Origem: Revista O Cristão – Sofrimentos
A Aflição no Salmo 119
O Salmo 119 é talvez mais conhecido por suas inúmeras referências à Palavra de Deus e designações variadas a ela. Ele respira a linguagem do remanescente Judeu num dia futuro, quando a lei estará escrita em seus corações, que é um dos componentes da nova aliança, distinta da velha aliança que foi escrita em tábuas de pedra (Jr 31:33).
Sabendo disso, é interessante, então, que encontramos o pensamento de aflição mencionado sete vezes neste Salmo. O sofrimento é abordado em muitos aspectos diferentes na Escritura e para propósitos variados, ordenados por nosso Deus. Se considerarmos a aflição à luz do caráter desse Salmo em particular, isso nos impressionará com a importância e a relevância da Palavra de Deus em nossa vida durante tempos de clara provação. É nesse contexto que consideraríamos as reflexões do salmista. Além disso, há crescimento na alma à medida que passamos de uma menção de aflição para outra.
Consolo não é libertação
“Isto é a minha consolação na minha aflição, porque a Tua Palavra me vivificou” (v. 50).
Frequentemente, quando chegam as provações, nossa primeira reação é tentar nos livrar completamente da provação ou, pelo menos, procurar diminui-la. Em contraste com essa atitude, o salmista descobriu a Palavra de Deus ser um consolo e refrigério ao seu espírito. Ele não diz nada sobre a ajuda do homem ou a promessa de libertação, mas fala sobre o que a Palavra de Deus significava para ele em sua aflição. Já descobrimos que a Palavra de Deus é um consolo para nossa alma em tempos de provação? Esse foi apenas o começo da obra do Senhor com ele na fornalha da aflição (Is 48:10).
O resultado
“Antes de ser afligido andava errado; mas agora tenho guardado a Tua Palavra” (v. 67).
O salmista agora vai além de falar do consolo recebido pela Escritura em seu sofrimento e reconhece que havia um curso de afastamento seu do Senhor antes que a aflição chegasse. Um resultado imediato da aflição é que devemos retornar ao Senhor se temos nos afastado d’Ele, mesmo que apenas interiormente. Mais do que isso, a Palavra de Deus, que antes não tinha controle sobre a alma, agora é valorizada e guardada. A Palavra de Deus, quando estimada nas afeições, nos preservará de um caminho que nos afasta do Senhor.
Para o nosso bem
“Foi-me bom ter sido afligido, para que aprendesse os Teus estatutos” (v. 71).
Costumamos citar a Escritura que nos dizem que “sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8:28), mas a fé precisa estar em atividade para que falemos daquilo que é desagradável, difícil e doloroso como sendo “bom” ou para o nosso bem. A razão pela qual o salmista poderia falar de aflição dessa maneira foi que, por meio da provação, ele aprendeu os estatutos do Senhor. Estamos familiarizados com o aprendizado acadêmico, como em um livro didático, mas para aprender experimentalmente o que encontra a aprovação do Senhor, precisamos nos aproximar d’Ele para aprender com Ele.
Julgamentos corretos
“Bem sei eu, ó SENHOR, que os Teus juízos são justos, e que segundo a Tua fidelidade me afligiste” (v. 75).
O salmista continua a crescer em sua alma. Ao encontrar alívio na aflição, e depois experimentar restauração e instrução como resultado da aflição, ele agora reconhece o caráter justo do Senhor ao afligi-lo. Ele chegou ao ponto em que vê as coisas como o Senhor as vê. Ele percebe que a aflição era necessária para ele, com base no que ele veio a conhecer do Senhor. Isso vai além do que ele achava que eram suas necessidades, mas traz o que o caráter do Senhor exigia de Seu servo.
Preservação
“Se a Tua lei não fora toda a minha recreação, há muito que pereceria na minha aflição” (v. 92).
Agora, refletindo, o salmista reconheceu a gravidade da provação em que ele esteve, e que somente ao encontrar seu prazer na lei do Senhor, foi ele preservado no caminho de fé. Quão grande foi seu progresso! A Palavra agora ofusca a provação. A Palavra que provê alívio foi aprendida e valorizada na alma, e o levou a entender os pensamentos de Deus e a retidão dos caminhos de Deus, e agora se tornou seu deleite, assim como do homem bem-aventurado do Salmo 1. Quão elevada é a porção de se “gloriar em Deus” (Rm 5:11) e se deleitar em Sua Palavra.
Vivificação
“Estou aflitíssimo; vivifica-me, ó SENHOR, segundo a Tua Palavra” (v. 107).
A aflição agora se aprofunda, mas o Senhor não nos prova acima do que somos capazes de suportar (1 Co 10:13). Com base no que ele experimentou pela primeira vez em tempos de provação, o salmista agora clama diretamente ao Senhor pela mesma vivificação. Ele sabe onde o alívio pode ser encontrado, não é uma questão de aprender isso. Ele conhece a fonte de consolo e que mesmo essa profunda provação não está além da capacidade de o Senhor ajudar.
Libertação
“Olha para a minha aflição, e livra-me, pois não me esqueci da Tua lei” (v. 153).
Podemos nos perguntar onde o progresso é evidente quando chegamos a essa última menção de aflição. À primeira vista, parece ter um terreno mais baixo do que o primeiro exercício, pois aqui vemos que o sofredor está solicitando a libertação da própria provação, em vez de buscar algum ganho espiritual por meio da provação. No entanto, não devemos ler muito rapidamente, pois a última parte do versículo parece dar uma pista da base a partir da qual ele expressa seu pedido.
Em 1 João 2, lemos sobre pais, jovens e filhinhos. No versículo 13, lemos sobre o que caracteriza cada grupo. Nos versículos 14‑27, são dadas instruções específicas para cada grupo com base em seu crescimento espiritual. A palavra de instrução para os pais é simplesmente uma reafirmação de seu caráter. Cristo é tudo para eles, e nenhuma instrução adicional é necessária. Da mesma forma, o salmista não esqueceu a lei do Senhor. Ela se tornou seu deleite, seu único recurso. Ele aprendeu por provação o que o Senhor desejava para ele. Tudo o que o aguarda é a sua libertação final. Enquanto cantamos às vezes, “E quando tivermos aprendido nossa lição, e nosso trabalho de sofrimento for concluído, nosso Pai sempre amoroso dará as boas-vindas a todos”. O tempo da aflição logo passará. O tempo para as lições a serem aprendidas um dia terminará num instante. Que possamos então aprender, por meio e nas variadas aflições da vida, uma crescente apreciação da Palavra de Deus que nos levará a uma comunhão mais profunda com nosso Senhor, que não conheceríamos de outro modo.