Origem: Revista O Cristão – A Páscoa, o Mar Vermelho e o Jordão
Celebrando a Páscoa
A celebração da Páscoa era fundamental no relacionamento de Israel com Deus e serviu como uma lembrança anual de sua libertação do Egito. O mesmo acontece com a Igreja, pois lemos que “Cristo, nossa páscoa, foi sacrificado por nós” (1 Co 5:7). No entanto, foi “no primeiro dia da semana” que ajuntavam-se “os discípulos para partir o pão” (At 20:7), e também Paulo pôde dizer: “Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice” (1 Co 11:26), pois precisamos da lembrança constante e regular do que nosso Salvador sofreu por nós.
Em Israel, porém, descobrimos que a Páscoa foi celebrada em três lugares diferentes – no Egito, no deserto e na terra. Cada um deles tem um significado espiritual para nós, em conexão com a nossa lembrança do Senhor.
No Egito
A Páscoa foi realizada pela primeira vez no Egito, onde eles estavam em perigo iminente de julgamento. Deus não podia passar por cima dos israelitas enquanto matava todos os primogênitos no Egito, pois os israelitas eram pecadores tanto quanto os egípcios. A casa protegida por sangue guardava do julgamento de Deus aqueles que estavam dentro dela, enquanto eles se banqueteavam no cordeiro assado, uma figura de Cristo. Há várias coisas a serem observadas em relação à celebração da Páscoa no Egito.
Antes de tudo, ela tinha em vista protegê-los do julgamento de Deus, pois o sangue impedia que Deus julgasse os que estavam na casa. O medo era o medo do julgamento de Deus, pois Deus não podia ignorar o pecado em Seu povo enquanto julgava os egípcios. Segundo, era comida em particular, dentro de suas casas, simplesmente como famílias. Não foi feito como um ato coletivo ou público. Terceiro, tinha em vista a partida imediata do Egito, e assim lhes foi dito para comê-la com “os vossos lombos cingidos, os vossos sapatos nos pés, e o vosso cajado na mão; e o (cordeiro) comereis apressadamente” (Êx 12:11). Finalmente, deveria ser seguida diretamente pela festa dos pães asmos.
Tudo isso fala, em termos do Novo Testamento, de um simples entendimento da obra de Cristo. Podemos muito bem lembrar do Senhor com um sentimento de termos sido libertados, com um entendimento claro e ainda uma apreciação sincera de Cristo e Sua obra, e como somos libertados do julgamento pelo Seu sacrifício na cruz. Talvez tenhamos muito pouco entendimento do aspecto coletivo da verdade do um só corpo, mas, ainda assim, temos um entendimento verdadeiro de que somos libertados do poder do inimigo, assim como Israel teve no Mar Vermelho. Também pode haver um coração verdadeiro para com Cristo e um desejo de nos separarmos do pecado em nossa vida, assim como do mundo, tipificado pela festa dos pães ázimos e pela partida do Egito. Nesses casos, não sabemos completamente do que é capaz o nosso velho “eu” pecaminoso, mas nosso coração se enche de gratidão e louvor pelo que Cristo fez por nós. Ações de graças é a nota-chave do nosso coração e nossa voz.
O deserto
Contudo, encontramos em Números 9:2, no primeiro mês do segundo ano após a saída dos filhos de Israel do Egito, que o Senhor os lembrou por meio de Moisés: “Que os filhos de Israel celebrem a Páscoa a seu tempo determinado”. Portanto, está registrado: “Então, celebraram a Páscoa no dia catorze do primeiro mês, pela tarde, no deserto do Sinai” (Nm 9:5). Há certas coisas relacionadas a celebrar a Páscoa no deserto. Antes de tudo, ela foi celebrada com o senso de que o Senhor era a favor deles, em vez de ser contra eles. Eles agora eram um povo redimido, não tendo mais nada a temer, nem do julgamento de Deus quanto ao pecado, nem do poder do Faraó. No Egito, o Senhor estava contra eles, e Sua graça proveu o sangue para que Ele pudesse passar por eles. No Mar Vermelho, Satanás, na pessoa do Faraó, estava contra eles, e Deus julgou ele e suas hostes ali. Assim, no deserto, houve libertação e paz estabelecida, que deram a esta Páscoa uma qualidade que não poderia estar presente no Egito.
Segundo, porém, o gozo deles não era completo, pois era o lugar onde eles aprendiam, entre outras coisas, o que havia no coração deles. Assim, encontramos, por exemplo, permissão dada para celebrar a Páscoa no segundo mês, para aqueles que eram impuros. Da mesma forma, encontramos uma penalidade solene mencionada para quem estava limpo, mas se recusou a guardar a Páscoa (Nm 9:13). Se tivessem sido protegidos do julgamento de Deus no Egito pelo sangue, agora tinham que aprender o que havia em seus corações. Por outro lado, eles aprenderam também o que Deus era e como era o Seu coração, apesar do fracasso deles.
Novamente, podemos lembrar do Senhor dessa maneira, com um entendimento completo de nossa libertação, não apenas da ira de Deus, mas também do poder de Satanás, como mostrado em Faraó. Nossa apreciação por Cristo é aumentada, embora a tristeza esteja presente, porque estamos aprendendo sobre nós mesmos enquanto caminhamos pelo deserto. Percebemos cada vez mais do que fomos salvos, e nosso louvor e ação de graças aumentam à medida que vemos a plenitude da libertação que Cristo operou para nós.
Na terra
Finalmente, em Josué 5:10-12 lemos que “Estando, pois, os filhos de Israel alojados em Gilgal, celebraram a Páscoa no dia catorze do mês, à tarde, nas campinas de Jericó. E comeram do trigo da Terra, do ano antecedente, ao outro dia depois da Páscoa; pães asmos e espigas tostadas comeram no mesmo dia. E cessou o maná no dia seguinte, depois que comeram do trigo da terra, do ano antecedente, e os filhos de Israel não tiveram mais maná; porém, no mesmo ano, comeram das novidades da terra de Canaã”.
Novamente, encontramos aqui em figura um avanço espiritual adicional – um maior entendimento e apreciação por Cristo e Sua obra. Antes de tudo, a celebração dessa Páscoa na terra foi precedida pela circuncisão – algo que não havia ocorrido no deserto. Tendo aprendido o que eram por experiência triste no deserto, agora não têm confiança na carne, mas estão dispostos a acabar com ela. Junto com isso, o “opróbrio do Egito” é retirado e todas as conexões com ele são completamente cortadas. Os quarenta anos que passaram no deserto foram ocasionados pelo desejo de retornar ao Egito, em vez de subirem a Canaã, e no deserto eles se lembraram constantemente de se importar com as coisas do Egito, em vez de confiar no Senhor. Não há mais isso em Canaã.
Conectado com a Páscoa na terra, havia também o comer do trigo da terra, em vez de se alimentarem de maná. Cristo em Sua Humanidade (tipificado pelo maná) agora é substituído por Cristo em glória (tipificado pelo trigo da terra), pois agora que eles atravessaram o Jordão (trazendo diante de nós a nossa morte com Cristo), o conflito está à vista, a fim de possuir a terra e habitar nela. O Senhor aparece para Josué como “Príncipe do exército do SENHOR”, que leva Seu povo ao pleno gozo da terra. Ao nos identificarmos com um Cristo ressuscitado em glória e em tê-Lo como nosso Objeto, terminamos com o mundo, com Satanás e com o “eu”. Certamente, o crente nunca deixa de desfrutar de Cristo em Sua Humanidade, e às vezes estará novamente no deserto, conforme sua experiência. Mas uma vez que ele entrou na terra, as coisas que caracterizam o deserto são passadas. Ao ver Cristo em glória, que passou pela morte e tudo relacionado a ela, o crente é livre para olhar para trás, para a cruz, e isso talvez seja trazido diante de nós pelas pedras colocadas no meio do Jordão. Havia pedras colocadas ali em Gilgal como uma lembrança para Israel de sua libertação ao atravessar o Jordão, mas o próprio Josué (uma figura de Cristo) colocou doze pedras no meio do Jordão, talvez a invisível lembrança da morte de Cristo que torna possível que estejamos mortos e ressuscitados com Ele. A fé vê essas pedras colocadas ali por Josué enquanto desfruta das bênçãos da terra. Mais do que isso, o aspecto coletivo da Páscoa é introduzido na terra. Já não devia mais ser comida simplesmente como famílias em seus lares, mas deve ser comida “no lugar que o SENHOR escolher” (Dt 12:14) e conectada a “uma santa convocação” (Lv 23:7). Sem dúvida, isso tem sua contraparte no Novo Testamento na verdade de um corpo, e no fato de que aqueles que se lembram do Senhor deveriam fazê-lo em reconhecimento de que “sendo muitos, somos um só pão e um só corpo” (1 Co 10:17).
Comer a Páscoa na terra, portanto, representa a mais completa apreciação por Cristo e Sua obra, pois quem a come na terra o faz como morto e ressuscitado com Cristo, enquanto desfruta de tudo o que é dele como homem celestial e tendo um Cristo ressuscitado em glória como um Objeto. Mas o Senhor aprecia qualquer apreensão de Cristo que tenhamos, como tipificado nas várias ofertas queimadas. Seja um novilho, um cordeiro ou apenas um pombinho, o Espírito de Deus diz de cada um que era “cheiro suave ao Senhor” (Lv 1:9, 13, 17). Ele valoriza qualquer apreciação de Cristo, mas quer que cresçamos “na graça e conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (2 Pe 3:18).
