Origem: Revista O Cristão – Vida e Morte
Vida e Morte, Moralmente e Espiritualmente
No final do século XX, a expressão “Get a Life” começou a surgir no discurso cotidiano na América do Norte. Não está totalmente claro de onde se originou, embora tenha sido popularizada pelo ator William Shatner em 1986. Embora às vezes carregue o significado de “cuide da sua vida”, ela geralmente é usada como um termo de desprezo em relação àqueles que parecem ter uma vida sem objetivos, realizações ou interesses. Ela sugere que o indivíduo em questão precisa fazer algo para tornar sua vida mais satisfatória e agradável.
Quando o homem natural aborda o assunto da vida, ele está, é claro, geralmente pensando apenas na vida neste mundo e em como tornar essa vida a mais satisfatória possível para si mesmo. Deus é muitas vezes deixado de fora. Nós que somos crentes no Senhor Jesus podemos ser gratos pela graça que nos trouxe a Ele. Mas, embora nossas esperanças estejam todas centradas n’Ele e em para onde iremos depois de deixarmos este mundo, Deus está muito interessado em nossa vida neste mundo. O que fazemos com o tempo que nos é dado neste mundo não é sem importância. Essa é uma questão que gostaríamos de considerar, mas ligada à nossa vida neste mundo está também a questão da morte moral.
Em edições anteriores de “O Cristão”, abordamos o assunto “Além da Morte – abr/2010” e também o assunto “Propósito e Direção para a Vida – out/2008”. Também tivemos questões dedicadas aos assuntos sobre “Vida Eterna – mar/2009” e “Vida Cotidiana – set/2016”. Todos eles têm alguma sobreposição entre si e com o assunto em questão, mas nenhum deles realmente cobre o que está diante de nós nesta edição.
Morte moral
Quando chegamos à questão da morte, sabemos que seu significado normal envolve separação – o corpo separado da alma e do espírito. No entanto, a Escritura usa o termo “morte” de outra maneira, para implicar um estado de morte moral, mesmo que o indivíduo esteja vivo neste mundo. Como uma ilustração disso, Paulo disse a Timóteo: “mas a (viúva) que vive em deleites [“em hábitos de satisfação dos seus próprios prazeres” (JND)], vivendo, está morta” (1 Tm 5:6). Ao se referir à vida, o próprio Senhor Jesus disse: “Quem ama a sua vida perdê-la-á, e quem, neste mundo, aborrece a sua vida, guardá-la-á para a vida eterna” (Jo 12:25). Mas, a respeito de nossa vida aqui embaixo, nosso Senhor também disse: “Tenho-vos dito isso para que a Minha alegria permaneça em vós, e a vossa alegria seja completa” (Jo 15:11). À primeira vista, esses dois últimos versículos vindos dos lábios de nosso Senhor podem parecer contraditórios, mas veremos como eles podem ser facilmente explicados. Tudo depende do contexto e de como definimos as palavras “vida” e “morte” no aspecto do assunto que está sendo abordado.
Quando consideramos a morte moral, devemos lembrar que Deus criou o homem à Sua imagem e semelhança. Por sua desobediência ao único mandamento que Deus lhe deu, o homem perdeu sua semelhança com Deus. No entanto, ele mantém a imagem de Deus, pois ainda é o representante de Deus na Terra. Mas o homem não pode viver sem seu Criador, e nesse sentido todos os homens que rejeitam as reivindicações de Deus estão moralmente mortos. A expressão “mortos em ofensas e pecados” (Ef 2:1) transmite algo do mesmo pensamento. No entanto, por meio do seu contínuo pecado e afastamento de Deus, um homem pode se constituir extremamente morto em um sentido moral, e vemos um exemplo disso em Nabal – veja 1 Samuel 25. Ele evidentemente nunca foi um homem de Deus, mas, quando se recusou a ouvir o pedido de ajuda de Davi, está registrado que “se amorteceu o seu coração, e ficou ele como pedra” (v. 37). Dez dias depois, a morte física o alcançou.
Um verdadeiro crente pode sofrer de morte moral, como acontece com Rebeca, que, ao contemplar um possível casamento misto de seu filho Jacó, disse: “Se Jacó tomar esposa dentre as filhas de Hete… de que me servirá a vida?” (Gn 27:46). Já mencionamos o comentário de Paulo sobre uma viúva que vive “em hábitos de satisfação dos seus próprios prazeres” (JND), que “apesar de viver, está morta” (TB). Neste caso, sua vida não tem valor diante de Deus; ela está moralmente morta. Embora o termo não seja usado, vemos a existência da morte moral nos israelitas no Velho Testamento que se afastaram da adoração do verdadeiro Deus e abraçaram a idolatria. No Novo Testamento, vemos outro exemplo naqueles que “querem ser ricos” (1 Tm 6:9) e que caem em “muitas concupiscências loucas e nocivas”. Mais tarde, Paulo teve que dizer que “Demas me desamparou, amando o presente século” (2 Tm 4:10). Esse é outro caso de morte moral em um crente, pois Demas trocou o ganho espiritual pela vantagem presente.
Vida
Por outro lado, se considerarmos o assunto da vida, também encontramos referências encorajadoras na Palavra de Deus. Mesmo sob a dispensação da lei no Velho Testamento, o Senhor disse a Israel: “Para que se multipliquem os vossos dias… como os dias dos céus sobre a Terra” (Dt 11:21). Israel recebeu promessas de bênçãos terrenais com base em sua obediência, mas o Senhor os lembra de que sua alegria poderia transcender suas bênçãos materiais, estando conectada com aquilo que estava acima da Terra.
No Novo Testamento, onde Deus é plenamente revelado, a vida eterna é dada àqueles que creem, e o Espírito Santo desceu para habitar nos crentes. Vemos que nosso Senhor podia prometer aquela plenitude de alegria: “Tenho vos dito isso para que Minha alegria permaneça em vós, e a vossa alegria seja completa” (Jo 15:11). Um irmão idoso, agora com o Senhor, costumava nos lembrar: “Não meio completa, irmãos; mas completa!”
Riqueza e Vida
Quando ele fala do uso adequado da riqueza (se um crente a possuir), Paulo disse àqueles com riquezas “que pratiquem o bem, que se enriqueçam de boas obras, que sejam generosos e liberais, entesourando para si um fundamento sólido para o futuro, a fim de que se apoderem da vida [se apoderem daquilo – JND] que é realmente vida” (1 Tm 6:18-19 – TB). O verdadeiro prazer na vida é mostrar o coração de Deus, que é caracterizado por Atos 20:35: “Mais bem-aventurada coisa é dar do que receber”.
A expressão em 1 Timóteo 6:19 – “entesourem para si mesmos um bom fundamento para o futuro” – nos leva a um comentário final. Como já observamos, o homem do mundo pensa apenas em termos desta vida, mas o crente é lembrado de que, em seu curto tempo neste mundo, ele está construindo para a eternidade. O Senhor quer que tenhamos uma vida feliz aqui embaixo em comunhão com Ele, mas não termina aí. No sentido mais amplo, os incrédulos que vivem na morte moral acabarão experimentando a “segunda morte” – sendo expulsos da presença de Deus para sempre. O crente que viveu para si e para este mundo “sofrerá ele prejuízo” no tribunal de Cristo para os crentes (1 Co 3:15 – AIBB), enquanto o crente que sofreu perda neste mundo para viver para a glória de Deus receberá galardão (1 Co 3:14). Alguns galardões serão temporários, existindo apenas durante o reino milenar, enquanto outros serão eternos.
O custo de viver para a eternidade
No entanto, pode haver um custo temporal para a plena experiência da alegria de nosso Senhor aqui e para vivermos com vista à eternidade. Devemos estar preparados para “aborrecer nossa vida” neste mundo, no sentido natural, se quisermos “guardá-la para a vida eterna”. Se estivermos dispostos a fazer isso, nossa alegria no Senhor será verdadeiramente plena, mas podemos experimentar perda no que diz respeito aos anseios do nosso coração natural. Desde que o pecado entrou neste mundo, aqueles que desejam viver para o Senhor sofrem, pois se encontram indo contra a corrente do sistema mundial que foi estabelecido por Caim e sua família. Alguns podem questionar se vale a pena, mas certamente vale muito a pena à luz da eternidade. Satanás pode persuadir o homem a viver apenas em vista do tempo; Deus vive e Se move na eternidade.
Em resumo, então, a vida e a morte no sentido moral são extremamente importantes aos olhos de Deus, e devem ser importantes para nós. A morte moral neste mundo terá consequências no presente, ainda que possamos “por, um pouco de tempo, ter o gozo do pecado”. No entanto, também sofreremos perdas para a eternidade, de uma forma ou de outra. A verdadeira vida neste mundo é a vida vivida em comunhão com o Senhor e tendo em vista a eternidade. A forma como vivemos neste mundo terá consequências eternas.
Oh, supremo e brilhante amor!
Bom para o mais fraco coração,
Que nos dá agora, como luz celestial,
O que em breve será nossa parte.
Hinário Little Flock – hino 64