Origem: Revista O Cristão – As Semelhanças do Reino – Parte 1
Fermento
Na terceira semelhança do reino dos céus, temos outro aspecto negativo da responsabilidade do homem apresentado a nós, mas desta vez o agressor é retratado como uma mulher.
“Outra parábola lhes disse: O Reino dos céus é semelhante ao fermento que uma mulher toma e introduz em três medidas de farinha, até que tudo esteja levedado” (Mt 13:33).
O fermento na Escritura fala do mal e, especialmente, da sutil operação do pecado; isso é consistente em toda a Palavra de Deus. Nas festas de Jeová em Israel, a festa dos pães asmos seguia-se imediatamente à Páscoa. Durante toda a semana da festa, não só não deviam comer pão levedado, como também não deveria haver fermento em suas casas (Êx 12:15, 19). Da mesma forma, nenhum fermento deveria ser oferecido com qualquer sacrifício (Êx 34:35). No Novo Testamento, Paulo usa a mesma figura para descrever a operação do mal moral (1 Co 5:6) e do mal doutrinário (Gl 5:9). Muitas outras Escrituras poderiam ser mencionadas para mostrar claramente que o fermento é infalivelmente uma figura do mal na Palavra de Deus.
Mal traiçoeiro
Aqui, então, temos uma mulher introduzindo o que é mau em “três medidas de farinha”. A mulher na Escritura retrata algo muito abençoado ou muito mau, dependendo do contexto. O fato de uma mulher fazer isso fala daquilo que é feito em segredo – aquilo que trabalha de forma traiçoeira. O que o homem faz é em público; o que a mulher faz é em segredo. Satanás às vezes faz seu trabalho maligno publicamente, mas outras coisas ele faz em segredo, para que os homens não percebam. A disseminação da má doutrina e prática na profissão do Cristianismo ocorreu nesse caráter – lentamente, durante um período de tempo, de modo que seus efeitos não foram notados imediatamente. Sem dúvida, havia pessoas fiéis que viam o mal e falavam contra ele, mas, de modo geral, o mau ensino foi introduzido lentamente até que o fermento se espalhou amplamente. Então foi tolerado e finalmente aceito.
Cristianismo corrupto
Quando lemos a frase “até que tudo esteja levedado”, isso não significa que tudo na Cristandade foi completamente estragado. Se assim fosse, nada restaria senão a mera profissão, caracterizada pela má doutrina e prática. Em vez disso, significa que onde quer que haja uma profissão de Cristianismo, a doutrina e a prática do mal podem ser encontradas, pois Satanás foi esperto o suficiente para espalhá-la por todo o reino dos céus. Para o observador casual, a Cristandade parece totalmente fermentada. Infelizmente, esta condição de coisas afastou muitos do Cristianismo. Mohandas Gandhi, o pai da Índia moderna, teria dito: “Se os Cristãos realmente vivessem de acordo com os ensinamentos de Cristo, conforme encontrados na Bíblia, toda a Índia seria Cristã hoje”. Em sua História da Civilização na Europa , Guizot observa: “Nenhuma sociedade jamais fez tantos esforços quanto a igreja Cristã, do quinto ao décimo século, para estender sua esfera e suavizar o mundo externo à sua própria semelhança”. Este foi o processo de fermentação acontecendo sob a mão da “mulher”, pois foi a disseminação do Cristianismo corrupto. Quando o impulso principal é o desejo de estender a influência, a própria doutrina não permanece sã. Assim, em toda a Cristandade, a judaização sistemática tornou-se a regra, muitas vezes acomodando ritos e práticas pagãs, e tudo para agradar a multidão e facilitar sua assim chamada conversão. Embora isso certamente não seja desculpa para aqueles que rejeitam a Cristo, nós, Cristãos, devemos nos envergonhar desse mau testemunho.
Podemos ser gratos por aqueles que, caminhando com o Senhor, reconheceram claramente esta condição de coisas e se separaram dela. Mas permanece o fato de que, no sentido que descrevemos, tudo foi fermentado. Em um dia vindouro, depois que o Senhor vier e levar cada verdadeiro crente para casa para estar com Ele, não restará nada além de uma profissão vazia. Nesse momento, em sentido absoluto, tudo será fermentado, pois não haverá mais realidade.
As três medidas de farinha
Mas o aspecto mais grave de tudo isso é o fato de que o fermento foi introduzido em “três medidas de farinha”. A farinha na Escritura fala de Cristo, e especialmente de Sua Humanidade perfeita, enquanto ainda retém tudo o que pertence à Sua divindade. “n’Ele habita corporalmente toda a plenitude da Divindade” (Cl 2:9). Isso é apresentado em figura na oferta de manjares, onde Cristo em Humanidade é tipificado pela farinha fina que deveria ser oferecida como um “cheiro suave ao Senhor”. A mesma figura é usada no tempo de Eliseu, quando ele e os filhos dos profetas preparavam um caldo. Quando alguém colheu coloquíntidas, que eram venenosas, e as cortou na panela, o remédio de Eliseu era: “Trazei, pois, farinha. E deitou-a na panela … e não havia mal nenhum na panela” (2 Rs 4:41). Assim, o antídoto para a má doutrina (retratada na coloquíntidas) era introduzir Cristo (retratado pela farinha).
Pode haver diferentes interpretações do número três, pois às vezes fala de testemunho abundante. (Dois é um testemunho adequado, enquanto três é um testemunho completo ou abundante.) Alguns pensaram que aqui, em nossa parábola, poderia falar da Trindade do Pai, Filho e Espírito Santo. Eu também sugeriria que três fala de morte e ressurreição, pois nosso Senhor esteve no sepulcro três dias, e então Ele ressuscitou no terceiro dia.
Má doutrina
Quando a má doutrina circula em meio à profissão do Cristianismo, geralmente é camuflada sob discussões de questões periféricas que são menos censuráveis. Mas Satanás não se contenta com essas questões menores; o que Ele quer é um ataque direto à Pessoa de Cristo ou à obra de Cristo, e muitas vezes a ambos. Eu sugeriria que isso é o que é retratado pelo fermento sendo introduzido em “três medidas de farinha”. Muitos falsos sistemas, pelo menos inicialmente, ocupam as almas com a importância da guarda de certos dias, ou, caso contrário, discussões sobre assuntos como detalhes de profecias, questões sobre guardar a lei de Moisés, ou regras sobre questões alimentares, mas ao mesmo tempo eles são sustentados por graves falsos ensinos sobre a Pessoa e a obra de Cristo. Esses últimos ensinamentos não são vistos a princípio, de modo que as almas são pegas desprevenidas. Verdadeiramente, o fermento foi escondido nas três medidas de farinha e deixado agir sem ser visto. No momento em que as almas se conscientizam dos maus ensinamentos, elas já estão enredadas.
O fermento começou a trabalhar cedo na Igreja, pois mesmo nos dias de Paulo, em Corinto, havia quem negasse a ressurreição (1 Co 15:12-19). Mais tarde, quando as coisas progrediram ainda mais, João teve que advertir os crentes de que “muitos falsos profetas se têm levantado no mundo” (1 Jo 4:1). Em sua segunda epístola, ele teve que advertir a senhora eleita e seus filhos que “Todo aquele que vai além do ensino de Cristo e não permanece nele, não tem a Deus”. Ele lhes disse: “não o recebais em casa, nem tampouco o saudeis” (2 Jo 5, 9-10). A heresia ariana, que veio depois, foi uma consequência natural do gnosticismo que já existia nos dias de João. Na verdade, começou no terceiro século d.C., mas foi defendido por Ário no quarto século e essencialmente negou a divindade de Cristo. Como bem sabemos, muitas outras heresias se seguiram ao longo dos anos, à medida que o fermento se espalhava.
Tudo isso foi escrito para nossa instrução e advertência, a fim de que possamos discernir a condição do reino dos céus hoje. A multidão, em cuja presença essas três primeiras semelhanças foram ditas, não entendeu, mas o Senhor espera que os Seus sejam espiritualmente inteligentes e reconheçam o que aconteceu com a profissão Cristã sob a responsabilidade do homem. Essa inteligência espiritual nos faz estar sóbrios e vigilantes, por um lado, mas também em paz, pois vemos que Deus está acima de tudo, nos disse tudo de antemão e também nos mostrou o fim de tudo.