Origem: Revista O Cristão – Nascentes, Fontes e Rios
A Fonte de Água
Em João 3 temos o poder vivificador do Espírito, o contraste entre a velha e a nova criação. Aqui, em João 4, temos outra coisa: a habitação do Espírito no crente. “A água que Eu lhe der será nele uma fonte de água a jorrar para a vida eterna” (Jo 4:14 – ARA).
Um homem precisa nascer de novo – nascer da água e do Espírito – se quiser se aproximar de Deus. Isto é o que precisa ser apresentado ao pecador: “Necessário vos é nascer de novo”, enquanto, ao mesmo tempo, sabemos que deve ser obra de Deus. Não que seja dito em um sentido legal: “Necessário vos é”, porque sabemos que um homem não pode fazer isso por si mesmo. Mas há uma necessidade moral para isso, porque, até que nasça de novo, o pecador não consegue ter um só desejo ou coisa alguma nele que seja adequado a Deus. É o requisito que flui do que Deus é e do que o pecador é. Mas não há tal necessidade para a habitação do Espírito no crente. Em vez de ser uma exigência, é a expressão de pura graça – não tanto uma necessidade para o homem, mas algo concedido por Deus. Portanto, não apenas os Judeus, mas também os gentios podem tê-la. “Se tu [a pobre mulher samaritana] conheceras o dom de Deus”. Mesmo para o Judeu era necessário “nascer de novo”, e essa foi a instrução no capítulo 3. No capítulo 4, é de um puro dom que Ele fala, e Ele mostraria que o pior dos gentios poderia tê-lo, assim como um Israelita.
Poder
O Espírito Santo que é dado traz poder, bem como uma nova natureza. A nova natureza tem certas características, como amor e santidade. “Todo aquele que é nascido de Deus não peca” (1 Jo 5:18), mas há outra coisa – poder, e sem isso o próprio desejo por santidade só causará angústia de alma e sentimento de condenação. Não haverá paz, gozo, liberdade nem consciência de relacionamento, pois tudo isso está fundamentado na habitação do Espírito de Deus. O Espírito Santo produz esses efeitos na alma em que habita, trazendo à tona, em nós, o que é semelhante a Deus. Assim, vemos a diferença entre o Espírito Santo vivificando, ou concedendo uma nova natureza, e o Espírito Santo habitando em nós e nos dando poder.
A mulher samaritana, como sabemos, vem tirar água; o Senhor lhe pede de beber. Ela se surpreende por Ele pedir água a ela. No capítulo 3, O vimos conversando com um Judeu, um fariseu, um rabino honrado, mas aqui era uma samaritana desprezada. Ela ficou surpresa por Ele ter ultrapassado todos os limites para vir em perfeita liberdade para falar com ela: aqui estava o dom da graça que desceu até ela, assim como até o Judeu. Deixando de lado os detalhes de sua conversão, que são muito interessantes, podemos notar a humildade de Jesus em Seus atos para com ela. A posição d’Ele aqui é fundamentada em Sua total rejeição vindo Ele como promessa. Ele está a caminho, como rejeitado, para a Galileia, o lugar onde Deus visita Seu remanescente. “O povo que andava em trevas, viu uma grande luz” (Is 9:2). Ele deixou a Judeia, e Deus O guia por essa miserável raça apóstata – uma figura do Senhor agindo agora em graça soberana, reunindo os gentios, antes de ir para o remanescente Judeu.
Graça soberana
Aquilo que se apodera de um pecador é a graça soberana. Ele é rejeitado pelo homem, e o homem é rejeitado por Deus. Há uma completa e mútua rejeição. A promessa se foi, porque Cristo, vindo com as promessas, foi rejeitado. “A Minha alma se impacientou deles, e também a alma deles se enfastiou de Mim” (Zc 11:8). Agora é um Cristo rejeitado e humilhado, concedido como o dom soberano de Deus. Deus estava dando livremente, e Aquele que deu estava ali. Aquele que poderia criar outro céu e outra Terra, se quisesse, veio pedir de beber à mulher! Quanta confiança em Sua graça isso inspira! Ele não espera que ela peça a Ele até que Ele tenha pedido a ela. Nosso orgulho diria: Se eu aceitar os favores de Deus, Ele aceitará os meus. Aqui está o próprio Deus vindo e dizendo: “Se tu conheceras o dom de Deus”. Ele dependeria dela para beber durante o caminho. Essa foi a posição que Ele tomou. Quando Ele pôde Se colocar em tal posição a ponto de pedir um favor a ela, todas as comportas da confiança dela se abriram. “E era-Lhe necessário passar por Samaria”; esse foi o caminho em que Seu amor, ao descer aqui, O colocou.
Não há nada tão difícil para nosso vil coração entender como a graça, mas não há nada tão simples na presença de Deus. Se você conhecesse a Pessoa d’Aquele que lhe pede, você creria na perfeição da graça que desce até a miséria do homem para conceder. Não se trata de como você deve ser isto ou aquilo, mas aqui está Deus descendo até você.
Ele está perfeitamente à vontade com a samaritana, embora até então ela estivesse em seus pecados. Uma samaritana, e ainda assim Deus está conversando com ela! A revelação de Deus dessa forma nos dá a consciência de que podemos receber o que Ele tem para nos dar. No momento em que uma alma apreende o que há em Cristo, ela recebe a bênção. “Senhor, dá-me dessa água”, diz ela.
A consciência
Há um pensamento acrescentado no versículo 16: os pecados precisam ser trazidos à luz. Não há entendimento do que Ele tem para dar até que a consciência é alcançada e a mulher tem a convicção do pecado. Se as coisas de Deus pudessem ser recebidas pela mente natural do homem, o homem estaria, em certo sentido, à altura de Deus. Claramente, o homem não está nessa posição diante de Deus. Mas quando a consciência é despertada, ela traz o senso de necessidade. Então o pecador não vê nada além de pecado, e que nada além da graça de Deus pode resolver isso. Um homem nunca obtém entendimento espiritual até que Deus tenha tratado com sua consciência. Além disso, até que a carne seja, em certa medida, julgada, o Cristão não tem poder para entender Deus.
Quando conheço a Pessoa do Senhor Jesus Cristo, sei que tenho tudo o que preciso, porque tudo está n’Ele – amor, poder, santidade n’Ele. “Mas aquele que beber da água que Eu lhe der nunca terá sede” (Jo 4:14). Um pecador que é detectado está em uma situação diferente da de estar na possessão do poço, mas a detecção fazia parte do caminho para possuir o poço. Para trazer esse poço ao coração, Ele precisa convencer do pecado. Ela precisa estar conscientemente na presença de Deus. Será que pensamos nisso – que estamos na presença de Deus? Nunca pecaríamos se o fizéssemos.
O poço de água
A mulher segue o curso natural de seus próprios pensamentos ao falar sobre a água do poço (vs. 11-12). Mas Cristo diz: “A água que Eu lhe der se fará nele uma fonte de água”. Ao se usar o que o pecado dá neste mundo, aquilo logo se esgota; sua força se esvai ao se gastar: a fonte se seca. Mas com as coisas espirituais é exatamente o contrário. Quanto mais uso, mais tenho. “Porque àquele que tem, se dará, e terá em abundância” (Mt 13:12). E não deixa desejo por mais nada – nenhum anseio pelo que eu não tenho. “Aquele… nunca terá sede” – nunca terá sede de qualquer outra coisa, enquanto houver o crescente senso de necessidade da água viva continuamente.
Não posso dizer isso na prática sobre alguém cuja alma anseia por coisas terrenais. Quando há essa crosta dura sobre a alma, há necessidade de humilhação, mas o estado natural de um Cristão é seguir em frente e receber mais. Um Cristão mergulhado na carne tem sede. Se alguém fosse ao fundo de sua alma, poderia encontrar o poço, mas deveria haver na alma o senso de possessão e não de necessidade.
Descanso e poder
Aqui há descanso e poder. Não temos apenas a vida eterna n’Aquele de Quem nunca seremos separados, mas o homem tem uma fonte de água em si mesmo. Este é o poder que desce de Deus – o céu é trazido ao meu coração. É o poder da vida divina me colocando em comunhão com o Pai e o Filho. É nada menos que tudo o que está em Deus habitando em mim. Eu tenho algo que se apodera dessa nova vida: o dom de Deus. A fonte de água está no indivíduo; há uma fonte eterna em minha própria alma. Há um poder na pessoa que a associa a tudo o que está em Deus; o indivíduo a bebe, a recebe como uma pessoa sedenta, e então ela se torna nele uma fonte que o torna participante do que está em Deus. Ela se alimenta, com apreensão espiritual, das coisas de Deus.
Isso não se refere a um dom exterior, mas ao poder vivo na alma, abrangendo tudo o que o Pai e o Filho têm, e que tem o caráter e a marca, na pessoa, da vida eterna para a qual ele jorra. Essas coisas eternas pertencem à pessoa que as desfruta; a água “a jorrar para a vida eterna” (ARA).