Origem: Revista O Cristão – Elias
E Eu Fiquei Só
Não indica uma condição muito boa da alma quando Elias fez sua petulante queixa contra Israel, assim: “Tenho sido muito zeloso pelo SENHOR Deus dos Exércitos, porque os filhos de Israel deixaram a Tua aliança, derrubaram os Teus altares, e mataram os Teus profetas à espada, e só eu fiquei, e buscam a minha vida para ma tirarem” (1 Rs 19:10).
O fator indispensável
De maneira geral, Elias nos fornece um bom exemplo de testemunho fiel de Deus em um dia mau. Em meio à apostasia generalizada, ele se destacou com ousadia por Jeová, pouco se importando se era apoiado por muitos ou por poucos. Ninguém questionaria se ele tinha realmente zelo da honra de Jeová e que ele havia tentado com determinação defendê-la diante de toda oposição. Mas, no momento em que apresentou sua reclamação em Horebe, ele se tornou indevidamente ocupado consigo mesmo e com seu testemunho, e passou a se considerar o único eixo em torno do qual tudo girava. Por um momento, Deus havia sido deslocado por Elias na visão de sua alma. Elias parecia ser o grande fator indispensável e sua vida estava em perigo; o que seria do testemunho então? Em sua opinião, parecia que todo o verdadeiro testemunho de Deus havia chegado ao fim em Israel e que Satanás havia se tornado o senhor absoluto da situação.
Quão dolorosamente afirmativo de si mesmo é esse nosso pobre coração! Nem mesmo os melhores e mais verdadeiros servos de Deus estão imunes a essa armadilha. É verdade que Ele pode sustentar um homem solitário e torná-lo um poder de testemunho em um cenário tenebroso, mas que a testemunha não se considere indispensável ou o resultado imediato será o desastre. As comunidades são tão propensas a cair nesse erro quanto às testemunhas individuais. Se uma comunidade de santos, sejam poucos ou muitos, procurar diligentemente recuperar, para o uso prático, os princípios da verdade que haviam sido deixados de lado, seu zelo e obediência, sem dúvida, se converterão em um testemunho, e Deus estará com eles para abençoar e sustentar. Mas se eles se ocuparem consigo mesmos como testemunhas e seu testemunho para com os outros se torne mais importante aos seus olhos do que sua própria condição espiritual, Deus não os apoiará mais, mas os entregará ao desastre e à vergonha. Acaso a verdade disso não foi dolorosamente evidente em muitos de nós?
Intercessão contra Israel
A ocupação de Elias consigo mesmo o levou a nutrir sentimentos altamente impróprios em relação ao extraviado povo de Deus ao seu redor. “Ou não sabeis o que a Escritura diz de Elias, como fala a Deus contra Israel” (Rm 11:2). Intercessão contra Israel! Falando bem de si mesmo e mal do povo de Deus! Seria essa a verdadeira posição de uma testemunha de Deus? Ao falar assim, estaria ele expressando fielmente os sentimentos daquele coração que suporta longamente Seu povo e que, apesar de toda a sua teimosia e pecados, nunca os abandona? Moisés falou de maneira muito diferente; é muito reconfortante ouvir sua comovente intercessão a Deus por Israel após a adoração ao bezerro de ouro (Êx 32-33). Embora sentisse fortemente a afronta a Jeová, ainda assim, em Sua presença, nenhuma palavra de reprovação escapou de seus lábios a respeito deles. Pelo contrário, ele insistiu em lembrar a Jeová que eles eram Seu povo, apesar do pecado grave, e que a honra de Seu grande nome estava ligada às bênçãos deles. Em vez de serem destruídos, ele preferiria que Deus o riscasse do livro que havia escrito.
Observemos bem esse princípio, pois é muito necessário nos dias de hoje. O ensoberbecimento, ocupação com nossa própria fidelidade em testemunho, gera sentimentos de censura em nosso coração para com o povo de Deus ao nosso redor e nos coloca completamente fora do lugar de intercessão com Deus em favor deles. Não devemos nos surpreender se nossos ares impróprios extraírem dos outros a observação sarcástica: “Na verdade, vós sois o povo, e convosco morrerá a sabedoria” (Jó 12:2).
A comissão de Elias
No caso de Elias, sua queixa teve resultados bastante diferentes dos que ele previa. Podemos passar neste momento as lições ensinadas pelo vento, pelo terremoto, pelo fogo e pela voz mansa e delicada, e nos debruçarmos um pouco nas próprias palavras de Jeová. “E o SENHOR lhe disse: Vai, volta pelo teu caminho para o deserto de Damasco; e, chegando lá, unge a Hazael rei sobre a Síria. Também a Jeú, filho de Ninsi, ungirás rei de Israel; e também a Eliseu, filho de Safate de Abel-Meolá, ungirás profeta em teu lugar. E há de ser que o que escapar da espada de Hazael, matá-lo-á Jeú; e o que escapar da espada de Jeú, matá-lo-á Eliseu. Também deixei ficar em Israel sete mil: todos os joelhos que não se dobraram a Baal, e toda a boca que não o beijou” (1 Rs 19:15-18). Ele desejou que o povo de Deus fosse castigado por seus pecados? Ele mesmo deve ungir os executores do julgamento de Deus – trabalho doloroso certamente para quem realmente amava o povo. Ele se considerava indispensável como testemunha? Então ele deve ir e ungir seu sucessor – Eliseu, filho de Safate. Ele se considerava o único homem fiel que restou na terra? Então ele deve aprender seu erro no anúncio surpreendente de que Jeová ainda tinha sete mil corações leais entre as tribos de Israel.
Ocupação com nosso testemunho
Essas são lições sérias; felizes seremos se as aprendermos a fundo. Exaltar nossa própria importância no testemunho nos fará ser totalmente deixados de lado como testemunhas, para que outros possam tomar o nosso lugar. Isso não tem acontecido, para nossa profunda tristeza? Alguns de nós não estão acostumado a ouvir frases como: “Estamos no lugar do testemunho; nós somos Filadélfia, e quase todo o resto é Laodicéia”? O resultado doloroso é que, quando olhamos ao redor em busca da operação especial do Espírito de Deus, não a observamos entre aqueles que falam assim com aprovação de si mesmos, mas entre outros que possuem muito menos luz espiritual e conhecimento da letra da Palavra de Deus. Esse é o resultado inevitável de permitirmos deslocar Deus em nossa mente e coração. “Aquele, porém, que se gloria, glorie-se no Senhor. Porque não é aprovado quem a si mesmo se louva, mas, sim, aquele a quem o Senhor louva” (2 Co 10:17-18).
Que consolo, mesmo na hora mais tenebrosa, Deus tem esses sete mil de coração fiel! Se eles não se manifestam com tanta ousadia na separação pública do mal como desejaríamos, ainda assim é um gozo para nós saber que eles suspiram e gemem pelos pecados do tempo presente, e procuram manter suas afeições corretas em relação ao Senhor deles e nosso. “Mas também tens em Sardes algumas pessoas que não contaminaram suas vestes, e Comigo andarão de branco; porquanto são dignas disso” (Ap 3:4).