Origem: Livro: Cinco Cartas sobre Adoração e Ministério no Espírito

Carta 5 – Diversas Observações Sobre a Dependência Mútua dos Santos, em Reuniões para Edificação Mútua, e Sobre Outros Assuntos.

Amados irmãos,

Minhas observações sobre isso serão de caráter mais genérico do que nas cartas anteriores, sendo meu objetivo reunir vários pontos que não poderiam ser incluídos de forma adequada nos assuntos de minhas comunicações anteriores.

Em primeiro lugar, permita-me lembrá-los de que tudo o que acontece em uma reunião para edificação mútua deve ser fruto da comunhão. Ou seja, se eu leio um capítulo da Palavra, não tenho que folhear minha Bíblia para encontrar um capítulo adequado; mas, estando mais ou menos familiarizado com a Palavra, o Espírito de Deus traz à minha mente as porções que Ele gostaria que eu lesse. Assim também, se um hino deve ser cantado, não é porque eu sinto que chegou a hora de cantar, que então procuro no hinário por um bom hino. Não; mas pela medida que tenho do conhecimento do hinário, o Espírito de Deus me lembra um hino e me leva a indicá-lo. A ideia de meia dúzia de irmãos olhando através de suas Bíblias e hinários para encontrar capítulos e hinos adequados para ler ou indicar é tão subversiva quanto possível do verdadeiro caráter de uma reunião, para edificação mútua, na dependência do Espírito Santo. Eu posso, de fato, ter um determinado capítulo colocado em meu coração, e posso, por conhecimento imperfeito de minha Bíblia, precisar procurá-lo; e assim pode acontecer com um hino; mas esse é claramente o único objetivo que se pode ter razão, ao virar as páginas de um ou de outro livro, quando reunidos com base na dependência mútua do Espírito Santo para edificação mútua.

Então, em segundo lugar, se isso for bem entendido, seria inevitável, que quando alguém fosse visto abrindo sua Bíblia ou seu hinário, isso seria entendido que o irmão estaria pensando em ler uma parte da Palavra, ou dar um hino. A Palavra: “Portanto, meus irmãos, quando vos ajuntais para comer, esperai uns pelos outros” (1 Co 11:33), impediria completamente o pensamento de qualquer outro irmão tomar parte na reunião, até que o que havia demonstrado seu pensamento de fazê-lo, ou o colocou em prática ou o deixou de lado. Isso me leva justamente ao assunto da dependência mútua, sobre o qual podemos meditar por algum tempo.

A questão com os coríntios, em 1 Coríntios 11, não era quanto ao ministério, mas quanto a comer a Ceia do Senhor. A questão do ministério se apresenta em 1 Coríntios 14. Mas a raiz moral da desordem em ambos os casos era a mesma. Eles não conseguiram discernir o corpo de Cristo e, portanto, cada um estava ocupado com sua própria pessoa. “Porque, comendo, cada um toma antecipadamente a sua própria ceia” (1 Co 11:21). O resultado foi: “e assim um tem fome, e outro embriaga-se”. O princípio do ego teve aqui liberdade para produzir frutos tão gritantes e monstruosos, a ponto de chocar a sensibilidade natural de alguns. Mas se eu for às reuniões, e me sentar ali, pensando somente no capítulo que eu devo ler, no hino que eu devo sugerir, e na parte que eu vou tomar na reunião, o meu ego será, nas coisas espirituais, o ponto de apoio no qual meus pensamentos e preocupações giram, assim como eram os coríntios nas coisas naturais. Eu, tendo uma ceia, a trazia e comia o que levei, enquanto meu irmão pobre que não podia pagar por isso, ia embora sem comer. É na comunhão do único corpo de Cristo vivificado, vivenciado, ensinado e governado pelo único Espírito que nos reunimos; e certamente os pensamentos de nosso coração, ao nos reunirmos assim, não devem ser nem a ceia que eu mesmo tenho que comer, nem a parte que eu mesmo tenho que tomar, mas a maravilhosa generosidade e graça d’Aquele que nos confiou à guarda do Espírito Santo, que não falhará, se humildemente esperado, em atribuir a cada um o seu devido lugar e participação, sem qualquer ansiedade inquieta em nós para saber o que será.

No corpo de Cristo, cada um é apenas um membro e, certamente, se os coríntios tivessem discernido e percebido isso, aquele que tinha uma ceia teria esperado por aqueles que não tinham nenhuma, para compartilhá-la com eles. Da mesma forma, se minha alma perceber essa preciosa unidade do corpo, e meu próprio lugar humilde nele, como apenas um membro individual, não terei tanta pressa em agir na assembleia a ponto de impedir que outros ajam: e se eu sentir que tenho uma palavra do Senhor, ou um chamado d’Ele para algum serviço, ainda me lembrarei de que outros podem ter o mesmo, e assim deixar espaço para eles: e acima de tudo, se eu vir outro com sua Bíblia aberta para ler uma parte ou dar um hino, esperarei até que ele tenha feito isso, e não terei pressa de ter a oportunidade antes dele. “Esperai uns pelos outros”, certamente se aplicará a isso, bem como ao partir do pão. E no capítulo 14 descobrimos que quando os profetas estavam falando na reunião, por revelação imediata, deveria haver tanta deferência de uns para com outros, que mesmo que um irmão estivesse falando, se alguma coisa fosse revelada a outro que estivesse sentado, o primeiro deveria calar-se. Além disso, a postura moral geral de uma palavra como, “Todo homem seja pronto para ouvir, tardio para falar” (Tg 1:19), nos ensinaria, assim, a esperar um pelo outro.

Então, em terceiro lugar, o objetivo da nossa assembleia é a edificação. Este é o ponto destacado em 1 Coríntios 14. Em 1 Coríntios 12, temos o corpo de Cristo em sujeição a Ele como Senhor, e o testemunho aqui de Seu Senhorio, em virtude da habitação e operação do Espírito Santo, que reparte a cada homem, distintamente, como Ele quer; encerrando com a lista de dons, apóstolos, profetas, etc., estabelecidos por Deus, na Igreja, em suas várias posições de uso, ou serviço, para o todo. Há a determinação de buscar com zelo os melhores dons, mas uma maneira mais excelente é mencionada, a saber, a caridade, ou amor, de 1 Coríntios 13, sem a qual os dons mais excelentes não são nada, e que deve regular o exercício de todos os dons para que o resultado seja a edificação. A edificação é o assunto de 1 Coríntios 14. O dom de línguas era o que parecia mais maravilhoso para o homem, e os coríntios se deleitavam em exibi-lo. Em vez de o amor buscar a edificação de todos, era a vaidade que procurava exibir seus dons. Eram dons reais – dons do Espírito. E aqui, amados irmãos, está uma coisa solene que devemos considerar, e esta é, que pode haver poder do Espírito para o serviço, sem a direção viva do Espírito em seu exercício. Essa direção só pode haver onde o ego é crucificado, e Cristo tudo para a alma. O objetivo do Espírito Santo não é glorificar o pobre vaso de barro que contém Seus dons, mas pelo uso humilde, gracioso e abnegado desses dons, glorificar a Cristo, de Quem eles fluem; e isso é cumprido na edificação de todo o corpo.

Quão bela é essa abnegação em Paulo! Possuidor de todos os dons, com que singeleza de coração ele procurou não exibir seus dons, mas exaltar seu Senhor e edificar os santos. “Dou graças ao meu Deus, porque falo mais línguas do que vós todos. Todavia eu antes quero falar na Igreja cinco palavras na minha própria inteligência, para que possa também instruir os outros, do que dez mil palavras em língua desconhecida”. Quão fortes, aquelas palavras do Espírito Santo: “Faça-se tudo para edificação”, vindas da pena de tal pessoa. “Assim, também vós, como desejais dons espirituais, procurai sobejar neles, para a edificação da igreja”.

Então, novamente, para que todo servo seja fiel deve agir sob as instruções de seu mestre. Daí a importância do que foi enfatizado na minha última carta: se eu agir na assembleia dos santos, não deve ser em terreno inferior ao de uma convicção plena e solene, em minha própria alma diante de Deus, de que é a vontade presente do meu Mestre que eu aja assim. “Porque, pela graça que me é dada, digo a cada um dentre vós que não saiba mais do que convém saber, mas que saiba com temperança, conforme a medida da fé que Deus repartiu a cada um” (Rm 12:3). A medida do que faço deve ser a medida da fé que Deus me deu; e Deus cuidará para que Seus servos assim saibam o que Ele quer que eles façam. Nada menos do que uma firme e solene convicção de qual é Sua vontade, pode ser uma autorização para minha atuação na assembleia, ou mesmo em qualquer outro lugar, como servo de Deus. Na assembleia, no entanto, há um controle divino ou vigilância contra o abuso deste princípio, a saber, a provisão feita nas seguintes palavras: “E falem dois ou três profetas, e os outros julguem” (1 Co 14:29). Cabe à minha própria alma, em primeiro lugar, julgar e saber se o Senhor me chama para falar ou agir na assembleia; mas quando assim eu falo ou ajo, é a meus irmãos que cabe julgar, e na grande maioria dos casos devo acatar o julgamento deles. Na verdade, é raro o caso em que eu teria a autorização de continuar a tomar parte nas reuniões, se, ao fazer isso, fosse desaprovado pelos irmãos.

É bastante evidente que, se Deus me chamou para falar ou orar nas reuniões – se realmente for d’Ele que procede minha convicção de que estou sendo guiado a fazê-lo – é tão fácil para Ele dispor e preparar os corações dos santos para receberem meu ministério e se unirem às minhas orações, quanto é para Ele dispor meu próprio coração para tal serviço. Se eu realmente sou levado pelo Espírito a agir assim, o mesmo Espírito que me guia e age por mim habita nos santos; e em noventa e nove por cento dos casos, o Espírito nos santos responderá ao ministério ou adoração no Espírito da parte de qualquer irmão. Portanto, se por minha participação nas reuniões os santos se sentirem sobrecarregados e perturbados em vez de edificados, eu estaria seguro em concluir que houve engano quanto ao meu lugar, e que eu não fui chamado para agir de tal forma.

Por outro lado, suponha que o que torna o ministério de alguém inaceitável por um tempo seja encontrado no estado da assembleia, e não no estado daquele que ministra a ela: suponha que ele seja muito mais espiritual do que a assembleia, a ponto de eles não entenderem nem apreciarem o que ele lhes ministra. O que dizer de um caso como esse? Isso não é muito comum, e quando surge, pode ser para que tal servo de Cristo pergunte se não precisa aprender a ser como seu Mestre, e a ensinar como Ele “lhes dirigia a palavra, segundo o que podiam compreender”; se ele não precisa de um pouco mais do espírito de Paulo, que disse: “fomos brandos entre vós, como a ama que cria seus filhos”; que também disse: “com leite vos criei e não com manjar, porque ainda não podíeis, nem tampouco ainda agora podeis”.

Se, com todo cuidado e ternura em seu discernimento, o ministério dele ainda não for recebido, isso deve, de fato, estar provando a fé de tal servo do Senhor; mas considerando que a edificação é o objetivo de todo ministério, e que os santos não podem ser edificados por um ministério que não seja recomendado às suas consciências, não poderia haver nenhum bem em forçá-lo sobre os santos, quer eles possam recebê-lo ou não. A fraqueza geral e a doença no corpo de alguém podem produzir o deslocamento de uma determinada articulação. Em tal caso, não haverá qualquer benefício para o corpo, se a articulação deslocada for forçada a agir. Pode ser lamentável que ela não possa agir; mas a única maneira de restaurar seu uso é dar-lhe descanso perfeito por certo tempo, enquanto se busca restaurar a saúde geral do corpo por outros meios. Assim, no suposto caso, continuar com o ministério onde ele não é recebido, mesmo que a causa seja o baixo estado da assembleia, apenas acrescenta irritação à condição geralmente ruim das coisas e, assim a torna pior. O servo do Senhor, em tal caso, descobrirá que ficar em silêncio é sua sabedoria, ou pode ser para ele a indicação da vontade de seu Mestre que ele sirva em outro lugar.

Por outro lado, deixe-me adverti-los sinceramente, amados irmãos, contra o que provavelmente Satanás pode agora procurar fazer uma armadilha para nós, o espírito de crítica sobre o que acontece nas reuniões. Seu esforço é sempre nos impelir de um extremo a outro; e se erramos pelo lado da indiferença, não nos importando com aquilo que acontece, contanto que o tempo seja preenchido, é mais do que provável que estejamos em perigo do outro lado. Que o bom Senhor nos guarde em Sua misericórdia. Nada pode ser mais lamentável, quanto ao estado de espírito que indica um espírito de censura e crítica, e nada pode ser um obstáculo maior à bênção do que isso. Reunimo-nos para adorar a Deus e edificar uns aos outros, não para nos ocuparmos em determinar quem ministra na carne e quem ora no Espírito. Onde a carne se manifesta, que seja julgada. É uma obra dolorosa e humilhante discerni-la e julgá-la, em lugar de nosso próprio e feliz privilégio de desfrutar mutuamente da plenitude de nosso bendito Salvador e Cabeça. Tenhamos cuidado com o espírito de procurar falhas. Existem dons menores, bem como maiores, e sabemos Quem concedeu muito mais honra às partes que tinham falta dela. Os atos de um irmão na assembleia não são necessariamente todos carnais, porque ele age na carne até certo ponto.

Sobre essa questão, seria bom que todos nós ponderássemos as palavras de alguém altamente honrado entre nós: “Há uma grande necessidade disto, a saber, que atendamos primeiro à natureza do nosso dom e, em segundo lugar, à medida dele. E quanto a esse último, isto é, a medida do dom, deixe-me dizer que não duvido que o dom de muitos irmãos seria reconhecido, se ele não fosse além de sua medida: ‘se é profecia, seja ela segundo a medida da fé’. Tudo além disso procede da carne, e se o que sobressai é o ego, todo o seu dom será rejeitado, pois isso será sentido porque ele não soube como se limitar à medida de seu dom; e, portanto, sua carne age, e seu falar é atribuído à carne – e não é de se admirar. Também é verdade quanto à natureza de um dom; se um homem se propõe a ensinar, em vez de se limitar a exortar (se ele exorta), ele não vai, e não pode, edificar. Eu gostaria especialmente de chamar a atenção de cada irmão que ministra a Palavra para essa observação, que, por falta de fidelidade de seus ouvintes, talvez ela nunca chegue a ele de outra forma”.

É aos irmãos que ministram que essas palavras acima são dirigidas, mas eu as cito a vocês, amados irmãos, para que aprendamos a não condenar tudo o que alguém diz ou faz, porque algo da carne é discernível nela. Vamos, com gratidão, reconhecer o que é do Espírito, distinguindo-o de tudo o mais, mesmo no ministério ou atos do mesmo indivíduo.

Ainda há dois ou três pontos de detalhes mais minuciosos sobre os quais, na confiança do amor fraterno, eu acrescentaria uma ou duas palavras. Quanto à distribuição do pão e do vinho à mesa do Senhor. É, por um lado, muito desejável que isso não seja uniforme e exclusivamente feito por um ou dois indivíduos, como se fosse alguma distinção clerical; enquanto, por outro lado, não posso ver nenhuma justificativa na Escritura para qualquer um partir o pão, ou dar o cálice, sem dar graças. Em Mateus 24:26-27; Marcos 14:22-23; Lucas 22:19; e 1 Coríntios 11:24, somos informados de que o Senhor Jesus deu graças quando partiu o pão e tomou o cálice; enquanto em 1 Coríntios 10:16, o cálice é denominado cálice de bênção ou de ação de graças. Se, então, a Escritura deve ser nosso guia, quão claro é que qualquer um que parte o pão ou toma o cálice deve ao mesmo tempo dar graças; e se algum de nós não sente poder para fazer isso, não podemos com justiça questionar se somos chamados a distribuir o pão e o vinho?

Também, quanto ao governo ou supervisão na Igreja, e de fato quanto às qualificações a serem procuradas em qualquer um que atue em serviço ostensivo entre os santos, 1 Timóteo 3 e Tito 1 devem ser estudados em oração por todos nós. Há um versículo, em particular, em 1 Timóteo 3:6, que pode bem ser lembrado. “Não neófito, para que, ensoberbecendo-se, não caia na condenação do diabo”. É possível que o chamado de Deus e o dom de Cristo sejam encontrados com um jovem como Timóteo (ou se voltarmos ao Velho Testamento, com um Jeremias); e “ninguém despreze a tua mocidade” se aplicaria a qualquer um desses nos dias atuais, da mesma forma quanto a Timóteo de antigamente. Mas foi a Timóteo que as palavras citadas foram dirigidas, “não a um neófito”. A mocidade de Timóteo não deveria ser um incentivo para aqueles que não tinham nem o dom nem a graça concedidos a ele. E há até uma aptidão e beleza naturais nos jovens tomando o lugar da sujeição em vez do governo, o que me parece ser tristemente negligenciado às vezes. “Semelhantemente vós, jovens, sede sujeitos aos anciãos; e sede todos sujeitos uns aos outros e revesti-vos de humildade, porque Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes” (1 Pe 5:5).

O Senhor, em Sua misericórdia, amados irmãos, nos conceda andar humildemente com Ele mesmo, e assim nenhum obstáculo pode ser apresentado à obra de Seu bendito Espírito entre nós.

Seu irmão, em afeto não fingido,

W. Trotter

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