Origem: Livro: AUTOESTIMA

“Entregues à Morte”

Já falamos da importância de “Trazendo sempre por toda parte a mortificação do Senhor Jesus no nosso corpo” (2 Co 4:10), mas o versículo imediatamente seguinte nos leva um passo adiante; ele declara: “E assim nós, que vivemos, estamos sempre entregues à morte por amor de Jesus, para que a vida de Jesus se manifeste também em nossa carne mortal” (2 Co 4:11). Podemos ter sentido a necessidade de levar em nosso corpo a mortificação do Senhor Jesus, e até mesmo ter feito isso até certo ponto, querendo realmente tratar com aquilo que não agrada ao Senhor. Se sempre fizéssemos isso perfeitamente, o versículo 11 não teria necessidade de estar ali. Mas o Senhor vê coisas em nossa vida que não vemos – talvez coisas que pensamos não ser tão ruins, talvez uma atitude à qual nos acostumamos há muito tempo, ou algum motivo oculto que não percebemos ter um tamanho efeito em nossa vida. Então somos “entregues à morte” – uma declaração forte. O que isso significa? Significa que o Senhor permite circunstâncias em nossa vida para trazer diante de nós aquele motivo oculto, aquele pecado que nós não vemos, ou pelo menos não pensamos que seja tão sério. É a misericórdia de Deus que Ele faça isso, pois assim seremos capazes de ver mais claramente o que está impedindo nosso pleno gozo de Cristo, e de nos livrar disso. Mas com que frequência nos rebelamos contra o tratamento do Senhor conosco, e não aprendemos a lição! Olhamos para as próprias circunstâncias, ou talvez para os indivíduos envolvidos nelas, e nos recusamos a deixar o Senhor nos mostrar que Ele permitiu a dificuldade.

Devemos lembrar que nunca há qualquer causa secundária com Deus. Quando aceitamos a provação como vinda do Senhor, e d’Ele somente, então podemos ir a Ele no espírito de Hebreus 12:11, exercitados pela disciplina e descobrindo que ela “produz fruto pacífico de justiça” (Hb 12:11). Se outras pessoas estiverem envolvidas e tiverem agido de forma errada conosco, podemos deixar isso com o Senhor; Ele irá tratar com elas. Que Deus nos possa dar a graça para aceitar todas as nossas circunstâncias como vindas d’Ele, e então ir a Ele, perguntando-Lhe por que Ele as permitiu. Se fizermos isso, então Ele pode nos mostrar coisas em nosso coração que necessitam ser tratadas. Assim a vida de Jesus será mais e mais manifesta em nós, em vez da velha natureza pecaminosa. Se este é o propósito de Deus na provação, ela não faz tudo isso valer a pena?

Nunca devemos nos permitir o luxo de sentirmos pena de nós mesmos. Todos nós gostamos de fazer isso às vezes. Ouvimos falar de pessoas que fazem o que é chamado de “festa da piedade”. Várias pessoas (às vezes, somente duas!) se reúnem e se revezam para falar sobre as injustiça que sofreram dos outros, a forma como foram maltratadas, a forma como as pessoas tiraram vantagens delas, e daí por diante. Há uma satisfação sutil em relatar todas essas injustiças e depois ouvir alguém dizer: “Oh, que horrível – coitado de você!” Eu mesmo sou culpado de ter feito isso, e tive que perceber diante do Senhor que isso era nada além de pecado. Era permitir que minha velha natureza pecaminosa agisse. Deus nos deu o exemplo d’Aquele que sempre se compadeceu dos outros em todas as situações, até mesmo quando Ele estava experimentando o maior dos sofrimentos. Quando estamos ocupados com Cristo, Deus nos dará a graça de sentir compaixão até mesmo por aqueles que estão nos causando o maior mal.

Para ilustrar como o Senhor Jesus quer que vivamos, gostaria de me referir há um incidente em Sua vida.

“Então, se aproximou d’Ele a mãe dos filhos de Zebedeu, com seus filhos, adorando-O e fazendo-Lhe um pedido. E Ele diz-lhe: Que queres? Ela respondeu: Dize que estes meus dois filhos se assentem um à Tua direita e outro à Tua esquerda, no Teu reino. Jesus, porém, respondendo, disse: Não sabeis o que pedis; podeis vós beber o cálice que Eu hei de beber e ser batizados com o batismo com que Eu sou batizado? Dizem-lhe eles: Podemos. E diz-lhes Ele: Na verdade bebereis o Meu cálice, mas o assentar-se à Minha direita ou à Minha esquerda não Me pertence dá-lo, mas é para aqueles para quem Meu Pai o tem preparado. E, quando os dez ouviram isso, indignaram-se contra os dois irmãos. Então, Jesus, chamando-os para junto de Si, disse: Bem sabeis que pelos príncipes dos gentios são estes dominados e que os grandes exercem autoridade sobre eles. Não será assim entre vós; mas todo aquele que quiser, entre vós, fazer-se grande, que seja vosso serviçal; e qualquer que, entre vós, quiser ser o primeiro, que seja vosso servo, bem como o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e para dar a Sua vida em resgate de muitos” (Mt 20:20-28).

Aqui o Senhor mostrou aos Seus discípulos que o Cristianismo não é caracterizado pelo que se encontra, mas pelo que se traz. Nosso bendito Salvador não veio para ser servido, mas para servir, e Ele deixou um exemplo para nós. Você está em uma situação difícil em casa ou no trabalho? Deus lhe dará a graça para enfrentar essa situação, primeiro dando-lhe paz sobre ela em sua própria alma, e depois para ajudá-lo a mostrar um pouco do amor e graça de Cristo aos outros. Você está em uma situação difícil na assembleia local? O Senhor pode usar você para ser de ajuda. Um andar piedoso consistente nunca passará despercebido.

Quando o Senhor estava no Jardim do Getsêmani (falo reverentemente), Ele poderia ter pensado apenas em Si mesmo. Em vez disso, Seus pensamentos eram para os Seus discípulos, e Ele disse a eles: “Vigiai e orai, para que não entreis em tentação” (Mt 26:41). Quando os soldados vieram prendê-Lo, Ele disse: “Se é a Mim, pois, que buscais, deixai ir estes” (Jo 18:8 – ARA). Quando Pedro posteriormente O negou, o Senhor Se virou e olhou para ele, sem dúvida com amor e compaixão. Quando homens O estavam pregando na cruz, Ele disse: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23:34). Quando o ladrão ao Seu lado, que pouco antes O estava injuriando, disse: “Senhor, lembra-Te de mim, quando entrares no Teu reino. E disse-lhe Jesus: Em verdade te digo que hoje estarás Comigo no paraíso” (Lc 23:42, 43). Quando Ele viu Sua mãe ali junto à cruz, como o filho mais velho na família Ele assumiu a responsabilidade de providenciar os cuidados dela, e a entregou a João. Em tudo Seus pensamentos eram para os outros, e não para Si mesmo. Certamente você e eu nos curvamos em humilde adoração diante de tal graça, percebendo que nunca a alcançaremos enquanto estivermos neste mundo. Como observamos anteriormente, Deus está começando essa obra em nós aqui neste mundo, e, se Cristo está preenchendo nosso coração, então podemos pedir a graça para reagir às situações como Ele reagiu. Se foco na injustiça que os outros estão cometendo, eu mesmo cometerei injustiça. Se meus olhos estão no Senhor, embora outros possam ser culpados de ações erradas, posso ter reações corretas.

Se outra pessoa está fazendo algo certo, posso sentir com ela e ser de ajuda e de encorajamento para ela. Mas, se estiver agindo errado, posso sentir por ela. Posso pedir ao Senhor a graça para ser de ajuda para essa pessoa, mesmo que eu esteja sofrendo com a injustiça que está sendo cometida por ela. Isso é sempre algo difícil de fazer, e às vezes há situações em que, humanamente falando, parece ser absolutamente impossível. Há situações em que a injustiça é tão grande e o dano emocional tão severo que parece impossível ter a graça para se compadecer pelo transgressor. Eu não minimizaria, de forma alguma, a seriedade de algumas dessas injustiças. Mas, então, somos levados de volta para a cruz, e somos lembrados de Hebreus; “Considerai, pois, Aquele que suportou tais contradições dos pecadores contra Si mesmo, para que não enfraqueçais, desfalecendo em vossos ânimos [vossa alma – ARA] (Hb 12:3). Ninguém jamais passou por tantas tristezas como nosso bendito Salvador, e Ele passou sozinho. O que O manteve (e novamente falo reverentemente) foi o gozo que Lhe estava proposto, e nisso Ele nos deixou um exemplo. Espero expressar isso com sentimento, que, embora a diferença entre uma situação e outra possa ser uma questão de grau, o princípio permanece o mesmo. Uma situação pode requerer mais graça do que outra, mas “Ele dá maior graça” (Tg 4:6 – ARA). Dizer que há uma situação que pode surgir em nossa vida na qual Ele não poderia dar a graça para agir de acordo com Sua Palavra é negar Sua suficiência.

Lembro-me de ter conversado com uma menina que veio de um lar muito difícil, onde seu pai não a havia tratado muito bem. Após ouvi-la por algum tempo, pude certamente simpatizar com a dor que ela sentia. Ela tinha todas as razões para estar amarga e ressentida sobre o que ela vivenciou. Quando comecei a conhecê-la um pouco melhor, e falávamos sobre o remédio para aqueles sentimentos, disse a ela; “Você consegue superar a sua dor e sentir simpatia por seu pai, que provavelmente também está sofrendo e precisa de ajuda?” Ela nunca havia pensado nisso antes. A sabedoria do mundo iria dizer que temos que expressar nossa raiva, que temos que confrontar o transgressor, que temos que fazê-lo sentir/perceber o quanto fomos machucados. Mas a sabedoria de Deus nos mostra que podemos levar nossa dor ao Senhor e resolver tudo com Ele somente. (E é importante lidar com essa dor – encobri-la e fingir que nada aconteceu não é a resposta.) Às vezes, um amigo de confiança e confidente pode ser de grande ajuda para colocar em ordem as muitas emoções conflitantes em um momento como esse. Mas se tal indivíduo não está disponível, lembremos que o Senhor Jesus passou pela agonia da cruz no Jardim do Getsêmani sozinho com Seu Pai. Foi ali que o suor caiu de Sua testa, e onde Ele pediu a Seu Pai, passa de Mim este cálice. Então, perante o mundo, Seus pensamentos podiam ser para os outros.

Não é errado expressar a dor, e talvez desafogar os sentimentos que brotam em nosso coração – não, é algo mais do que necessário ao lidarmos com essas terríveis experiências. Também não é errado confrontar o transgressor, para deixá-lo ciente do quanto fomos machucados. Se feito da maneira correta e sob as circunstâncias corretas, pode ser muito útil para resolver a questão. Mas lembremos que o Senhor entende melhor do que qualquer outro. Então Ele nos dará a graça, primeiro para estarmos em paz com nós mesmos, e então para termos sentimentos corretos em relação ao transgressor.

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