Origem: Revista O Cristão – Passando a Tocha
Passando a Tocha
Ao longo da história do mundo, os homens têm continuamente “passado a tocha”, embora talvez nem sempre conscientes do que estejam fazendo. Desde que o pecado entrou no mundo através da desobediência do homem e, “pelo pecado, a morte” (Rm 5:12), os homens acabaram tendo que desistir de suas responsabilidades neste mundo e passá-las para outros. A expressão “passar a tocha” passou a estar associada a esse ato de transferir o trabalho, deveres ou informação de alguém para outra pessoa. A expressão é bem antiga, pois suas origens estão na idolatria grega. A tocha original era para homenagear uma deusa grega mitológica chamada Hera, e a chama deveria queimar continuamente no altar em seu templo. Mais recentemente, a expressão foi associada aos Jogos Olímpicos, onde a tocha é tradicionalmente acesa na Grécia e então carregada ao redor do mundo por meio de um revezamento de pessoas, até chegar ao país anfitrião das Olimpíadas para aquela série particular de jogos. As palavras também se tornaram conhecidas através da última estrofe do poema “Nos Campos de Flandres”, do Dr. John McCrae, escrito no final da Primeira Guerra Mundial:
Continuai nossa luta contra o inimigo;
Com mãos fraquejando a vós lançamos
A tocha; para que a segureis ao alto;
Se trairdes a fé conosco que morremos,
Não descansaremos, ainda que papoulas floresçam
Nos campos de Flandres.
As palavras desse poema dizem respeito à guerra humana e representam os supostos sentimentos daqueles soldados que deram a vida na guerra, enquanto encorajavam outros a assumirem seu lugar. Como Cristãos, sabemos que “as armas da nossa milícia não são carnais” (2 Co 10:4), contudo essa alusão aos militares é usada às vezes na Palavra de Deus. Vemos isso em conexão com o batismo, que veremos mais adiante neste artigo.
A necessidade de passar obrigações
Não encontramos as palavras “passar a tocha” na Palavra de Deus, mas encontramos essa mesma ação ao longo de toda a história do homem, às vezes em um bom sentido e às vezes em um mal sentido. Como é fato que a fraqueza e, no fim, a morte alcançam a todos nós, precisamos ceder obrigações que assumimos neste mundo e passá-las para outros. A maioria de nós já assistiu a uma corrida de revezamento e viu o bastão sendo passado de um corredor exausto para um novo. Ele passa o bastão para um espectador sentado na arquibancada? Não! Ele passa para alguém que está na pista ao lado dele e que já está em movimento!
Duas grandes questões estão relacionadas a isso: O que passar e para quem passar? Alguns passaram uma boa tocha, e ela foi levada por aqueles que a valorizaram. Usando a expressão no poema acima, eles consideraram um grande privilégio “segurá-la ao alto”. Outros passaram a tocha, apenas para que outros a deixassem cair ou a ignorassem. Outros, ainda, passaram uma tocha ruim, e talvez ela também tenha sido segurada ao alto, para detrimento daquele a quem foi passada. Ainda outros receberam uma tocha ruim e, felizmente, reconheceram que não valia a pena levá-la. Eles não carregaram essa tocha errada, mas pegaram uma que era boa e correta e a carregaram no lugar daquela. Encontramos exemplos de todos esses casos na Palavra de Deus.
Batizado pelos mortos
Em 1 Coríntios 15:29, lemos: “Doutra maneira, que farão os que se batizam pelos mortos, se absolutamente os mortos não ressuscitam?”. Quando os crentes são batizados, eles tomam o nome de Cristo sobre si e O representam neste mundo. Mas vem a morte, e alguns crentes são levados para casa para estar com Cristo. A ilustração aqui é a de um exército que perde alguns de seus homens, seja por morte na batalha ou por morte natural. Mas o exército continua, conforme novos recrutas são trazidos para substituir aqueles que morreram. No Cristianismo, isso aconteceu especialmente quando os crentes foram martirizados por sua fé. Sua fidelidade, muitas vezes sob tortura e com uma morte cruel, foi usada pelo Senhor para trazer outros a Cristo. O testemunho Cristão tem sido mantido dessa maneira por quase 2.000 anos, e provavelmente há mais Cristãos vivos no mundo hoje do que em qualquer outro momento da história da Igreja. A “tocha foi passada”!
A palavra de Paulo a Timóteo
Encontramos um exemplo ainda mais explícito em Paulo e Timóteo. Aqui estava alguém com uma boa tocha, e ele estava confiante em poder passá-la para alguém que iria valorizá-la e “segurá-la ao alto”. Paulo tinha sido fiel e podia dizer aos anciãos de Éfeso: “Estou limpo do sangue de todos; porque nunca deixei de vos anunciar todo o conselho de Deus” (At 20:26-27). Não era apenas uma questão da verdade do evangelho sendo passada adiante, mas também da preciosa verdade da assembleia que foi dada especialmente a Paulo por um Cristo ressurreto em glória. Mas agora, em 2 Timóteo, vários anos se passaram, e foi revelado a Paulo que ele não seria libertado da prisão desta vez. Ele pôde dizer: “O tempo da minha partida está próximo” (2 Tm 4:6). Alguns daqueles para quem ele poderia ter “passado a tocha” provaram ser indignos dela. Paulo teve que dizer: “Demas me desamparou, amando o presente século” (2 Tm 4:10). Mas de Timóteo ele pôde dizer: “Porque a ninguém tenho de igual sentimento, que sinceramente cuide do vosso estado” (Fp 2:20). Foi a Timóteo que Paulo escreveu sua última epístola e a quem ele disse: “E o que de mim, entre muitas testemunhas, ouviste, confia-o a homens fiéis, que sejam idôneos para também ensinarem os outros” (2 Tm. 2:2).
Não ouvimos nada mais a respeito de Timóteo na Palavra de Deus, mas podemos ter certeza de que ele executou a determinação que Paulo lhe deu. Infelizmente, sabemos pela história que, apesar da fidelidade de pessoas como Timóteo, a ruína entrou na Igreja rapidamente, tanto na doutrina quanto na prática.
No entanto, o que lemos aqui em 2 Timóteo 2:2 é a maneira de Deus de “passar a tocha” hoje, como tem sido ao longo de toda a história da Igreja. Sim, temos a Palavra de Deus e somos responsáveis pelo que ela diz, mesmo que ninguém passe a tocha para nós. No entanto, o exemplo piedoso e ensino daqueles que vieram antes são muito importantes, quer estejamos numa posição de passar a tocha quer a estejamos recebendo.