Origem: Revista O Cristão – Abraão
O Chamado de Abraão –Gênesis 12:1-10
O povo de Deus sempre foi moral e deve estar necessariamente separado do mundo. Mas Abrão era a expressão de algo diferente, pois ele foi o primeiro a ser chamado publicamente para fora deste mundo. Além disso, Deus estava rompendo os laços naturais, pois ele não deveria apenas ser um homem piedoso em sua família, mas um homem piedoso chamado para fora de sua família. Isso distinguiu o chamado de Abrão – a afirmação pública das reivindicações de Deus sobre o Seu povo. O chamado de Israel para sair do Egito é um tanto análogo, embora não tenha sido dito a Israel: “Saia”, mas a Faraó: “Deixa ir o Meu povo”. Assim, não foi, no caso de Israel, o convite do poder da graça para aqueles que eram súditos para romper o vínculo, mas a afirmação do poder de Deus sobre o inimigo, quebrando todas as reivindicações do mundo. No caso de Abrão, era amor trabalhando, não uma reivindicação de poder. Foi a graça se tornando eficaz em sua obra no coração de Abrão.
O laço natural
Por um tempo, no entanto, o laço natural não foi quebrado: Abrão saiu com Terá, seu pai. Ele não saiu da casa de seu pai; ele não havia se rendido totalmente à vontade do Senhor de uma só vez, e, portanto, o Senhor não pôde lhe mostrar a terra de Canaã. Abrão havia deixado muitas coisas, mas ele parou antes de chegar a Canaã. É verdade que ele havia deixado sua terra e sua parentela, mas não havia deixado o vínculo natural mais próximo – a casa de seu pai; portanto, Deus não pôde lhe mostrar Canaã. Ele estava apegado a Terá e indo apenas meio caminho com Deus; assim ele fica em Harã. O mesmo acontece conosco, pois se ainda queremos o que naturalmente nos pertence, não haverá a plena entrada naquelas coisas que Deus está pronto para nos mostrar. Todas as comunicações de Deus a Abrão, sobre o que era Canaã, ocorreram após, ou consequente, a sua chegada a Canaã. Deus coloca a posição em que ele deve estar em contraste direto com os laços naturais. Ele disse a Abrão: “Sai-te… para a terra que Eu te mostrarei”. Deus o havia chamado, e o chamado implicava uma reivindicação. Não era apenas a questão do governo público do mundo; Abrão é totalmente separado disso. Ele deve ser um estrangeiro na casa de seu pai e um estrangeiro ainda quando trazido para Canaã. Era o amor do Senhor repousando sobre um indivíduo e o associando a tudo o que Ele tinha em mente, enquanto o colocava no lugar de todas as promessas de bênção. Vemos do que ele foi chamado em Josué 24:2: “Assim diz o SENHOR Deus de Israel: Além do rio habitaram antigamente vossos pais, Terá, pai de Abraão e pai de Naor; e serviram a outros deuses”. Os homens não eram meramente perversos, mas Deus tendo manifestado no dilúvio o poder do governo no mundo, Satanás tomou posse desse poder na mente dos homens, que foram assim levados a adorar demônios, atribuindo a eles o poder, e não a Deus.
Foi isso que formou a ocasião desse testemunho público a favor de Deus ao separar Abrão de tudo ao seu redor; isso o separava totalmente de todos os laços reconhecidos no mundo. Ele não deveria ser apenas justo e adorador, mas deveria estar conectado com uma glória que o mundo havia perdido de vista, pois colocara o diabo no lugar de Deus. Assim, em Atos 7:2, diz: “O Deus da glória apareceu a nosso pai Abraão”. Deus chama Abrão para fora do mundo para uma glória posta diante dele. O mundo não é corrigido, mas deixado exatamente como estava, e agora encontramos um vínculo especial estabelecido entre Deus e Abrão. Deus Se revela a ele e diz: “Sai-te… para a terra que Eu te mostrarei”. A vida de Abrão dependia de uma ligação imediata e presente entre ele e Deus, que deveria ser mantida pelo Senhor, cumprindo tudo o que havia prometido. Assim também, o Senhor Se revela à nossa alma e dá a Sua Palavra como um terreno seguro para nossa conduta. Bendito seja Deus, podemos contar com Sua fidelidade infalível e viver pela fé em dependência diária, constante e incessante d’Ele, para sermos conduzidos à posse dos desejos de nosso coração. Mas também descobrimos que as promessas do Senhor envolveram a atuação de Abrão também, pois enquanto ele permanece com Terá, Deus não pode trazê-lo para Canaã. Ele não podia desfrutar de Terá e Canaã juntos. A bênção da fé é encontrada apenas no caminho da fé.
Conflito e descanso
Em tudo o que se fala de Canaã, não é o descanso que está diante de nós. Veja o livro de Josué; lá está o conflito. Abrão descansa? Ele não tinha sequer o espaço de um pé, morando em tendas com Isaque e Jacó – uma posição celestial, mas em conflito, pois os cananeus ainda estão lá. Não temos ainda o descanso a que Deus nos chama. Estamos assentados nos lugares celestiais, em Cristo, mas temos que lutar com as hostes espirituais da maldade nos lugares celestiais. O santo é chamado a um lugar de descanso, mas ainda não recebe nada.
Adoração
“E apareceu o SENHOR a Abrão” (Gn 12:7). Ele agora aparece para ele na terra. Não é o chamado que nos coloca no lugar de adoração, mas assim que entramos na terra, então podemos adorar, porque nosso relacionamento com Deus é conhecido, estabelecido e apreciado. Antes é a caminhada da fé, mas isso não é adoração. Portanto, nós, como assentados nos lugares celestiais, podemos adorar, conhecendo nosso relacionamento como filhos. “Edificou ali um altar ao SENHOR, e invocou o nome do SENHOR” (Gn 12:8). Em Hebreus 11:8-10, temos três coisas em relação ao poder da fé em Abrão. Primeiro (v. 8): “Pela fé Abraão, sendo chamado, obedeceu, indo para um lugar que havia de receber por herança; e saiu, sem saber para onde ia”. Ele foi em dependência simples e presente, se apoiando na promessa de Deus. Havia a vida de fé. Segundo, quando estava na terra (v. 9): “Pela fé habitou na terra da promessa, como em terra alheia, morando em cabanas com Isaque e Jacó, herdeiros com ele da mesma promessa”. O aparecimento do Senhor para ele foi o fundamento de sua adoração, e lá ele construiu seu altar. O Senhor ainda explica Seus propósitos para com ele, e ele obtém conhecimento profético. Mas não foi isso que sustentou a alma de Abrão. Ele poderia dizer: “Agora eu sei como tudo será realizado. Está na minha descendência e não em mim mesmo. Eu sou um estrangeiro aqui”. Como então sua alma se sustentou enquanto ele era um estrangeiro? Terceiro (v. 10): “Porque esperava a cidade que tem fundamentos, da qual o artífice e construtor é Deus”. Assim, a alma de Abrão não foi meramente levada à adoração, mas ele foi sustentado por uma comunhão mais estreita com aquele Deus que o havia escolhido, na fé de que Ele mesmo construiria a cidade.
A glória de Deus
Fiquei impressionado que, em Apocalipse 4, falando do trono do governo de Deus, existem povos, anjos, a assembleia e criaturas vivas – toda uma população apresentada ali – mas quando eu chego à cidade celestial (Ap 21), há um grande e alto muro, ruas, portas de pérolas, mas onde estão as pessoas? Ninguém está ali, porque as pessoas são perdidas de vista na ideia da glória de Deus e do Cordeiro, e não se pensa em mais nada (embora saibamos que é a Noiva do Cordeiro), pois Deus e o Cordeiro estão ali. Foi a procura por esta cidade que fez de Abrão um peregrino e um estrangeiro. O mundo não podia entendê-lo, e então poderia ser dito: “Agora que Abrão está na terra, o que ele conseguiu?” Nada, pois ele não podia lhes explicar como era, mas tinha visto pela fé a cidade em que Deus era o Construtor. Vemos, então, que Abrão é chamado e, tendo entrado pela fé nas condições do chamado, ele entra na terra prometida. Lá ele tem uma revelação presente do Senhor, que é o fundamento de sua adoração, mas ele não descansou, pois os cananeus estavam lá.
Se Deus me chamou, devo deixar o mundo como ele está e não pensar em consertá-lo. Você não pode manter um relacionamento com Cristo e com o mundo ao mesmo tempo. A adoração a Deus se baseia no conhecimento da posição celestial em que estamos, sendo chamados para fora do mundo para comunhão com Ele próprio. Não temos nada em comum com o mundo, mas podemos cantar sobre a redenção, como se estivéssemos já agora no céu. Meus relacionamentos com Deus não serão modificados quando eu chegar em casa; eles serão exatamente os mesmos como são agora. Ele nos colocou em Cristo, e podemos dizer, como em Deuteronômio 26:3: “Hoje declaro perante o SENHOR teu Deus que entrei na terra” – não diz: “entrarei”. Estamos lá e temos o entendimento de como Deus cumprirá Suas promessas – “em tua descendência”. Não o descanso terrenal no cumprimento da promessa ao homem, mas o descanso celestial onde Ele habita, onde a glória de Deus a ilumina, e o Cordeiro é a sua luz.
É bom que nossa alma tenha o relacionamento para o qual somos chamados distintamente diante de nossa mente, para que possamos saber como adorar e ser sustentados pela força que ela fornece. E se os fundamentos da Terra estão fora de curso, eu não pertenço a isso. Tendo a sentença de morte em mim, não terei medo da morte, mas teremos o conforto e o gozo do lugar ao qual pertencemos. A doçura de uma calma é mais conhecida quando a tempestade está acontecendo por fora. Que o Senhor nos dê a verdadeira revelação de Si mesmo.