Origem: Revista O Cristão – Coração
A Cabeça e o Coração
A [seguinte] pergunta foi feita, com relação as coisas espirituais: “Qual é a diferença entre crer com a cabeça e crer com o coração?”
O termo “crer com a cabeça” é considerado por alguns como algo questionável; no entanto, certamente encontramos na Escritura o que é transmitido por essa expressão. Em João 2, por exemplo, nosso bendito Senhor expõe a mera crença intelectual. “E, estando Ele em Jerusalém pela Páscoa, durante a festa, muitos, vendo os sinais que fazia, creram no Seu nome. Mas o mesmo Jesus não confiava neles, porque a todos conhecia e não necessitava de que alguém testificasse do homem, porque Ele bem sabia o que havia no homem” (Jo 2:23-24). “Muitos creram no Seu nome”, mas o coração deles permaneceu intocado, e a consciência não alcançada. Não havia senso de pecado e nem conversão do coração a Cristo.
Entendimento natural
A mente, ou entendimento natural, estava convencida de que Aquele que operou tais milagres devia ser Deus, mas, embora o entendimento estivesse assim convencido, não havia sujeição de coração a Deus e nenhuma confiança no próprio Cristo. Eles podiam apreciar os milagres que Ele fazia e imaginar que estavam honrando Aquele que os operou. Mas Aquele que sabia “o que havia no homem” não poderia dar crédito a tal profissão de fé, por mais bela que fosse em sua aparência. Pode ter passado como genuína na avaliação do homem, mas Deus olha no coração, e Ele precisa ver a “verdade no íntimo”. A crença deles era mera persuasão humana, fundada, como nosso Senhor sugere, no que havia no homem. A fé que liga a alma a Cristo está fundamentada no testemunho de Deus para Ele. Isso faz toda a diferença.
Mas há uma coisa que marca essa fé meramente humana: ela não produz nenhum movimento na alma em direção a Deus. Não havia dúvida por parte desses judeus quanto ao estado pecaminoso do homem, mas eles não tinham nenhum exercício de consciência quanto ao perdão e à vida eterna. Eles nunca se afastaram de si mesmos e não entenderam que a salvação seria encontrada em outro.
O caso de Nicodemos
Se agora nos voltarmos por um momento para o caso de Nicodemos em João 3, veremos o contraste perfeito com toda essa mera obra superficial. A diferença essencial entre Nicodemos e os judeus em João 2 é que ele foi a Cristo com um senso de necessidade. Ele viu os milagres, assim como os judeus tinham visto, mas foi despertado nele um desejo de conhecer a mente de Deus sobre essas questões. Esse é um sinal claro de fé genuína, pois leva o homem para fora de si mesmo. Nicodemos aprendeu, em certa medida, que não havia nada de bom nele mesmo e que a bênção poderia ser encontrada somente em Jesus. Em todos esses casos, não pode haver dúvida de que Deus está trabalhando na alma.
Quando a verdade age no coração no poder do Espírito, ela cria uma necessidade. Nicodemos evidentemente sentia uma carência que nada em si mesmo ou em sua religião poderia jamais suprir. Ele tinha sido um religioso de estatura e, sem dúvida, estava bem familiarizado com as doutrinas e formas de sua religião, mas agora sua consciência havia sido alcançada pelo bendito Jesus, e um novo desejo tinha sido despertado em seu coração. Ele sentiu que havia algo faltando, e contentar-se nesse estado era impossível. Aquele a quem ele tinha visto fazer obras tão maravilhosas e falar palavras tão maravilhosas era a pessoa certa de quem se aproximar em sua perplexidade. Pode haver uma grande demora em se tomar uma decisão, bem como medo de outros, mas quando há na alma um verdadeiro senso de pecado e Cristo é o objeto de seus desejos, a plena expressão de fé virá.
Foi o que aconteceu com Nicodemos. Ele foi a Jesus à noite; ele tinha medo do mundo e de seus companheiros de religião. No entanto, a semente vital estava lá e, embora rodeada de perigos, aumentou em poder e, com o tempo, manifestou sua origem divina. No capítulo 7, nós o encontramos defendendo Cristo perante o conselho, e, no capítulo 19, ele é ousado o suficiente para enfrentar o mundo pelo rejeitado e crucificado Jesus. Essa é a diferença entre aquele tipo de crença que se apoia na mente do homem e a fé que se fundamenta na verdade de Deus. Uma cede sob circunstâncias adversas; a outra é intensificada por elas.
Crer no coração
Está perfeitamente claro na Palavra de Deus que todas as expressões exteriores de fé são totalmente inúteis, a menos que fluam de uma obra interior, da graça, no coração. “Se, com a tua boca, confessares ao Senhor Jesus e, em teu coração, creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo; visto que com o coração se crê para a justiça, e com a boca se faz confissão para a salvação” (Rm 10:9-10 – ACF). O termo “coração” nessa passagem pode abranger todo o homem interior, em contraste com a confissão da boca, ou expressão exterior. Quando a obra é do Espírito de Deus, pela Palavra, a mente não é apenas instruída, mas o coração é tocado e a consciência é alcançada. É pela consciência que a luz entra e revela o triste estado da alma. Isso torna um homem sério.
Mas, como o Espírito de Deus trabalha de maneira muito diferente com indivíduos diferentes, convém que, onde quer que vejamos o menor sinal de uma obra divina, sejamos lentos em julgar. Enquanto os anjos celebram um novo nascimento, podemos estar olhando com desconfiança incrédula! Quão doce e fortalecedor para o coração em tal momento é o espírito de Cristo! Ele junta as ovelhas com Seu braço e as carrega em Seu seio. Não deveríamos procurar seguir o Seu exemplo?
Deus aniquilou o pecado e trouxe a justiça pela cruz, e agora a graça reina “pela justiça para a vida eterna, por Jesus Cristo, nosso Senhor” (Rm 5:21). “Bem-aventurados todos aqueles que n’Ele confiam” (Sl 2:12).