Origem: Revista O Cristão – Simão Pedro

Peneirado Como Trigo

Quão bom e precioso é o fato de termos o Senhor, para sempre olhar para Ele, pois, se nossos olhos sempre estivessem fixos no “eu”, não apenas não avançaríamos, mas seríamos completamente desencorajados ao considerarmos o mal que há em nosso interior. Nós nos limitaríamos à ideia do mal e, assim, nos privaríamos da força que pode vencê-lo.

A natureza da carne e a cegueira do coração do homem são dignas de observação. Que coisas tolas se interpõem entre Deus e nós, para esconder de nós aquilo que deveríamos ver! Quão estranhamente, também, os pensamentos do coração natural seguem seu curso natural (mesmo quando o Senhor está perto de nós) e nos privam da consciência das coisas mais marcantes! Encontramos isso apresentado neste caso de Pedro.

“Simão, Simão, eis que Satanás vos pediu para vos cirandar como trigo; Mas Eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça” (Lc 22:31-32). Ele não diz: “Não serás tentado; Impedirei Satanás de te peneirar”; não, Ele não faz isso. Vemos aqui que Deus muitas vezes deixa Seus filhos na presença de seu inimigo, mas, mesmo estando assim na presença do inimigo, Ele cuida dos Seus, como vemos em Apocalipse 2:10: “Eis que o diabo lançará alguns de vós na prisão, para que sejais tentados Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida”.

Pedro poderia ter dito ao Senhor: “Tu podes impedir que eu seja assim peneirado”, assim como Marta e Maria pensaram que Jesus poderia ter impedido a morte de Lázaro, e, verdadeiramente, Aquele que pode dar a coroa da vida pode nos proteger, mas Ele não faz isso, mas permite que sejamos provados. Satanás desejou ter Jó para peneirá-lo como trigo, e Deus permitiu que ele o fizesse, e isso também acontece conosco. Muitas vezes dizemos no nosso interior: Por que Ele agiu assim comigo? Por que Ele me colocou nessa ou naquela prova severa? Ah, foi Satanás quem desejou, e Deus Quem permitiu. Muitas vezes ocorrem coisas que não conseguimos entender; essas coisas são destinadas a nos mostrar o que é a carne.

O desejo de Satanás, o cuidado do Senhor e o poder de Pedro 

Quando Deus está prestes a usar um Cristão em Sua obra, Ele toma aquele que foi o mais longe no caminho da provação. Assim, aqui é dito: “Satanás vos pediu para vos cirandar como trigo”. O perigo é apresentado a todos, mas Ele acrescenta, falando a Pedro: “Eu roguei por ti”, por ti em particular, porque Jesus o distingue de todos os demais porque ele havia assumido uma posição mais proeminente do que os outros, e, assim, ele estava mais exposto, embora todos tenham sido peneirados na morte de Jesus.

O Senhor então diz a Pedro: “E tu, quando te converteres, confirma teus irmãos”. Ele não iria poupar nenhum de seus discípulos de ser peneirados, mas Pedro seria o mais severamente provado e, portanto, o mais apto para fortalecer seus irmãos. Apesar de tudo isso, Pedro está cheio de confiança própria. “Senhor, estou pronto a ir Contigo até à prisão e à morte”. Mas Jesus responde: “Digo-te, Pedro, que não cantará hoje o galo antes que três vezes negues que Me conheces”.

A carne agindo em Pedro tinha apenas o poder de levá-lo até o momento da provação, e ali falhou, pois Pedro negou o Senhor Jesus, mesmo em Sua própria presença. Ele poderia ter visto seu Salvador, se seu coração não tivesse se desviado d’Ele. Jesus estava olhando para ele, e mesmo assim ele o negou à criada, dizendo: “mulher, não O conheço”. Pedro havia sido avisado, mas o Senhor não permitiria que ele fosse mantido pelo poder divino naquele momento, porque ele precisava aprender por experiência o que ele era em si mesmo.

Se notarmos tudo o que Cristo fez, veremos como Ele estava atento a Pedro, naquele momento; Sua graça, por assim dizer, saiu ao seu encontro e cuidou dele durante toda a tentação. A primeira coisa que Jesus lhe diz é que Ele orou por ele. Não foi que o arrependimento de Pedro levou à intercessão de Jesus, mas a intercessão de Jesus produziu o arrependimento em Pedro. “Eu orei por ti” e “Jesus olhou para Pedro”. Quanto a Judas, ele negou o Senhor e, quando sua consciência foi despertada, ele se matou. Assim que o crime foi cometido, toda a confiança fugiu e ele se matou. Mas, aqui, o efeito da oração de Jesus foi preservar a fé no fundo do coração de Pedro, de modo que, quando Jesus olhou para ele, ele foi quebrantado.

A primeira coisa a observar é que o Senhor havia orado por Pedro, e a segunda, que Ele sempre Se lembrava de Seu discípulo, e assim que o galo cantou, Jesus olhou para ele, e Pedro chorou amargamente. É dessa maneira que o Senhor trata conosco: Ele ora por nós e permite que entremos em tentação. Se Ele nos conduz quando estamos nela, também nos exorta a orar para que não entremos em tentação, mas Deus permite tudo isso porque Ele vê o fim dela. Se Pedro tivesse consciência de sua própria fraqueza, não ousaria se mostrar diante do sumo sacerdote. Essa provação foi a consequência natural do que ele era na carne, mas era o propósito de Deus usá-lo e até colocá-lo em uma posição de destaque em Sua obra. A causa de sua queda foi a confiança própria; a carne estava presente ativamente.

A peneiração 

Deus fez tudo bem para ele, e Pedro viu qual era o poder da peneiração de Satanás. Os outros discípulos, não tendo a mesma força carnal, fugiram imediatamente. Eles não tinham tanta confiança quanto Pedro, mas Deus o deixou lutar contra Satanás, e Jesus orou por ele, apesar de sua queda, para que sua fé não desfalecesse. No momento em que Pedro caiu, os olhos de Jesus Se voltaram para ele. Aquele olhar não dava paz, mas confusão de rosto; Pedro chorou; ele saiu e estava tudo acabado. Ele havia aprendido o que ele era. Houve seu fracasso; o pecado foi cometido e não pôde ser desfeito; poderia ser perdoado, mas nunca apagado [da memória de Pedro]. Pedro não podia esquecer que havia traído o Senhor, mas Jesus fez uso dessa queda para curá-lo de sua presunção.

É o mesmo conosco. Muitas vezes cometemos falhas que são irreparáveis, por causa de uma excessiva confiança na carne. Quando não há possibilidade de corrigir as falhas, o que deve ser feito? O único recurso é se lançar na graça de Deus. Quando a carne é muito forte, Deus geralmente nos permite cair, porque não estamos nesse precioso estado de dependência que nos preservaria.

A consciência e o coração 

Quando Deus prova o coração dessa maneira, Ele às vezes o deixa nas mãos de Satanás, mas nunca deixa a consciência de Seus filhos nas mãos do inimigo. A consciência de Judas estava nas mãos de Satanás e, portanto, ele se desesperou. O coração de Pedro esteve em suas mãos por um tempo, mas sua consciência nunca. Portanto, em vez de se desesperar, como Judas, o amor de Jesus, expresso em um olhar, tocou o coração de Pedro.

Então a graça age no coração; ela dá a consciência do pecado, mas, ao mesmo tempo, o amor de Cristo alcança a consciência, aprofundando a consciência do pecado, mas se essa é profunda, é porque a consciência do amor de Cristo também é profunda. Por mais perfeito que fosse o perdão de Pedro, ele nunca poderia esquecer seu pecado. Não apenas ele foi totalmente perdoado, mas sua consciência estava nas mãos do Senhor quando o Espírito Santo revelou a plenitude do coração de Jesus para ele. Sua consciência estava tão completamente purificada que ele poderia acusar os judeus do próprio pecado que cometera sob as circunstâncias mais solenes. “Mas vós negastes o Santo e o Justo” foram suas palavras. O sangue de Cristo havia purificado completamente sua consciência, mas se a questão de sua força na carne fosse levantada, tudo o que ele tinha a dizer era: eu neguei o Senhor e, se não fosse por Sua pura graça, eu não poderia sequer abrir minha boca.

Amor e autoconfiança 

Jesus nunca censurou Pedro com seu pecado naquelas conversas que teve com ele. Nunca há a pergunta: por que você Me negou? Não; Ele não o lembra nem uma vez sequer de seu fracasso. Pelo contrário, Ele age de acordo com a expressão de amor do Espírito Santo: “de seus pecados e de suas prevaricações não Me lembrarei mais”. Jesus havia esquecido tudo. Mas havia uma coisa que Ele tinha para mostrar a Pedro; era a raiz do pecado, o ponto em que ele havia falhado. A tentação de Satanás, juntamente com sua própria falta de amor, foi a causa de sua queda e destruiu sua confiança própria, mas agora, com sua consciência sendo tocada, era necessário que sua inteligência espiritual fosse formada. Pedro se vangloriou de ter mais amor por Jesus do que os outros, e Pedro foi o que mais falhou dentre todos.

O Senhor lhe disse: “Amas-Me mais do que estes?” Onde está agora a confiança própria de Pedro? Jesus repete três vezes: “Amas-Me?” Mas Ele não o relembra de sua história. A resposta de Pedro é: “Senhor, Tu sabes todas as coisas, Tu sabes que eu Te amo”. Ele apela a Jesus e ao Seu conhecimento divino; “Tu sabes que eu Te amo”. Isso foi o que Jesus fez por Pedro, e isso depois da queda dele.

Confiança em Jesus 

Jesus havia predito o fracasso de Pedro, e aqui Ele lhe perguntou: “Amas-Me mais do que estes?” Pedro não pode dizer nada, exceto que ele aprendeu sua fraqueza e que amou Jesus menos que os outros discípulos. O relacionamento entre Jesus e Pedro é inteiramente em graça; ele não tinha nenhum recurso, exceto confiar em Jesus, e agora ele poderia ser uma testemunha d’Ele; ele sentiu o poder de um olhar de Jesus.

Pedro parece dizer: “eu confio em Ti; Tu sabes como te neguei; faça comigo o que parece bem”. Então, vemos Jesus sustentando o coração de Seu discípulo, para que Satanás não lhe roube sua confiança. Ele disse: “quando te converteres, confirma teus irmãos”. O que o capacitou a fortalecer seus irmãos? Sua negação havia ensinado tanto a ele o que era a carne que ele já não se apoiaria em si mesmo para mais nada; ele sabia que não tinha outra coisa a fazer senão confiar em Deus. Qualquer que seja sua incapacidade de resistir a Satanás, ele poderia apelar para a graça d’Aquele que conhece todas as coisas. Saber que ele podia confiar em Jesus era aquilo que o tornava forte. Foi depois de lembrar a Pedro da total incapacidade da carne que o Senhor lhe confiou Suas ovelhas: “Apascenta os Meus cordeiros”, e só então foi que ele pôde fortalecer seus irmãos.

A carne tem uma certa confiança em si mesma, e essa é frequentemente a loucura em que caímos. É então necessário que conheçamos a nós mesmos pelo conflito com Satanás; todo Cristão precisa aprender o que ele é por meio das circunstâncias em que é colocado. Deus nos deixa ali para sermos peneirados por Satanás, para que possamos aprender sobre nosso próprio coração. Se tivéssemos humildade e fidelidade suficientes para dizer, eu não posso fazer nada sem Ti, Deus não nos deixaria nesta triste experiência de nossa fraqueza. Quando estamos realmente fracos, Deus nunca nos deixa, mas quando estamos inconscientes de nossas fraquezas, precisamos aprendê-las por experiência.

O resultado final 

Tudo isso deve nos ensinar a nos humilharmos sob a poderosa mão de Deus, para que Ele nos exalte no devido tempo. Devemos aprender a nos entregar à Sua mão poderosa, até que Ele nos exalte. Que Deus nos faça conhecer apenas a Ele. Se tivéssemos que apenas aprender o que somos, ficaríamos abatidos e afundaríamos no desânimo, mas Seu objetivo ao nos dar um conhecimento de nós mesmos e de Sua graça é nos dar um fim esperado. Alguém então pode dizer: “Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida; e habitarei na Casa do SENHOR por longos dias”.

J. N. Darby, selecionado

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