Origem: Revista O Cristão – Sangue e Água
Água na Palavra
A água é o símbolo da Palavra de Deus aplicada à alma, em poder, pelo Espírito de Deus. Compare a expressão de João 3:5: “Nascer da água”, com Tiago 1:18: “Segundo a Sua vontade, Ele nos gerou pela Palavra da verdade”, e com 1 Pedro 1:23: “sendo de novo gerados, não de semente corruptível, mas da incorruptível, pela Palavra de Deus, viva e que permanece para sempre”. Em Efésios 5:26 encontramos a água definitivamente identificada com a Palavra na expressão: “A lavagem da água, pela Palavra”.
A água purifica; portanto, pelo uso do símbolo, mais nos é transmitido do que se fosse dito simplesmente: “Nascido da Palavra”. Isso inclui o efeito produzido, bem como o instrumento usado por Deus, o começo de todos os Seus caminhos conosco em graça.
Nas figuras, a água tem um lugar tão grande quanto o sangue. Ambos fluíram do lado traspassado do Senhor Jesus na morte (Jo 19:34). Esta é a ordem histórica e nela o sangue vem primeiro, como a base de tudo para a glória de Deus e de nossa bênção. Na ordem de aplicação para nós, como João em sua epístola dá a ela, a água vem primeiro. “Este é Aquele que veio por água e sangue […] E o Espírito é o que testifica” (1 Jo 5:6). O Espírito aplica a Palavra à consciência, e por essa poderosa operação da graça soberana nascemos de novo. O efeito em nós é a convicção dos pecados e quando a fé repousa sobre o testemunho do Espírito quanto ao valor do sangue de Cristo, que purifica de todo pecado, Ele (o Espírito) pode fazer Sua morada em nós para ser o poder para desfrutar de tudo aquilo a que fomos trazidos pela água e pelo sangue, e assim a posição Cristã é completa.
A Água
Mas fixando nossa atenção na água, é importante ver que há uma dupla aplicação do que ela representa, como em João 13:10: “Aquele que está lavado não necessita de lavar senão os pés, pois no mais todo está limpo”. Há primeiro, como vimos, o “nascer da água e do Espírito” (Jo 3:5); isso responde à primeira lavagem mencionada aqui e, como é a comunicação de uma nova vida e natureza, não pode ser repetida; pois “no mais tudo está limpo”. Isso não é por qualquer mudança no caráter da carne em nós, pois “O que é nascido da carne é carne”, e não pode haver purificação dela. A Palavra aplicada pelo Espírito à nossa alma traz consigo a sentença de morte sobre tudo o que é da carne. Deus nada poderia fazer com ela, além de aniquilá-la em juízo (Gn 6:13), um julgamento que Ele realizou para a fé na morte de Seu Filho (Rm 8:3). Assim, em Sua morte, a água foi encontrada onde o sangue estava. Por um lado é o fim da carne em total condenação e, por outro, a introdução de uma vida na qual podemos viver para Deus e desfrutá-Lo para sempre.
A Segunda Aplicação
Mas temos que passar com esta vida (natureza) através de um mundo contaminador, onde tudo o que atende aos sentidos tende a impedir a comunhão com Aquele que é a nossa vida. Daí a necessidade da segunda aplicação da Palavra, simbolizada pelo serviço comovente do Senhor aos Seus discípulos em João 13. Cingiu-Se com a toalha e, derramando água numa bacia, começou a lavar os pés e a enxugá-los com a toalha com a qual estava cingido. Como Jesus disse a Pedro, é assim que podemos ter “parte com Ele” quando Ele tivesse partido do mundo para o Pai (v. 1). Nós temos que atravessar o mundo do qual Ele teve que partir e aí reside toda a nossa necessidade. Estamos sujeitos a contrair impurezas a cada passo, ou pelo menos aquilo que traria a distância moral entre nossa alma e Ele. Ele sabe como aplicar a Sua Palavra para trazer de volta a alma ao gozo de Sua presença, em Seu amor sempre fiel e infalível, para que não haja nem mesmo uma sombra de reserva entre nós e Ele. Aquela primeira ação de Sua Palavra, pela qual fomos limpos em toda a natureza divina, nunca poderia ser repetida, mas isso é necessário continuamente. Ele também não nos deixa aplicá-la em nós mesmos (“Se Eu te não lavar”), embora Ele possa usar qualquer um de nós que tenha aprendido na escola de Sua graça, neste serviço privilegiado para com os outros (v. 14).
Lavado e Banhado
É importante para ajudar a fazer esta distinção de forma mais clara o fato que o Senhor utiliza duas palavras diferentes no versículo dez de acordo com a utilização correta delas na versão grega do Velho Testamento. “Aquele que está lavado” (ou “banhado”), conforme aplicado na pessoa por completo, é a palavra “louo” usada para falar da lavagem que os sacerdotes faziam no dia da sua consagração (Êx 29:4). “Não necessita de lavar [nipto] senão os pés” é aquela usada para lavar as mãos e os pés na pia da porta do tabernáculo toda vez que entravam no santuário (Êx 30:18, 21). E as palavras nunca são intercambiáveis. Mas, observando isso, devemos lembrar da diferença entre a preparação para a entrada sacerdotal nos lugares santos, como no Velho Testamento, e este maravilhoso serviço do Senhor para conosco, para que possamos ter o constante gozo de Sua presença como tendo partido para o Pai.
Que nosso coração seja mais profundamente afetado pelo amor que não deixaria sequer um ponto de sujeira em nossos pés, e que possamos permitir a ação perscrutadora de Sua Palavra sobre nós, quando for necessário que Ele assim o faça, ao invés de ficar contentes em andar a uma certa distância d’Ele, nos apegando a algo que mantenha essa distância, para Sua desonra e nossa própria perda que é incalculável.
