Origem: Revista O Cristão – As Semelhanças do Reino – Parte 1
A Parábola do Semeador
É muito importante lembrarmos de que tudo aquilo que é o poder da morte no incrédulo é o obstáculo ao poder de produzir frutos na vida do crente. Isso é trazido à tona, com seu remédio específico, nesta parábola. É o caso das aves do céu, do terreno pedregoso, da semeadura entre os espinhos e da boa terra, trinta, sessenta e cem vezes mais. O primeiro deles é o poder de Satanás – o poder da morte. Quando a Palavra (o poder da vida) é semeada no coração não quebrantado, o diabo a tira assim que é semeada. O diabo trouxe a morte por uma mentira e mantém os homens nela; por outro lado, pela verdade de Deus somos vivificados.
Mas existe Um (Ele mesmo, o Verbo) que é especificamente o poder vivificador, sim, o Filho de Deus, “o último Adão, [é] espírito vivificante” (1 Co 15:45 – AIBB). O Filho do Homem semeia a semente, mas é o Filho de Deus Quem vivifica. “Para isto o Filho de Deus Se manifestou: para desfazer as obras do diabo” (1 Jo 3:8). Ele declara a Si mesmo: “Eu sou a ressurreição e a vida” (Jo 11:25), e com esse poder Ele ressuscita Lázaro dentre os mortos. Temos então o Filho de Deus, pela Palavra, destruindo as obras do diabo no poder da morte. Este é o primeiro tema da parábola.
O solo pedregoso
Mas há outro tema que é igualmente destrutivo – o recebimento da Palavra em terreno não profundo. Foi recebido superficialmente; surgiu rapidamente “porque não tinha terra funda” (Mt 13:5). Não houve qualquer processo profundo de exame próprio que tenha entrado na consciência e avivado o homem interior. A Palavra repousava nas afeições e no entendimento naturais, que são simplesmente a carne; ela é recebida apenas pelos sentimentos naturais e, portanto, imediatamente age com alegria. Uma vez que não atinge a consciência, os mesmos sentimentos naturais foram rapidamente influenciados por problemas e perseguições, e “logo se ofende [escandaliza – ARA]” (Mt 13:21). Isso tudo é apenas a carne e não produz nada. A isso sabemos quão invariavelmente o Espírito Se opõe – “A carne cobiça contra o Espírito, e o Espírito contra a carne; e estes opõem-se um ao outro” (Gl 5:17). Não precisamos multiplicar as passagens da Escritura para mostrar a oposição desses dois, mas temos aqui no Espírito o poder oposto que vence a carne, e assumindo que um homem tenha vida, ainda o faz. Este caso, no entanto, ainda é o homem natural, embora as afeições ou o intelecto possam ter sido encantados com o maravilhoso plano de redenção.
O solo espinhoso
Mas o mesmo ponto vale para um crente. Quando ele não anda no Espírito, ele é inútil e o seu estado é baixo. É na mortificação da carne pelo Espírito que os frutos do Espírito encontram crescimento comparativamente livre. Este, então, é o contraste aqui – a carne e o Espírito. A forma mais bela da carne, a recepção aparentemente alegre da Palavra, não produz nada.
O terceiro caso é igualmente claro. O poder impeditivo é declarado diretamente: “os cuidados deste mundo e a sedução das riquezas sufocam a palavra” (Mt 13:22). O mundo e o amor a ele se opõem continuamente ao Pai. “Tudo o que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não é do Pai, mas do mundo” (1 Jo 2:16). O ódio do mundo ao Filho mostrou que ele não era do Pai. Os filhos, ligados ao Pai, não eram deste mundo, assim como Cristo, o Filho, não era do mundo.
Todos os que estão familiarizados com o evangelho de João notaram a oposição entre o mundo e a filiação de Cristo. Nosso Senhor assim conclui toda a apresentação de Sua obra e Seu povo ao Pai: “Pai justo, o mundo não Te conheceu; mas Eu Te conheci, e estes conheceram que Tu Me enviaste a Mim” (Jo 17:25). Nós entendemos bem a oposição entre os dois. Mas no crente, que reconhece imediatamente o mal da carne, quantas vezes encontramos o mundo segurando um poder prevalecente e um título reconhecido sobre o julgamento ou hábito, e a frutificação, comparativamente falando, totalmente estragada!
Vamos, então, reconhecer pela Escritura que o mundo é um obstáculo positivo à frutificação – o “muito fruto” no qual o Pai é glorificado. Por esta simples razão, nossa filiação, nossa herança, o reino, muitas vezes não são reconhecidos. O diabo, que age sobre nós pela carne, é o deus e príncipe deste mundo; em contraste, o Espírito naqueles que são vivificados, onde não é ofuscado pelo espírito deste mundo, testifica que somos filhos e herdeiros. Assim, em liberdade, clamamos por meio dela, Abba, Pai, e os frutos são a cem por um. A energia do reino está lá e, portanto, mortos para o mundo, temos poder sobre ele.
O diabo, o mundo e a carne
Sobre a explicação da parábola, eu diria mais algumas palavras. A inseparabilidade dos males não está em questão; o diabo, o mundo e a carne estão intimamente associados. Do Pai, do Filho e do Espírito não preciso falar, mas não devemos esquecer Sua unidade em cada ato, seja da criação ou de qualquer outra coisa. Eles agem invariavelmente em Um e invariavelmente na mesma ordem; isto é, pelo Filho, por meio da energia do Espírito.
Outra observação é necessária. Embora tenhamos visto o amor ao mundo como um impedimento à plena frutificação dos filhos de Deus, devemos lembrar de que esse conhecimento, em princípio, é a posição de todo crente. “Filhinhos, eu vos escrevi, porque conheceis o Pai” (1 Jo 2:13 – ARA). Caso contrário, não poderíamos colocar todos os crentes sob esta responsabilidade. Mas será visto que a medida da frutificação da vida depende muito de seu exercício nas verdades que observamos aqui. A apreensão do Pai no pleno desenvolvimento da glória da Filiação atribui um caráter totalmente novo a todo o curso da vida do Cristão. Este é o nosso chamado peculiar, e uma apreensão defeituosa do princípio da glória celestial em algum ponto irá diminuir a eficiência do serviço Cristão. Ao mesmo tempo, apreciamos o Filho por administrar o poder do reino contra “o iníquo”; o Espírito, como vencedor do poder enganoso da carne, e o Pai em contraste com o amor do mundo. A plenitude de tudo estava em nosso Senhor. A plenitude de toda ajuda deve ser encontrada no Pai, Filho e Espírito Santo, e é nossa responsabilidade prática aproveitar essa ajuda. Ao mesmo tempo; o gozo da comunhão com Eles é nosso abençoado privilégio.
Negligência de poder
O Cristianismo mal proposto brota continuamente do poder de Satanás, por meio da negligência do poder especial de Uma ou Outra das Pessoas da Divindade, enquanto a indulgência de qualquer um dos males pode nos lançar nas mãos de Satanás. Aqui está a sabedoria de ministrar às almas doentes, pois a fonte do mal pode ser uma; sua manifestação pode ser outra. Um crente será saudável e forte contra o inimigo, na medida em que tiver reverência a todas as Pessoas da Divindade.
O crente fará progresso espiritual ao conhecer o Pai e o Filho por meio do Espírito, e a manifestação do poder e da glória da obra d’Eles se revelará gradualmente. A vivificação pelo Filho fará o crente discernir bem as operações do Espírito contra a carne, e ambas encontram seu pleno desenvolvimento na manifestação da glória do Pai, na consciência de que Seu reino não é deste mundo.
O Espírito de obediência
Sinto também, ao falar assim, que estou pisando em terreno santo, mas terreno que nosso Deus em Sua misericórdia nos abriu e no qual devemos caminhar. Lembremos também de que a indulgência com um desses males aparentemente remotos traz o poder dos outros, pois Deus não está ali. Assim, a indulgência de Salomão com o mundo trouxe a indulgência da carne, e a consequência foi o poder direto de Satanás na adoração idólatra de suas esposas. Só mais uma coisa que é importante comentar. Não é por especulação ou conhecimento que essas coisas são obtidas, embora sejam ministradas. Em vez disso, somos santificados “para a obediência” (1 Pe 1:2). O Espírito de obediência é o grande segredo de todas as bênçãos presentes e práticas do crente, pois o Espírito não é entristecido, e assim Se torna o ministro da graça e do conhecimento tanto do Pai quanto do Filho. O crente mais pobre e simples, caminhando assim, desfruta das bênçãos da fidelidade prometida tanto do Pai, como do Senhor e do Espírito, aos benditos propósitos de amor em que estamos e da glória divina.