Origem: Revista O Cristão – Vida e Morte
Viver para Vantagem Presente ou Ganho Futuro
A rejeição de Cristo leva a uma mudança importante, tanto na posição de nosso Senhor quanto no que os homens encontrariam n’Ele e vindo d’Ele. Isso é destacado notavelmente em Lucas 12:13-30. Um Judeu naturalmente teria olhado para o Messias como o Juiz de todas as questões polêmicas. Mesmo aquele que valorizava o Senhor Jesus por Seus imaculados caminhos e santa maneira de viver poderia muito bem buscar Seu auxílio. Mas aqui é mostrado que a rejeição d’Ele pelo homem muda tudo. Não se pode, portanto, raciocinar abstratamente a partir do que o Messias era como tal; devemos levar em conta o fato do estado do homem em relação a Ele e a ação de Deus sobre isso. A cruz de Cristo, que seria o fruto e a medida da rejeição do Senhor, traria consigo imensas consequências, e muito diferentes do que havia acontecido antes; e isso não apenas da parte do homem, mas da parte de Deus.
Por isso, quando um da multidão Lhe disse: “Mestre, dize a meu irmão que reparta comigo a herança”, o Senhor respondeu: “Homem, quem Me pôs a Mim por juiz ou repartidor entre vós?” Ele não tinha vindo para julgar. A rejeição de Cristo leva àquela infinita salvação que Ele realizou, em vista da qual Ele não resolve as disputas humanas. Ele não veio para propósitos terrenais, mas para os celestiais. Se Ele tivesse sido recebido pelos homens, sem dúvida teria dividido heranças aqui embaixo; mas, no estado em que se encontravam, Ele não era Juiz ou Repartidor sobre os homens ou seus assuntos aqui neste mundo. Mas Lucas, como é sua maneira e hábito, apresenta o Senhor imediatamente olhando para o lado moral da questão, pois de fato a rejeição de Cristo leva à mais profunda manifestação e entendimento do coração.
Avareza
O Senhor, portanto, dirige-Se ao grupo em termos mais amplos. “E disse-lhes: Acautelai-vos e guardai-vos da avareza, porque a vida de qualquer não consiste na abundância do que possui”. Essa ansiedade pela ajuda de Cristo para resolver questões flui do desejo do coração por algo que não se tem neste mundo. A manutenção da posição é aqui julgada, a ânsia pela justiça terrenal é exposta – “guardai-vos da avareza”. A rejeição de Cristo e a revelação das coisas celestiais levaram ao verdadeiro caminho da fé, de confiar em Deus por tudo o que Ele dá, de confiar, não no homem, mas n’Ele, para todas as dificuldades, de estarmos satisfeitos com as coisas que temos. Deus providencia tudo para a fé. E essa não é a questão principal. Deve-se guardar o coração. “Acautelai-vos e guardai-vos da avareza, porque a vida de qualquer não consiste na abundância do que possui”. E isso também Ele ilustra, bem como seu terrível fim. Há excessivo egoísmo, loucura e perigo no que pode parecer prudência terrenal. Ouça as próximas palavras do Senhor. “E propôs-lhes uma parábola, dizendo: a herdade de um homem rico tinha produzido com abundância. E arrazoava ele entre si, dizendo: Que farei? Não tenho onde recolher os meus frutos”. Claramente, esse homem contava que o bem primordial estava na abundância das coisas que possuía. Seu desejo era empregar o que ele tinha para obter e manter mais das coisas do presente.
Egoísmo sistemático
Os olhos do homem rico (Lc 12:13-30) não estavam no futuro além deste mundo. Tudo estava na vida presente. Não é que o rico tolo tenha feito mau uso do que tinha de acordo com o julgamento humano, não que ele fosse imoral, mas sua ação não foi além de satisfazer seu desejo de abundância cada vez maior. “E disse: Farei isto: derribarei os meus celeiros, e edificarei outros maiores, e ali recolherei todas as minhas novidades e os meus bens”.
Essa conduta está em nítido contraste com o que o Senhor posteriormente destaca no capítulo 16, onde vemos o sacrifício do presente em favor do futuro e que somente esses tais é que são recebidos nas habitações eternas. Não se trata do meio de livramento do inferno, mas do caráter de todos os que vão para o céu. Até certo ponto, eles se assemelham ao mordomo da parábola, a quem o senhor [da parábola] elogiou, não por sua injustiça, mas por sua sabedoria. Ele sacrificou os interesses presentes – os bens de seu mestre – para garantir o futuro. O homem rico aqui, ao contrário, está sempre derrubando seus celeiros e construindo maiores, a fim de garantir todos os seus frutos e aumentar seus bens. Seu único e inteiro pensamento era para esta vida presente que, ele supôs, continuaria imutável. O mordomo, porém, antecipou a iminente mudança e agiu de maneira adequada. Que possamos nos sentir mordomos no que os homens chamariam de “nosso” e agir com não menos prudência. Não foi assim com aquele que diz a si mesmo: “alma, tens em depósito muitos bens, para muitos anos; descansa, come, bebe e folga”. Havia tanto satisfação própria no que ele possuía quanto o desejo de um longo gozo do conforto presente. Era verdadeira incredulidade em qualquer futuro além desta vida; era agir como os saduceus. “Mas Deus lhe disse: Louco, esta noite te pedirão a tua alma, e o que tens preparado para quem será?”
Ele nunca considerou isso. Deus não estava em todos os seus pensamentos. Ele havia reduzido sua alma à mais simples escravidão do corpo, em vez de mantê-lo sob seu comando, para que o corpo pudesse ser o servo da alma, e Deus o mestre de ambos. Mas não: Deus não estava em nenhum dos seus pensamentos; porém Deus lhe disse: “Louco, esta noite te pedirão a tua alma, e o que tens preparado para quem será?”. Ele ansiava por uma prosperidade permanente no mundo. “Esta noite”! Mal ele pensava nisso. “Esta noite te pedirão a tua alma… Assim é aquele que para si ajunta tesouros e não é rico para com Deus”. Não há riquezas diante de Deus sem o que os homens, de forma míope, consideram empobrecimento de si mesmos, usando o que temos não para nós mesmos, mas para os outros. Somente estes são ricos para com Deus, quer sejam seus recursos grandes ou pequenos. Se seus recursos são pequenos, eles são, no entanto, grandes o suficiente para fazê-los pensar nos outros com amor e prover necessidades maiores do que as suas; se seus recursos são grandes, suas responsabilidades são muito maiores. Mas, em todos os casos, o ajuntar não é para si mesmo, mas para o serviço da graça, e isso só pode acontecer trazendo Deus para o assunto. Somente esses são ricos para com Deus. Ajuntar tesouros para si é o trabalho árduo do “eu” e a incredulidade que reserva para um longo sonho de gozo que o Senhor repentinamente interrompe.
“Não pergunteis, pois, que haveis de comer ou que haveis de beber, e não andeis inquietos. Porque os gentios do mundo buscam todas essas coisas”. Eles estavam sem Deus. “Mas vosso Pai (não somente Deus, mas vosso Pai) sabe que necessitais delas”. Ele avança agora até colocar os discípulos no gozo de Seu próprio relacionamento com um Pai que cuidava deles perfeitamente e não poderia falhar em nada com relação a eles. O Deus que cuidava dos corvos e dos lírios – seu Pai – certamente cuidaria deles. Ele sabe que necessitamos dessas coisas e deseja que confiemos n’Ele.