Origem: Livro: O Lar Cristão e seus Deveres
Senhores
“E vós, senhores, fazei o mesmo para com eles, deixando as ameaças, sabendo também que o Senhor deles e vosso está no céu e que para com ele não há acepção de pessoas” (Ef 6:9).
“Vós, senhores, fazei o que for de justiça e equidade a vossos servos, sabendo que também tendes um Senhor nos céus” (Cl 4:1).
“Se desprezei o direito do meu servo ou da minha serva, quando eles contendiam comigo, então, que faria eu quando Deus Se levantasse? E, inquirindo a causa, que lhe responderia?” (Jó 31:13-14).
“Senhores”, como explicado no capítulo anterior, é usado como um termo para incluir senhoras e, portanto, pode ser entendido como aplicável a todos os chefes de família; pelo menos a todas as famílias onde haja servos. Muito menos espaço é dado a eles na Escritura do que aos servos; mas, embora as instruções sejam menores, elas são extremamente abrangentes e significativas. Além disso, muitos exemplos de bons senhores são exibidos e, consequentemente, há uma grande quantidade de instrução indireta. Isso deve ser combinado com os mandamentos especiais, por todos os que entendem a vontade de Deus a respeito daqueles a quem Ele colocou no lugar de autoridade sobre outros.
1) Deve-se notar especialmente que tanto em Efésios quanto em Colossenses os senhores são lembrados de que seu Senhor está no céu. Em Colossenses há uma ligeira adição, que, no entanto, é de grande importância: “sabendo que também tendes um Senhor nos céus”. Isso é para lembrar aos senhores que seu lugar de autoridade é apenas temporal; que enquanto nesta vida eles podem ter uma posição de comando, com outros lhes estando sujeitos, diante de Deus e em relação a Ele, tanto eles quanto os que lhes estão sujeitos são servos da mesma maneira. Duas ou três diferentes coisas são aqui indicadas.
Primeiro, que, comandando outros, eles estão agindo simplesmente como delegados do Senhor. Em outras palavras, eles devem preencher sua posição de senhores como servindo ao Senhor. Isso imediatamente coloca os senhores face a face com sua responsabilidade para com Deus, e não é demais dizer que ninguém pode preencher o lugar de senhor corretamente, a menos que ele tenha o Senhor diante dele; pois então nunca será uma questão de sua própria vontade ou inclinação, mas o que o Senhor deseja que ele faça. Ele sentirá a solenidade do seu lugar, da responsabilidade de governar a sua casa para Deus. O reconhecimento dessa responsabilidade influenciará todos os detalhes da administração dos assuntos de sua casa e dará a chave para o ajuste de todas as dificuldades que possam surgir e para a resolução de cada contenda. É incerto se os senhores Cristãos estão suficientemente atentos ao fato de que eles têm que servir seu Senhor ao comandar seus servos. É geralmente reconhecido que aqueles que ensinam e pregam, todos de fato que servem ao Senhor em conexão com a Igreja, ou o evangelho, só podem cumprir sua responsabilidade permanecendo em Cristo, estando constantemente na presença de Deus; mas não é menos verdade que os senhores e senhoras Cristãos só podem servir no governo da família quando estão diante do Senhor, com Ele diante da alma, com a consciência de sua necessidade e desamparo, para que, na dependência d’Ele, possam receber a sabedoria e a força necessárias. Assim como foi com Salomão, deve ser com todo senhor Cristão. Quando o Senhor apareceu a ele, em sua sucessão ao trono de seu pai, e disse: “Pede o que quiseres que Eu te dê”, ele respondeu: “Dá-me, pois, agora, sabedoria e conhecimento, para que possa sair e entrar perante este povo; porque quem poderia julgar a este Teu tão grande povo?” (2 Cr 1:7-12). Da mesma forma, senhores, designados para seu posto pelo próprio Senhor, devem olhar para Ele para capacitá-los a governar como à Sua vista e para Sua glória.
Em segundo lugar, eles são lembrados de que seus servos são, assim como eles, servos do Senhor, “sabendo também que o Senhor deles e vosso está no céu”. Isso necessariamente afetará todo o caráter no comando de seus servos, pois enquanto governarem e o fizerem com firmeza, como deveriam, porque sua autoridade lhes foi confiada por Deus – eles se lembrarão de que aqueles que estão sujeitos a eles estão sob responsabilidade direta de seu Senhor no céu; que, junto com eles mesmos, são servos do Senhor; e que, portanto, há neste aspecto igualdade, apesar da diferença em suas respectivas posições na Terra. Isso, por si só, impediria toda a dureza e garantiria aquela terna consideração que, misturada com o firme exercício da autoridade, deveria sempre caracterizar todo o governo Cristão.
Novamente, lembrando-se de seu relacionamento comum com o Senhor, os senhores nunca poderiam exigir de seus servos qualquer coisa que pudesse comprometê-los ou coloca-los em uma posição defensiva da responsabilidade pessoal deles. Eles os usariam como servos do Senhor; e sabendo que, embora estivessem em posição de sujeição a senhores quanto a coisas terrenais, ainda deveriam ser fiéis ao Senhor em todas as coisas. Se, portanto, os senhores ordenassem a eles fazer qualquer coisa inconsistente com seu caráter de servos do Senhor, eles teriam que responder como Sadraque, Mesaque e Abednego fizeram a seu senhor, Nabucodonosor, quando se recusaram a adorar a imagem que ele havia estabelecido no campo de Dura (Dn 3). Pois fica claro a partir do princípio contido nas palavras: “sabendo também que o Senhor deles e vosso está no céu”, que a autoridade dos senhores é limitada e, de fato, está em sujeição à autoridade do Senhor. Embora os senhores sejam supremos em seu próprio domínio e, portanto, possam exigir obediência até esse ponto, se procurarem penetrar no círculo mais amplo em que somente o Senhor é Supremo, seus servos serão liberados de suas obrigações. A fidelidade ao Senhor deve ser o guia de ambos; e onde quer que esse princípio seja constantemente reconhecido, todas as dificuldades cessarão, porque nesse caso é o desejo de senhores e servos manterem uma consciência livre de ofensa para com Deus e para com os homens.
2) Tal é o fundamento – o princípio fundamental na manutenção do comando sobre os servos, e agora podemos considerar as instruções especiais.
“E vós, senhores, fazei o mesmo para com eles” (Ef 6:9). Novamente, “senhores, dai a vossos servos o que é de justiça e equidade” (Cl 4:1 – AIBB). Eles são, portanto, exortados a tratar seus servos com o espírito de equidade, fazendo a eles o que gostariam que fizessem a si mesmos; e não fazendo nada por parcialidade ou favoritismo, mas mantendo seu governo em justiça e equidade para com todos – uma ordem a ser muito lembrada nas famílias onde disputas geralmente ocorrem entre filhos e servos, ou entre os próprios servos. Então, isso é o que os senhores têm que se lembrar de maneira especial, ou seja, de sua responsabilidade de dar o que é justo e igual, agindo como diante de Deus e lidando com paciência e justiça com todos sob seus cuidados, pois os senhores têm que governar e nenhuma quantidade de bondade compensará a ausência de justiça imparcial no que diz respeito ao governo. De fato, as relações dos diferentes membros da família logo serão totalmente desorganizadas, se essa exortação for esquecida. Conduzir isso exigirá muita paciência; mas lembrar-se de que é o Senhor Quem o ordena, e que é Seu governo que deve ser mantido, manterá o senhor naquele espírito de dependência que é a condição necessária para o cumprimento de sua responsabilidade.
A Palavra diz, “Vós, senhores, fazei o que for de justiça e equidade a vossos servos, sabendo que também tendes um Senhor nos céus” (Cl 4:1). Ou seja, os servos têm direito perante seus senhores quanto a isso; e aquele que for justo e imparcial incluirá tratamento e salários. Eles não têm uma voz ativa e são especialmente dependentes de seus senhores, não podendo recorrer do tratamento deles, exceto, é claro – devido às circunstâncias alteradas dos tempos modernos – na forma indesejável de deixar seu serviço. Sua própria posição constitui, portanto, uma reivindicação sobre seus senhores por aquilo que é justo e imparcial, para que eles possam, com segurança e confiança, se entregar nas mãos de seus senhores, na plena certeza de que seus interesses serão considerados e guardados. E os senhores são exortados a isso, por saber que eles têm um Senhor no céu – Aquele que nota toda a conduta dos senhores e os responsabiliza quanto ao tratar seus servos fielmente. Não há acepção de pessoas com Ele; e cada um de nós, como Seus servos, receberá, no tribunal de Cristo, pelas coisas feitas por meio do corpo, sejam boas ou más (2 Co 5:10).
“Deixando as ameaças”. Essa proibição aponta para pecados da língua ao comandar os servos – uma tentação que é comum em todos os momentos, mas deve ter sido ainda mais comum nos casos em que os servos eram escravos e, portanto, propriedade de seus senhores. Todos sabem o quão fortemente os senhores são tentados, quando desagradados por negligência intencional ou descuido involuntário, a falar asperamente e até mesmo a ameaçar punição. Quantos servos valiosos foram demitidos dessa maneira! Os sentimentos foram despertados e as palavras proferidas; e talvez por orgulho, houve a recusa de voltar atrás, e o servo foi embora. A Escritura mostra um caminho melhor – deixar as ameaças. Mantenha os sentimentos, o temperamento, sob controle – sim, o crente deve se considerar morto para o pecado, é não dar em absoluto qualquer lugar ao ego – e então, se chamado a agir, mesmo sob a maior provocação, será como à vista de Deus. Muito maior influência será assim exercida sobre a mente dos servos, pois o mal é repreendido por uma santa calma de alma, e muito pecado será evitado; pois “ameaças” incomodam e irritam e, assim, provocam sentimentos de raiva, ou talvez palavras, que acendem um fogo que não se apaga facilmente.
3) Não se deve esquecer que cada senhor tem uma responsabilidade especial por toda a sua casa; pois os senhores governam, como já indicado, para o Senhor. Por isso, seja nos servos da casa ou nos filhos, nada incompatível com o lugar que ocupam deve ser permitido. Os senhores Cristãos quase não se apercebem disso. Pois quantas vezes isto é tolerado nos servos – nos modos e vestimentas mundanos e, em alguns casos, na introdução de livros perniciosos, que nem por um momento seriam tolerados em seus filhos. Mas todo o círculo da casa deve estar sujeito à autoridade do Senhor. Esse princípio é exemplificado tanto no Velho quanto no Novo Testamento. Assim, encontramos Jacó dizendo à sua casa: “Lançai fora os deuses estranhos que há no vosso meio” (Gn 35:2-3). Josué e Daniel da mesma maneira falam de suas casas diante de Deus; e nos Atos dos Apóstolos encontramos menção frequente, como foi mostrado em um capítulo anterior, de casas que pertencem ao Senhor. Portanto, também há a responsabilidade de cuidar do bem-estar espiritual dos servos. Por que eles foram trazidos para esse relacionamento especial? Certamente, não para que possam prestar serviço temporal a seus senhores, mas também para que os senhores possam vigiar e cuidar da alma de seus servos. Essa responsabilidade foi muito mais sentida em tempos passados do que atualmente, quando os laços entre senhores e servos foram muito afrouxados por uma liberdade contratual excessiva. Então não era incomum que os servos fossem realmente membros da família. Eles eram cuidados na doença como tal; encontravam em seus senhores e senhoras seus amigos mais verdadeiros, e raramente partiam, a não ser para mudar sua condição de vida. Mas agora isso é alterado em quase todos os lugares. Em muitos casos, os servos permanecem pouco tempo em um só lugar, e a consequência é que o interesse mútuo entre senhores e servos é muito fraco. Ainda assim, isso de forma alguma diminui a responsabilidade daqueles que têm servos. As dificuldades podem ter aumentado; mas, mesmo assim, todo senhor Cristão que se lembra de que tem um Senhor no céu, zelará diligente e fielmente pelos interesses espirituais de seus servos.
Admitindo a responsabilidade, uma pergunta pode ser feita: Como ela deve ser cumprida? Tal pergunta só pode ser respondida plenamente por cada um de nós; ou melhor, por cada um olhando para o Senhor em busca de sabedoria para enfrentar isso, e então Ele logo mostrará o caminho e, ao mesmo tempo, dará força para andar nele. No entanto, uma sugestão ou duas podem ser dadas. Em primeiro lugar, em vista de uma responsabilidade tão solene, é necessário que os senhores não retenham servos em sua casa que se recusem a estar em sujeição, pois é impossível ocupar o lugar de um senhor ou senhora para o Senhor se a obediência não for prestada por todos sob seus cuidados. Conduzir esse princípio envolverá sacrificar o descanso e o conforto; mas, como o crente sabe, o ego nunca deve ser seu objetivo. Nesse assunto, como em tudo o mais, a fé e não a visão deve governar a caminhada; e fazendo do Senhor a primeira consideração, exaltando-O em nossa casa, Ele proverá tudo o que é necessário, até mesmo servos, para aqueles que assim buscam Sua glória. Tendo, então, uma família governada pela autoridade do Senhor, a leitura familiar pode se tornar um meio muito útil de instrução espiritual; pois então todos estão na presença de Deus e estão preparados para ouvir o que Ele pode falar com eles por meio de Sua Palavra. Além da leitura familiar, o senhor ou a senhora Cristão buscará outras oportunidades de instrução direta da Escritura; e dessa forma, lendo ou conversando juntos, muito se aprenderia sobre as necessidades e provações especiais do servo, e muita orientação e edificação poderiam ser ministradas. Ambos sentados juntos aos pés de Jesus e ouvindo Sua palavra, aprenderiam mais sobre suas respectivas responsabilidades para com Ele como Senhor e sobre seus deveres, como Seus servos, em suas respectivas posições; e assim cada um seria levado a desejar fazer de Sua Palavra a luz para seus pés e a lâmpada para seu caminho em toda a vida doméstica. Além disso, o senhor e senhora podem ser assim transformados em mediadores de bênção para aos da casa, de modo que seus membros sejam levados a amá-los ainda mais como cuidadores de suas necessidades espirituais, ao mesmo tempo os respeitando e honrando como seus chefes terrenais.
O governo correto de uma casa é, portanto, uma tarefa muito pesada, exigindo muita sabedoria, diligência, paciência e graça. Ela é de fato um solene encargo do Senhor. E se todos os que ocupam a posição responsável de senhores ou senhoras, receberem esse encargo como vindo de Suas próprias mãos, eles então estarão familiarizados com o segredo da fidelidade em sua administração, bem como com a fonte de onde apenas a graça e a força necessárias podem ser recebidas. Então, também, eles não procurarão sua recompensa na gratidão e fidelidade de seus servos (embora essas misericórdias possam ser graciosamente concedidas); mas seu único desejo será, em todas as coisas, buscar apenas a aprovação de seu Senhor.
