Origem: Revista O Cristão – Guerra Cristã

Guerra e Cristianismo

Em uma edição anterior de “O Cristão”, consideramos a questão de se um Cristão deveria estar atuando no governo no mundo hoje. Agora, outra questão relacionada está aparecendo atualmente nos noticiários, a saber, como os soldados podem guardar a fé enquanto estão sob fogo na guerra. Embora o assunto possa envolver principalmente as nações ocidentais atualmente, a questão é relevante para qualquer indivíduo ou nação que entre em guerra hoje.

O governo de Deus no Velho Testamento 

A controvérsia não é nova, pois a questão sobre Deus e a guerra tem sido debatida desde a queda do homem. No Velho Testamento, Deus estava reivindicando a Terra por meio de Seu povo escolhido, Israel, e Ele os usou como Seu braço de poder contra outras nações. Isso foi particularmente verdadeiro na conquista da terra de Canaã, pois a “iniquidade dos amorreus” (ARA) e a adoração a ídolos por parte dos cananeus fizeram com que o Senhor os expulsasse e desse sua terra a Israel. Mais tarde, após o próprio Israel fracassar, Deus levantou potências gentias (Babilônia, Medo-Pérsia, Grécia e Roma) como Seu governo na Terra. Os “tempos dos gentios”, que foram inaugurados com Nabucodonosor e os babilônios, continuam até hoje e não cessarão até a batalha do Armagedom.

Assim, vemos claramente que os governos que Deus instituiu no mundo após o dilúvio estão hoje aqui conosco. Como foi Deus Quem os estabeleceu, Ele espera que eles cumpram suas funções no temor d’Ele e os responsabiliza pela maneira como o fazem. Infelizmente, por milhares de anos a guerra tem sido um fator na administração do homem neste mundo, e os governos têm usado continuamente o conflito armado para aumentarem seu poder ou para protegerem suas posições. Algumas nações, entretanto, foram à guerra especificamente para tentar corrigir o erro existente no mundo e para libertar outras da tirania de regimes injustos e opressivos.

Invocando o nome de Deus na guerra 

Uma vez que o homem é essencialmente um ser consciente de Deus, Deus frequentemente é alvo de apelos e Seu nome é invocado em favor das nações que estão indo para a guerra. Muitas vezes, tanto no passado como no presente, falsos deuses ligados a falsas religiões foram procurados em busca de ajuda, e algumas dessas ocasiões estão registradas na Palavra de Deus. Quando o apelo era feito ao verdadeiro Deus no Velho Testamento, em uma causa que Ele aprovava, Seu povo Israel podia contar com a vitória, para a glória de Deus e a bênção final deles. Sem dúvida, houve momentos em que os apelos a falsos deuses estavam conectados com a vitória, pois Deus está nos bastidores e “faz todas as coisas, segundo o conselho da Sua vontade” (Ef 1:11). Do mesmo modo, os apelos ao verdadeiro Deus algumas vezes estavam conectados com a derrota porque Seu povo estava se refugiando em uma posição correta externamente, mas sem realidade interna. Embora permitisse a derrota em tais circunstâncias, Deus sempre reivindicava Seu nome de outras maneiras, mesmo que Seu povo estivesse andando mal.

O pior do homem 

Em nossos dias, vemos que as guerras são frequentes, seja em grandes conflitos envolvendo muitas nações ou em combates menores envolvendo apenas algumas nações ou grupos étnicos. Em tais guerras, sejam grandes ou pequenas, muitas vezes o pior da natureza pecaminosa do homem se manifesta, e as atrocidades que são cometidas eles justificam pelo fim que se pretende. O nome de Deus é introduzido na cena para justificar tudo isso, muitas vezes por ambos os lados, pois cada um se vê como possuindo a razão do seu lado. Mesmo que seja desconhecido o cometimento de atrocidades, o próprio ato de fazer guerra, especialmente nestes dias de armas sofisticadas, resulta em uma terrível carnificina que dificilmente pode ser imaginada por aqueles que não a experimentaram. Enquanto escrevemos isto em fevereiro de 2022, o atual impasse entre a Rússia e a OTAN sobre a Ucrânia é um bom exemplo de tudo isso, onde tanto a Rússia quanto a OTAN se consideram justificadas em seus objetivos.

Corrigindo as coisas 

Para os crentes que vivem em uma nação que professa ser Cristã, a guerra provou ser uma questão difícil de enfrentar. Por um lado, quando vemos iniquidade e injustiça no mundo, é tentador querer envolver-se diretamente e corrigir as coisas. Se isso envolver guerra e derramamento de sangue, podemos tentar usar a justificativa de que é necessário enfrentar o mal para promover o bem. Isso é particularmente verdadeiro em se tratando de nações Cristãs, como a Grã-Bretanha no século XIX e os Estados Unidos hoje. Por outro lado, muitos crentes se perguntam como isso pode ser conciliado com a mensagem de Deus de amor e graça nesta dispensação e o mandamento do Senhor Jesus de “amai os vossos inimigos” (Mt 5:44).

Como sempre, encontramos a resposta na Palavra de Deus. É verdade que Deus estabeleceu o governo na Terra, pois não há outra maneira de conter os impulsos pecaminosos do homem caído. Por essa razão, Paulo nos lembra de que “toda alma esteja sujeita às autoridades superiores; porque não há autoridade que não venha de Deus; e as autoridades que há foram ordenadas por Deus” (Rm 13:1). Em conformidade com isso, ele prossegue, dizendo que ele (o governo) “é ministro de Deus para o teu bem. Mas, se fizeres o mal, teme, pois não traz debalde a espada; porque é ministro de Deus e vingador para castigar o que faz o mal” (Rm 13:4). O governo pelo homem continuará até que o Senhor Jesus venha e reine em justiça, e até lá nenhum governo será perfeito, porque é administrado pelo homem caído. No entanto, o governo ainda é “ministro de Deus”, e o crente é chamado a submeter-se a ele, mesmo que, como Daniel lembrou a Nabucodonosor, Deus às vezes Se agrada em colocar no governo “o mais baixo dos homens” (Dn 4:17).

O lugar do Cristão 

No entanto, está claro na Escritura que o Cristão não tem lugar no governo hoje, pois Cristianismo e governo não se misturam. Pela mesma razão, também, o crente realmente não tem lugar na guerra. Por termos uma nova vida que se deleita com a justiça, somos constantemente sobrecarregados com a crescente onda de mal neste mundo e podemos ficar seduzidos a tentar endireitar as coisas. No entanto, fazer isso é ser como os coríntios, aos quais Paulo teve que dizer: “Já estais fartos! Já estais ricos! Sem nós reinais!” (1 Co 4:8). Este não é o momento para reinar ou para corrigir as coisas, pois nosso bendito Salvador foi rejeitado. Até Ele ter o Seu lugar de direito, nada estará certo neste mundo. Não devemos reinar antes do tempo.

Mais do que isso, ir à guerra e procurar “corrigir o que está errado” é comprometer nossa posição como cidadãos celestiais e arruinar nosso testemunho do amor e da graça de Deus. Há quase 150 anos, um piedoso servo do Senhor atravessava o Atlântico num navio naval britânico. Os marinheiros de alguma forma descobriram que ele não acreditava que os Cristãos deveriam ir à guerra, e um dia alguns deles o cercaram no convés, querendo saber o motivo. Naqueles dias, a Grã-Bretanha era reconhecida como uma importante “polícia” do mundo, um papel que em grande parte passou para os Estados Unidos hoje. A resposta dele foi excelente e em uma linguagem que eles entenderam. Ele disse: “Rapazes, eu acredito em jogo justo. Suponha que eu vá para a guerra e encontre um incrédulo do lado inimigo. Disparamos um contra o outro. Ele me mata, e eu o mato. Ele me envia direto para o céu, enquanto eu o envio direto para o inferno. Rapazes, eu não chamo isso de jogo justo”. Pior ainda, quão sério é pensar que um crente que vai para a guerra poderá se achar lutando contra um companheiro de fé de outra nação.

Embaixadores celestiais 

Se nós, como Cristãos, entendermos nossa vocação celestial e entendermos nosso papel aqui neste mundo como embaixadores, prontamente iremos ver que não temos lugar nos conflitos deste mundo. Seremos gratos por qualquer grau de lei e ordem que experimentarmos, pois “a justiça exalta as nações, mas o pecado é o opróbrio dos povos” (Pv 14:34). (Nessa linha, é desanimador ver nações ocidentais que antes defendiam princípios Cristãos, agora legalizando a impiedade, como práticas homossexuais e casamento entre pessoas do mesmo sexo. Tal pecado é, na verdade, um opróbrio e degrada uma nação.)

No entanto, como embaixadores celestiais, não buscaremos nos identificar com nosso país de cidadania natural, seja em sua justiça ou em seu pecado, mas nos veremos como aqueles que foram chamados para fora deste mundo e fazendo parte da Igreja, que foi formada de todas as nações. Buscaremos promover os interesses de Cristo aqui embaixo, pregar Sua mensagem de amor e graça e esperar que o Senhor venha e nos leve para casa.

O Dia do Senhor 

A Escritura nos diz que Deus lidará com o mal quando nosso Senhor voltar em poder e glória para assumir o Seu lugar de direito. O derramamento de sangue e a destruição daquele dia serão terríveis, e, ao contrário de hoje, ninguém escapará. A respeito daquele tempo, lemos, “E o lagar foi pisado fora da cidade, e saiu sangue do lagar até os freios dos cavalos, pelo espaço de mil e seiscentos estádios” (Ap 14:20). Além disso, lemos que o Senhor Jesus irá “ferir […] as nações; e Ele as regerá com vara de ferro e Ele mesmo é o que pisa o lagar do vinho do furor e da ira do Deus Todo-Poderoso” (Ap 19:15). Terminado o juízo, Deus inaugurará o Milênio, no qual reinará a justiça. Naquele tempo, “uma nação não levantará a espada contra outra nação, nem aprenderão mais a guerra” (Is 2:4 – ARA). É interessante que a União Soviética, que negava a existência de Deus, doou uma escultura de bronze às Nações Unidas em 1959, mostrando a verdade de Isaías 2:4: “estes converterão as suas espadas em enxadões e as suas lanças, em foices”. A doação foi feita por Nikita Khrushchev, ex-líder da União Soviética, que era inegavelmente um mestre da intriga e um constante fomentador de contendas mundiais. Contudo, ele obviamente apreciava a Palavra de Deus e, sem dúvida, queria a paz, desde que fosse nos seus termos. A escultura foi feita pelo escultor russo Yevgeny Vuchetich e ainda está no jardim do prédio das Nações Unidas, em Nova York.

Armas da nossa milícia 

Mas será que não há guerra para o crente? Certamente há. Paulo podia dizer a Timóteo, “Combate o bom combate da fé” (1 Tm 6:12 – ARA), também podia dizer aos coríntios que “as armas da nossa milícia não são carnais, mas, sim, poderosas em Deus” (2 Co 10:4). Então, em Efésios 6:11, nos é dito para nos revestirmos “de toda a armadura de Deus”, para podermos realizar tanto a guerra defensiva quanto a ofensiva.

Em particular, Paulo nos diz para ter “calçados os pés com a preparação do evangelho da paz” (Ef 6:15 – TB). Isso pode parecer uma contradição, pois um guerreiro normalmente não é um homem de paz. No entanto, a contradição é apenas aparente. O mais gentil dos Cristãos deve ser um guerreiro ferrenho, e seu poder no conflito com o inimigo será proporcional ao seu poder como pacificador. A menos que seja um homem de paz, ele não pode ser um homem de guerra. O Cristão deve primeiro ser governado pela verdade – “tendo cingidos os vossos lombos com a verdade” (Ef 6:14) – e deve andar com coração íntegro. Isso resulta em consistência na conduta, e ele buscará a felicidade dos outros, sejam eles pecadores ou santos. Então, o crente, enquanto um homem de paz, estará pronto para a guerra contra “as astutas ciladas do diabo”, contra “os príncipes do mundo destas trevas” (AIBB), contra “as hostes espirituais da maldade nos lugares celestiais” (Ef 6:11-12). É esse tipo de guerra em que o crente deve se envolver hoje.

Podemos ter certeza de que Deus julgará o mal, mas nossa parte, enquanto esperamos por Seu retorno, é ser uma testemunha para Cristo no meio do mal, como Ele foi durante Seu ministério terreno.

W. J. Prost

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