva para compartilhar
Sua vida, a quem Deus Contigo novamente trará.
Um pouco mais do caminho eu, Teu servo, irei.
Um pouco além do Jordão com meu Senhor.
E por que – levará a eternidade para saber –
Por que Ele deveria me recompensar com tal recompensa?
O espírito pesado e a carne fraca
Contigo por algum tempo ainda serão crucificados,
Cujo olho nunca foi ofuscado, Cuja força da natureza
Não diminuiu, até que Ele que morreu vença?
Assim eu, Senhor, no Jordão,
Serei primeiro batizado Contigo;
No entanto, leve meu anseio além,
Para Jerusalém, a livre.
E se por algum tempo o espírito
Queimar vagamente por dentro,
E a carne fraca ficar mais fraca
Com ferida ou ferida do pecado;
Eu pensarei n’Aquele que conquistou
E guardou a coroa para mim;
E meu anseio irá além
E usá-la agora contigo.
Quando pesaroso por um tempo,
Com múltiplas tentações,
Quando a fé desconfia de Tua bondade,
Quando o amor está esfriando;
Ansiarei por saber a certeza
Daquilo que eu não vejo;
E meu anseio irá além
E conhecê-Lo agora contigo.
Quando pão de lágrimas for dado,
Ou lágrimas abundantes para beber,
Eu ansiarei pelo maná escondido,
Em Cristo minha vida eu pensarei,
Cujas correntes alegram a cidade
Onde o choro não haverá;
E meu desejo irá além
Para o Paraíso Contigo.
Se por um tempo eu sofrer,
Perfurado com os espinhos que crescem,
Para que não esqueçamos o deserto
E toda a aflição de nossa natureza;
No entanto, dessa voz de harpistas,
A tristeza e o suspiro fogem;
E meu anseio irá além
E ouvi-los cantar para Ti.
Em Gileade e junto ao Jordão,
Minha tenda por enquanto deve estar
Firme, junto à “coluna” cujo “testemunho”
É: “Jesus morreu por mim”;
Firme à beira do Jordão,
Cuja correnteza cada vez mais forte
Ainda, enquanto meus pés limpam,
Está sussurrando, “Jesus morreu”.
E sobre a enchente eu olharei, e ansiarei
Por Jerusalém, a livre;
Enquanto o espírito na carne falível
Segue pesadamente;
E meu sinal será o pavio que fumega
A cana trilhada será:
Mas meu único desejo não falhará;
Eu sempre ansiarei por Ti
E algum dia, enquanto anseio,
Acho que meu Senhor virá!
E num piscar de olhos
Estarei livre, no Lar;
E minha alma, que tem sede de Deus,
Não terá mais sede;
E minha fome será saciada,
E todos os meus anseios, superados.
(C. H. Waller, 1865)
Eu havia parado aqui na história de Barzilai, embora meu caderno me referisse a três versículos em Esdras 2:61-63. Mas eu não suportava ver o nobre nome de Barzilai manchado com qualquer marca de falha, e então decidi desconsiderar minha nota. Mas o Espírito de Deus é um Historiador muito Fiel para encobrir todas as falhas, embora muitas delas Ele cubra, e quanto ao resto, Ele parece deleitar-Se em esconder essas falhas onde poucos as encontrarão. Assim, agora com meu livro terminado, não posso mandá-lo para você, com aquela anotação em meu velho caderno, ainda não riscada, e muito contra minha vontade, devemos examinar juntos a causa da mancha naquele belo nome Barzilai.
O assunto nem veio à tona por quase quinhentos anos, não até depois do retorno do cativeiro na Babilônia. Então os filhos de Habaías, os filhos de Coz, os filhos de Barzilai… “buscaram o seu registro entre os que estavam registrados nas genealogias, mas não se acharam nelas; pelo que por imundos foram rejeitados do sacerdócio. E o tirsata lhes disse que não comessem das coisas sagradas até que houvesse sacerdote com Urim e com Tumim”.
E qual foi a causa dessa vergonha e degradação? Por que essas pessoas não puderam traçar sua genealogia? Muitos anos antes, um de seus antepassados casou-se com uma filha de Barzilai, o gileadita. Sem dúvida, foi considerado um casamento muito bom para o jovem sacerdote e, sem dúvida, trouxe consigo riquezas e honras; pois vimos que Barzilai era um homem muito grande, um caráter muito nobre (seu próprio nome significava “Ferro do Senhor” para indicar que ele era “mais firme e verdadeiro”), e ele era tão imensamente rico que, como temos visto, ele poderia de seus próprios meios particulares cuidar do rei durante sua rejeição.
Não era nada simples tornar-se genro de um homem assim; e o jovem sacerdote, contrariando a ordem de Deus, renunciou ao seu próprio nome e assumiu o nome de sua esposa: e assim em Esdras ele aparece com o nome de “Barzilai”. Mas seu próprio nome sacerdotal estava perdido; e estava perdido pelo desejo de avanço mundano, riquezas, e honra. Sem dúvida, ele ganhou tudo isso; e ele provavelmente pensou que o preço que pagou era muito pequeno; mas quão pouco ele pensou que seu ato, cerca de quinhentos anos depois, custaria a seus filhos o abençoado e privilegiado lugar de sacerdotes! Mas não podemos obter progresso nas coisas do mundo sem perda nas coisas do céu. E no final descobriremos que as riquezas e honras do céu são mais duradouras do que as da Terra, por mais tentadora que seja a oferta agora (Veja Ed 2:61).
Não cabe a nós dizer quem foi o culpado, mas é triste, triste ver o nome de Barzilai, o gileadita, ligado no Livro de Esdras, com esta história de dor e vergonha.
Não preciso apontar as lições para nós; elas são muito simples para exigir comentários; mas posso apontar para o final da passagem como uma abençoada mensagem de esperança. Para nós, um Sacerdote levantou-Se com Urim e Tumim, e Ele conhece o coração: Ele sabe se a genealogia é realmente verdadeira, se houve o novo nascimento, mesmo que anos de contato com o mundo, possam tê-lo escondido aos olhos dos outros.
