Origem: Revista O Cristão – Abraão
As Experiências de Abraão
As experiências do coração ocupam um grande lugar nos pensamentos dos Cristãos. É, no entanto, importante sempre julgá-las pela Palavra de Deus. Essas experiências são a expressão do estado interno do coração e de nossas relações com os outros, bem como dos sentimentos que nossa conduta, nessas mesmas relações, produz em nosso coração e em nossa consciência.
A vida de Abraão é um exemplo interessante em apoio a isso. É verdade que nem a lei nem a plenitude da graça haviam sido reveladas ainda. No entanto, como vemos em Hebreus 11, os princípios da vida de fé nas promessas de Deus eram em geral os mesmos para ele e para nós.
A caminhada de fé
O próprio Abraão falhou na fé em algumas ocasiões, mas em geral sua vida foi uma caminhada de fé com Deus. Esta é a razão pela qual suas experiências são muito mais íntimas com Deus e mais simples do que as de Jacó. Com uma única exceção, Abraão sempre permaneceu na terra da promessa. Ele era de fato um estrangeiro e peregrino, porque os cananeus habitavam ali, mas ele estava em relacionamento com Deus e andava diante d’Ele.
A princípio, quando Deus o chamou, ele não havia respondido totalmente a esse chamado. É verdade que ele realmente deixou sua terra e sua parentela, mas não a casa de seu pai, e por isso não chegou a Canaã. É verdade que ele havia abandonado muitas coisas; ele havia partido de Ur na Caldéia, mas não chegou mais longe que Harã e descansou ali. Assim é com o coração que não aprendeu que pertence inteiramente a Deus. É somente em conformidade com o chamado de Deus que podemos entrar na posição da promessa.
Após a morte de seu pai Terá, Abraão começou sob o comando de Deus, e eles partiram para a terra de Canaã, e entraram nela. Aqui temos a posição do povo celestial. Colocados pela graça e poder de Deus em uma posição celestial, da qual Canaã é uma figura, eles habitam lá; eles têm tudo em promessa, mas nada ainda em possessão. O Senhor Se revelou a Abraão ao chamá-lo; Ele Se revela de novo para ele no lugar que ele agora conhecia e que iria possuir: “À tua descendência darei esta terra” (Gn 12:7). Tal é, em geral, nossa confiança em Deus, que possuiremos realmente no futuro aquilo que conhecemos agora como estrangeiros.
Uma tenda e um altar
“E edificou ali um altar ao SENHOR, que lhe aparecera”. Ele serve a Deus e desfruta de comunhão com Ele. Daí ele segue para outro lugar e lá arma sua tenda; constrói um altar novamente ao Senhor e invoca o nome de Jeová (v. 8). Ele é um peregrino na terra da promessa, e essa é toda a sua história. Habitamos nos lugares celestiais, desfrutamos deles pela fé e temos comunhão com Deus, que nos levou para lá. A tenda e o altar de Abraão neste lugar dão um caráter a toda a sua história, e todas as experiências de fé consistem nisso.
Sua incredulidade o leva ao Egito (vs. 10‑21). Lá ele não tinha altar. Uma serva egípcia se torna depois a ocasião de sua queda e uma fonte de problemas para ele. Ela é, como aprendemos em Gálatas 4:24‑25, uma figura da lei, pois a lei e a carne estão sempre em relação uma com a outra. A graça de Deus traz Abraão de volta, mas ele não recupera um altar até que ele retorne ao local em que ele primeiro armou sua tenda e ao altar que ele havia construído antes; lá ele tem comunhão novamente com Deus (Gn 13:3-4).
Nada do mundo
As promessas de Deus são a porção de Abraão. Ele permite que Ló tome o que bem entender: “Não está toda a terra diante de ti? Eia, pois, aparta-te de mim; e se escolheres a esquerda, irei para a direita; e se a direita escolheres, eu irei para a esquerda. E levantou Ló os seus olhos, e viu toda a campina do Jordão, que era toda bem regada, antes do SENHOR ter destruído Sodoma e Gomorra, e era como o jardim do SENHOR, como a terra do Egito, quando se entra em Zoar. Então Ló escolheu para si toda a campina do Jordão, e partiu Ló para o oriente, e apartaram-se um do outro” (Gn 13:9-11). Ló é a figura de um crente mundano. Ele toma o que, no momento, parece ser a melhor parte, e escolhe o lugar sobre o qual o julgamento de Deus está pairando. Abraão desistiu de tudo segundo a carne, e Deus mostra a ele toda a extensão da promessa. Ele lhe dá uma prova visível daquilo que Ele lhe deu e a confirma para sempre (vs. 14-18). Ló, o crente mundano, é vencido pelos príncipes do mundo. Abraão o liberta. Com os servos de sua casa, ele vence o poder do inimigo (Gn 14:1‑21). Ele não receberá nada do mundo. Ele diz ao rei de Sodoma: “Levantei minha mão ao SENHOR, o Deus Altíssimo, o Possuidor dos céus e da Terra, jurando que desde um fio até à correia de um sapato, não tomarei coisa alguma de tudo o que é teu; para que não digas: Eu enriqueci a Abrão” (Gn 14:22-23).
Depois, Deus Se revela a Si mesmo a Abraão como seu escudo e grande recompensa. Ele promete a ele uma posteridade no momento em que seu corpo estava amortecido; justificado pela fé, ele recebe a confirmação das promessas de Deus, que Se liga por um sacrifício, figura do sacrifício de Cristo. Então a herança é mostrada a ele em seus detalhes (Gn 15).
A Lei e a Promessa
Seguindo os conselhos da carne, Abraão deseja por um momento o cumprimento da promessa pela lei, ou seja, por Hagar. Mas, assim, ele apenas aprende que é impossível que o filho da lei herde com o filho da promessa. Então Deus Se revela de novo como Deus Todo-Poderoso. Ele diz que ele será o pai de muitas nações e que Deus será o seu Deus para sempre (Gn 17:1-14). A posteridade de acordo com a promessa é prometida novamente (Gn 17:15-19).
Depois disso, Deus mais uma vez visita Abraão e faz promessas positivas a respeito do nascimento do seu filho (Gn 18:9-15). Ele o considera como Seu amigo, dizendo: “Ocultarei Eu a Abraão o que faço?” (Gn 18:17). Ele comunica a ele Seus pensamentos sobre o mundo, e Abraão conversa com Ele livremente e em perfeita paz. Ele intercede por aqueles que se esqueceram do Senhor (Gn 18:23‑33). Era necessário que Abraão experimentasse novamente, no caso de Ismael, que a lei produz tristeza e angústia, e na corte de Abimeleque ele aprendeu que quando a incredulidade está em ação, ela produz apenas problemas e tristeza. Mas Deus, em Sua fidelidade, cuida dele assim como da mãe da posteridade.
Depois, Abraão foi provado no mais alto grau, até que ele teve que renunciar tudo segundo a carne e até mesmo as promessas. Mas as promessas em um Cristo ressuscitado em figura são confirmadas ao próprio Cristo e, n’Ele, a toda a posteridade espiritual de Abraão (cap. 22:15-19); compare Gálatas 3:16-18.
Peregrinação e adoração
Abraão então aprendeu por uma queda que nem a lei nem a promessa são de alguma utilidade para a carne; no entanto, em geral, suas experiências peculiares consistiam em peregrinação e adoração, o tempo todo em que ele continuou na terra prometida. Observamos agora que sua vida é caracterizada por uma tenda e um altar. Toda a experiência, toda a vida do fiel Abraão, consiste quase inteiramente de adoração, intercessão e revelações de Deus, de modo que ele aprendeu a compreendê-las com crescente clareza e precisão. Ele passou seu tempo no lugar para o qual Deus o havia chamado. As revelações de Deus eram para ele ricas, doces e admiráveis. Seu conhecimento de Deus era íntimo e profundo, suas experiências pessoais felizes e simples, pois ele caminhava com Deus que Se revelou a ele em graça.