Origem: Revista O Cristão – Mulheres do Novo Testamento
Dorcas
Tabita, ou melhor, Dorcas, tornou-se conhecida entre os crentes como alguém que ajudava a aliviar o sofrimento dos pobres, provendo algumas de suas necessidades. Vamos examinar sua história e ver que instrução o Espírito de Deus nos propõe.
Boas obras
Primeiramente, notamos que sua atividade não se limitava a vestir os necessitados. “Esta [mulher] estava cheia de boas obras e esmolas que fazia” (At 9:36). Este é um maravilhoso memorial para um santo de Deus. Foi registrado pela infalível pena (ou caneta) do Espírito Santo e, portanto, essas boas obras poderiam ter sido produzidas apenas na energia do Espírito de Deus. É proveitoso nos lembrarmos do que realmente são boas obras. Fomos ensinados sobre o perigo da atividade inquieta e da ocupação com o serviço, e fomos levados a admirar a boa parte que Maria escolheu (Lc 10:42). No entanto, devemos também nos lembrar das palavras de Paulo: “Fiel é a palavra, e isto quero que deveras afirmes, para que os que creem em Deus procurem aplicar-se às boas obras; estas coisas são boas e proveitosas aos homens” (Tt 3:8). Os esforços filantrópicos de vários tipos, são frequentemente dignificados com o título de “boas obras” e enganam muitas almas simples; mas as boas obras, aquelas que são feitas diante de Deus, podem fluir apenas do poder do Espírito Santo e, portanto, de acordo com Sua mente e vontade. Elas podem, portanto, ser feitas apenas por crentes, e apenas por crentes animados pelo poder divino e em sujeição à Palavra de Deus.
Rica em boas obras
As “esmolas” de Dorcas e suas boas obras foram registradas. Sem dúvida, isso consistia em ministrar dinheiro ou comida aos necessitados. Paulo, escrevendo a Timóteo, diz: “Manda aos ricos deste mundo que não sejam altivos, nem ponham a esperança na incerteza das riquezas, mas em Deus, que abundantemente nos dá todas as coisas para delas gozarmos; que façam o bem, enriqueçam em boas obras, repartam de boa mente e sejam comunicáveis; que entesourem para si mesmos um bom fundamento para o futuro, para que possam alcançar a vida eterna” (1 Tm 6:17-19). Dorcas agiu de acordo com essa exortação. Ela era rica em boas obras e estava pronta para distribuir, disposta a comunicar seus bens. “Porque já sabeis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, por amor de vós se fez pobre, para que, pela sua pobreza, enriquecêsseis” (2 Co. 8:9). Por essa mesma graça, ela se tornou Sua representante no mundo.
Beneficiários
Os objetivos de seu ministério são especificados distintamente. Quando Pedro chegou, o levaram ao quarto alto, e lemos: “todas as viúvas o rodearam, chorando e mostrando as túnicas e vestes que Dorcas fizera quando estava com elas” (At 9:39). Notamos também que essas viúvas são distintas dos santos (v. 41). Pode ser que ela trabalhasse para as viúvas como uma classe e que suas atividades de caridade não fossem dedicadas apenas às viúvas crentes. Como alguém que conhecia o coração e a mente de Deus, ela procurou ministrar às necessidades onde quer que existissem, ao mesmo tempo que possuía as reivindicações especiais da família da fé.
É claro que Dorcas tinha a mente de Deus na obra a que se dedicava. Que serviço poderia ser mais abençoado do que vestir os pobres e alimentar os famintos? O próprio Senhor, no julgamento das nações vivas, quando Ele se sentar no trono de Sua glória, fala desse tipo de coisas como serviços prestados a Si mesmo nas pessoas de Seus “irmãos”. Ele diz: “Tive fome, e destes-me de comer […] nus, e vestistes-me” (Mt 25:35-36). Isso, como Ele explica, quando foi feito a um dos menores de Seus irmãos, foi feito a Ele mesmo. Quão indizível, então, o privilégio de alimentar e vestir Cristo na pessoa de um de Seus membros!
Obra individual
Várias lições podem ser aprendidas com o relato de Dorcas. Em primeiro lugar, deve-se observar que o trabalho de Dorcas era individual. Não há o menor vestígio de associação com outras pessoas. Evidentemente, foi o serviço especial para o qual o Senhor a havia chamado e ao qual ela se rendeu de boa vontade. Seu exemplo não pode, portanto, ser citado para nada além de sua linha individual de serviço. Nada é mais abençoado na atividade Cristã do que a comunhão, a comunhão no Senhor. Mas o grande perigo de um dia como o que vivemos é a associação, associação com outros para alcançar um objetivo por meio da energia da cooperação, e não no poder do Espírito. Satanás muitas vezes consegue dessa forma sujeitar até mesmo o que poderia ter sido, no início, a ação do Espírito de Deus. O Senhor pode ter colocado algum pensamento especial de serviço sobre o coração de alguém do Seu povo. No entanto, em vez de seguir em frente à sua realização no poder d’Aquele que o chamou, o esforço é muitas vezes feito para associar outros a ela, ou mesmo para formar uma sociedade para o fim em vista. Sem demora, o serviço, mesmo que externamente próspero, está no caminho do fracasso. Moisés pode muito bem ser um aviso para nós aqui. Ele reclamou com o Senhor que o fardo do povo era muito pesado para ele. O Senhor permitiu que ele tivesse 70 homens, mas Ele tomou do Espírito que estava sobre Moisés e colocou sobre os 70 (Nm 11:11-17). Não houve ganho de poder pela associação, pois o Senhor tinha dado a Moisés todo o poder de que precisava para realizar a obra que lhe fora designada. O serviço é acentuadamente individual, pois cada servo é individualmente responsável diante do Senhor. Ele não pode se submeter a subordinar suas convicções às de outros, ou procurar andar no nível da fé de outros (seja ela superior ou inferior).
Tempo livre
Em segundo lugar, esta história proporciona uma distinta orientação para irmãs quanto a ocupação do tempo livre em suas casas. Deve-se notar muito especificamente que, se Dorcas dedicava algum tempo em trabalhos sofisticados (e certamente ela tinha liberdade para fazê-lo), os resultados de seu trabalho nessa direção não são mencionados. São “as túnicas e as vestes” apenas que encontram lugar na Palavra de Deus, nos ensinando que são trabalhos desse tipo que lideram a aprovação do Senhor. Sua perda foi tão intensamente sentida pelos discípulos que mandaram chamar Pedro, “rogando-lhe que não se demorasse em vir ter com eles”. O apóstolo vai e lhe é permitido restituir-lhe a vida, e “chamando os santos e as viúvas, apresentou-lha viva” (At 9:41). Assim, o Senhor interpôs-Se ao clamor de Seu povo e confortou o coração de todos.
Cristo o Objeto
Uma última instrução pode ser adicionada, a saber, que o trabalho de Dorcas era feito para casos de necessidade. Há algum perigo de buscarmos nos gratificar no ministério do caráter de Dorcas, de dedicar nossos esforços em casos selecionados, ou de preferir aqueles que nos enalteçam de uma forma ou de outra, de modo que muitas vezes acontecerá que as necessidades de alguns dos pobres santos são abundantemente atendidas, enquanto as de outros são quase totalmente negligenciadas. O antídoto é ter o próprio Cristo diante de nós como o Objeto de nosso ministério, lembrando que, assim como não foi nosso mérito, mas nossas necessidades que levaram Seu coração a nos servir, da mesma forma, o único incentivo para nosso ministério amoroso para com os Seus deveria ser suas necessidades. Em outras palavras, todo o nosso serviço deve ser realizado pelo amor de Cristo que nos constrange. É possível doar todos os nossos bens para alimentar os pobres e ainda assim não ter o amor divino (1 Co13) e, portanto, sem qualquer inspiração do coração de Cristo. Cristo deve ser o motivo, Cristo deve ser o objeto, e Cristo deve ser expresso em todo o nosso serviço.
E. Dennett, The Christian Friend, 1881(adaptado)