Origem: Revista O Cristão – Edificando Sabiamente
Neemias – Edificando o Muro
O livro de Neemias tem um profundo interesse para nós. Vemos muito claramente a forte analogia entre as palavras que foram ditas sobre Israel naqueles dias e a posição que a bondade de Deus nos deu agora, nesta dispensação de Sua graça.
Mas a primeira coisa que desejo notar é o espírito que impregna toda a conduta de Neemias. Qual é o grande traço moral que o caracteriza? Encontraremos isso em todo o livro – um senso profundo e constante do estado arruinado do povo de Deus. Nada é mais importante para nós também, pois falhamos, assim como Israel falhou! Como resultado de seu fracasso, Israel foi levado para o cativeiro. Um remanescente havia retornado alguns anos antes, mas evidentemente tinham aprendido pouco das lições que Deus procurava ensinar a eles. É verdade que nunca os encontramos retornando à idolatria depois disso; ainda assim, eles tinham muito pouco senso da glória de Deus que haviam perdido. Havia duas coisas que caracterizavam Neemias, e há duas coisas, amados irmãos, que deveriam nos caracterizar. Se houver uma falha em qualquer uma, há a maior perda para a alma. Uma delas é manter firme a grandeza da ruína, e a outra é manter firme a fidelidade de Deus, apesar dessa ruína. As duas atitudes foram encontradas juntas em Neemias. Que o Senhor permita que elas sejam encontradas em nós! Precisamos delas, e nunca podemos estar realmente respondendo ao que Deus espera de nós, a menos que entremos em ambas as atitudes em comunhão com Ele.
Uma percepção da ruína
Como copeiro do rei, Neemias estava numa posição elevada, rodeado de todo tipo de conforto. No entanto, parece que ele tinha exatamente o mesmo sentimento pelo povo de Deus que Moisés teve, muitos anos antes. Neemias amava o povo, e mais do que isso, ele amava a Deus. Ele tinha a percepção do que era a glória de Deus, e um senso de que Deus deve agir de acordo com a Sua própria glória. Ele sabia que não havia outra maneira de abençoar o povo. Seu coração estava cheio de tristeza e, portanto, volta-se para Jerusalém. Ela podia estar em ruínas, e estava, mas foi para lá que o coração dele se voltou.
Certamente assim deveria ser conosco, pois a Igreja de Deus é mais para Deus do que jamais foi Israel. A culpa da Cristandade, não hesito em dizer, é pior do que a de Israel. Incomparavelmente mais bem-aventurada, é incomparavelmente mais culpada, pois a culpa é sempre proporcional às misericórdias corrompidas ou abusadas. No entanto, devemos amar a Igreja, pois se entrarmos nos sentimentos de Cristo, saberemos que Cristo ama a Igreja. Devemos nos preocupar com o bem-estar dela, assim como Neemias se preocupou com o remanescente de Israel.
Eles se levantam e edificam
O rei, como sabemos com o segundo capítulo, acha o semblante de Neemias triste, e imediatamente comenta sobre isso. Neemias lhe diz a simples verdade. “Como não estaria triste o meu rosto, estando a cidade, o lugar dos sepulcros de meus pais, assolada, e tendo sido consumidas as suas portas a fogo?” (Ne 2:3). Resumindo, enquanto Esdras reflete sobre aquilo que pertence à adoração do Senhor – o altar e o templo – temos aqui em Neemias o muro de Jerusalém. Temos, então, não a casa edificada, mas o muro edificado. Foi isso o que encheu o coração de Neemias. Em primeiro lugar, ele faz um pedido a Deus. “Então, orei ao Deus dos céus”. Então ele se aproximou do rei. As cartas foram concedidas. A madeira e outros materiais que lhe faltavam foram concedidos pelo rei, e ele foi para Jerusalém sob a guarda do rei. Finalmente, ele se aproxima do povo e descobre que Deus também operou no coração deles. Eles responderam: “Levantemo-nos e edifiquemos. Fortaleceram as suas mãos para a boa obra” (Ne 2:18 – TB). Mas a mesma coisa que encheu seu coração de gozo e gratidão no meio de sua tristeza entristeceu os inimigos do povo de Deus.
O estorvo do inimigo
No momento em que Deus começa a agir, o diabo tenta impedir. “O que ouvindo Sambalate, o horonita, e Tobias, o servo amonita, e Gesém, o arábio, zombaram de nós, e desprezaram-nos” (Ne 2:19). Essa foi a primeira tentativa do inimigo. Lançar desprezo sobre uma obra tão simples e insignificante. Mas isso não foi motivo para alarme. “Então, lhes respondi e disse: O Deus dos céus é o que nos fará prosperar; e nós, seus servos, nos levantaremos e edificaremos; mas vós não tendes parte, nem justiça, nem memória em Jerusalém” (Ne 2:20).
O próximo capítulo nos mostra os nomes e o trabalho daqueles que participaram da edificação do muro. Percebemos o trabalho de todos, e em um caráter distinto também. Todos nós temos uma obra a fazer para o Senhor, uma obra que podemos fazer melhor do que qualquer outra pessoa. Você está fazendo a obra?
Deus assinala aqui Sua apreciação dos vários serviços realizados pelos diferentes santos de Deus, e eles vêm diante de nós em sua ordem. Várias portas e várias partes do muro foram reparados por diferentes pessoas, e enquanto havia, evidentemente, alguns que não participaram, descobrimos que havia verdadeira devoção e serviço por parte de outros. No entanto, a oposição não demorou a chegar.
“E sucedeu que, ouvindo Sambalate que edificávamos o muro, ardeu em ira, e se indignou muito, e escarneceu dos judeus” (Ne 4:1). Mais tarde, outro homem, Tobias, se juntou a ele: “Ainda que edifiquem, vindo uma raposa, derrubará facilmente o seu muro de pedra” (v. 3). O que diz Neemias? Imediatamente ele se volta para o Senhor: “Ouve, ó nosso Deus, que somos tão desprezados”. Assim foi também nos primeiros dias da Igreja. Os apóstolos foram espancados e ameaçados, mas o que fizeram? Levaram isso perante o Senhor, e o Senhor respondeu. Ele responde com Seu próprio poder. O Espírito abalou o edifício onde eles estavam, e, com grande poder, Ele lhes deu testemunho.
Sem sinais de maravilha e poder
Entretanto, aqui era um dia de fraqueza, e o que eu gostaria de incutir em nossa mente é que não estamos mais no dia em que o Espírito sacode o edifício. Não estamos mais no dia em que sinais e maravilhas são operados. Será que estamos sem Deus? O que mais valorizamos – os poderes e maravilhas que Deus realiza ou o próprio Deus? A mesma pergunta serviu então para Neemias. Não havia tal coisa como o Mar Vermelho aberto para o povo – não havia tal coisa como o Jordão para ser cruzado. Não havia maná que caísse do céu, mas havia a evidente Palavra de Deus cumprida, e o caminho estava aberto para eles. Para o povo de Deus, havia uma porta aberta para a terra de Deus. Tinham-na perdido por uma questão de poder exterior, mas não de fé. Eles se apegaram a Deus, mesmo quando Deus não podia exteriormente reconhecê-los diante de todo o mundo.
Mas a oposição tornou-se mais séria, tanto que houve uma conspiração entre os inimigos para ir e lutar. “Porém nós oramos ao nosso Deus”. Assim, Neemias calmamente toma medidas: “e pus o povo, pelas suas famílias, com as suas espadas, com as suas lanças e com os seus arcos” (Ne 4:13).
A luta de fé
A mesma coisa tem de ser feita agora, embora não da mesma forma. Com o Cristão, não se trata de lutar com espada, mas, sem dúvida, temos que lutar o bom combate da fé. Isso não somente significa que temos de trabalhar, mas temos de resistir, bem como estar em pé neste dia mau; isto é, temos de estar armados contra as artimanhas do diabo, e não somente estar realizando o trabalho pacífico do Senhor.
Em seguida, o inimigo tenta mais três artimanhas buscando parar a obra de edificação do Senhor. Primeiro, Sambalate e Gésem propõem um encontro no vale de Ono, sem dúvida querendo fazer mal. Mais tarde, Sambalate fingiu que os pagãos estavam acusando Neemias de fortificar Jerusalém para se rebelar contra o rei da Pérsia e para que ele (Neemias) pudesse ser seu rei. Finalmente, outro homem, Semaías, propôs uma reunião na casa do Senhor, alegando que alguns haviam tramado uma conspiração para matar Neemias. Neemias reconheceu claramente quem estava por trás de tudo isso, e todas as tentativas de mais danos foram frustradas.
Finalmente, lemos em Neemias 7:1 que “o muro fora edificado”! Deus tinha sido fiel, e o povo tinha edificado em fé. No entanto, ainda era um tempo para ser cauteloso, pois Neemias ordenou que as portas de Jerusalém não fossem abertas “até que o Sol aqueça” (Ne 7:3). Como nos dias de Neemias, assim em nossos dias precisamos edificar o muro de separação daquilo que não está de acordo com a mente de Deus e não abrir as portas até que a clara luz do dia (figurativamente falando) nos assegure que é seguro fazê-lo.