Origem: Revista O Cristão – Fraqueza e Força

“Amei a Jacó”

Ao traçar a história de Jacó, somos lembrados repetidamente da graça expressa nessas palavras: “amei a Jacó”. A resposta à pergunta: “Por que Deus teria amado alguém assim?” só pode ser respondida na graça soberana daqu’Ele que coloca Seu amor em objetos que não possuem nada dentro deles, “para que nenhuma carne se glorie perante Ele”. O caráter natural de Jacó não era amável; o nome dele realmente dizia o que ele era – “um suplantador” (N.T. o que toma o lugar de alguém através de métodos desonestos). Ele iniciou sua vida no desenvolvimento disso e seguiu um curso de barganha.

Ao sair da casa de seu pai, Jacó faz uma barganha com Deus. “Se Deus”, disse ele, “for comigo, e me guardar nesta viagem que faço, e me der pão para comer e vestes para vestir, e eu em paz tornar à casa de meu pai, o SENHOR será o meu Deus; esta pedra, que tenho posto por coluna, será Casa de Deus” (Gn 28:20-22). Aqui o encontramos fazendo uma barganha com o próprio Deus; então, novamente, durante sua permanência com Labão, vemos seus planos profundos para promover seus próprios fins. Quão claramente é visto que o ‘eu’ era o grande objeto diante de sua mente, em tudo o que ele colocou sua mão. O mesmo ocorre no curso de Gênesis 32, ele está profundamente engajado nos planos de afastar a temida ira de seu irmão Esaú.

Uma má consciência 

Mas há uma circunstância neste capítulo que merece atenção. Jacó tem uma má consciência em relação a seu irmão e, portanto, fica pouco à vontade com a perspectiva de encontrá-lo. Mas Deus teve um combate com Jacó. Ele teve que conduzi-lo através de um curso de aprendizagem para poder ensiná-lo que “toda carne é erva”. Jacó pensou apenas em agradar Esaú com um presente. É verdade que ele se afastou neste capítulo para confessar e orar, contudo, foi manifesto que seu coração estava comprometido com seus próprios arranjos para apaziguar Esaú, mais do que qualquer outra coisa. Mas Deus estava preparando um curso restaurador de disciplina para ele, a fim de ensiná-lo o que estava em seu coração. Para esse fim, Jacó foi deixado sozinho. Toda a sua companhia, organizada de acordo com seu próprio plano, havia passado, e ele próprio estava aguardando esse temido encontro com Esaú.

Há uma força especial nas palavras: “Jacó, porém, ficou só”. Assim é com todos os que são treinados na escola de Deus, os quais são trazidos para a solidão da presença divina para verem a si mesmos e a seus caminhos a sós, onde podem ser vistos corretamente. Não há parte da história de um homem tão importante como quando ele é levado em solidão à presença divina! É lá que ele entende coisas que antes eram trevas e inexplicáveis. Lá, ele pode julgar os homens e as coisas em sua devida luz, lá também ele pode julgar a si mesmo e ver sua própria nulidade e vileza.

O santuário 

No Salmo 73, encontramos uma alma olhando para o mundo e refletindo sobre o que viu – raciocinando a tal ponto que quase se sentiu tentado a dizer que era inútil servir ao Senhor. No Salmo 77, encontramos uma alma olhando para dentro de si e ponderando sobre o que viu interiormente – ponderando a ponto de questionar a continuidade da graça de Deus. Qual foi o remédio nos dois casos? “O Santuário”. Entrei no santuário de Deus e então eu entendi. O mesmo aconteceu com Jacó; seu “santuário” era o local solitário onde Deus lutou com ele até o romper do dia. Se lida com atenção, esta passagem não suporta a ideia popular, a saber, que é um exemplo do poder de Jacó na oração. Observe que ele diz: “e lutou com ele um varão”; não se diz que ele lutou com o homem. Creio que, longe de provar o poder de Jacó na oração, prova a tenacidade com que ele agarrou as coisas da carne. Tão firmemente manteve sua “confiança na carne” que a noite toda a luta continuou. “O suplantador” resistiu, não cedeu até que o próprio lugar de sua força foi tocado, e ele foi levado a sentir que “toda a carne é erva”. Em vez da paciência e perseverança de Jacó na oração, temos a paciência de Deus ao lidar com alguém que precisava ter seu “velho homem” esmagado antes que Deus pudesse fazer alguma coisa dele.

“Se me não abençoares” 

Essa cena importante é o grande ponto de virada na vida desse homem extraordinário. E podemos perguntar o que a expressão significa: “Não te deixarei ir, se me não abençoares”. Certamente foi o enunciado de quem fez a descoberta de que ele estava ‘sem força’. A Jacó foi permitido entrar no segredo da fraqueza humana; portanto, ele não pensou mais em seus próprios planos, acordos e presentes para apaziguar “meu senhor Esaú”. Não! Ele estava intimidado e tremendo diante daquele que o humilhou e gritou: “Não te deixarei ir, se me não abençoares”. Certamente este é o portão do céu! Jacó havia chegado ao fim da carne; não era mais ‘eu’, mas ‘Tu’. Toda autoconfiança se foi, todas as suas barganhas não lhe valeram nada. Quão miserável deve ter-lhe parecido tudo o que ele fazia, quando assim deixado no pó do autodomínio e da fraqueza consciente!

O poderoso Lutador diz: “Deixa-me ir, porque já a alva subiu”. Ele estava determinado a tornar manifesta a condição da alma de Jacó. Se Jacó sem demora deixasse seu domínio, teria provado que seu coração ainda estava envolvido em seus planos e esquemas mundanos. Pelo contrário, quando ele clama: “Não te deixarei ir”, ele declara que somente Deus era a fonte de toda a alegria e força de sua alma. Tal será o feliz efeito de um profundo conhecimento do nosso próprio coração. Jacó então teve seu nome mudado; ele não deveria mais ser conhecido como “o suplantador”, mas como “um príncipe”, tendo poder com Deus através do próprio conhecimento de sua fraqueza, pois “quando estou fraco, então, sou forte” (2 Co 12:10). Nunca somos tão fortes como quando nos sentimos fracos e, pelo contrário, nunca somos tão fracos como quando nos imaginamos fortes. Pedro nunca demonstrou fraqueza mais lamentável do que quando imaginava ter força incomum. Se ele tivesse sentido um pouco da feliz condição de Jacó quando seu tendão encolheu, ele teria pensado, agido e falado de maneira diferente.

Poder com Deus 

Não devemos sair desta passagem sem, pelo menos, ver claramente que o que deu a Jacó poder “com Deus e com os homens” foi a consciência plena de sua própria nulidade. Não há nada aqui do poder de Jacó na oração. Não, tudo o que vemos é, primeiro, a força de Jacó na carne e Deus o enfraquecendo, então, sua fraqueza na carne e Deus o fortalecendo. Essa é realmente a grande moral da cena. Jacó ficou satisfeito por “parar” em sua jornada, pois havia aprendido o segredo da verdadeira força. Ele foi capaz de seguir adiante no espírito das palavras proferidas posteriormente pelo apóstolo Paulo: “De boa vontade, pois, me gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim habite o poder de Cristo” (2 Co 12:9). Sim, “minhas fraquezas”, por um lado, e “o poder de Cristo”, por outro, constituirão a soma total da vida de um Cristão.

C. H. Mackintosh (adaptado)

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