Origem: Revista O Cristão – A Cruz
Palavras da Sabedoria do Homem
Frequentemente se esquece que a carne no crente é exatamente a mesma que a carne no incrédulo. Isso sem dúvida era algo conhecido pelos santos de Corinto, mas certamente negligenciado e, como o mal que a carne traz para a Igreja sempre se assemelha ao predominante no mundo ao redor, temos aqui os vícios da sociedade grega penetrando na assembleia de Corinto. Permissividade de comportamento e de opiniões distinguia o mundo ao seu redor, e esses males logo apareceram na Igreja. A permissividade de comportamento mostrava-se em sua tolerância à conduta moral, que nem sequer era “nomeada entre os gentios”, em sua embriaguez e indulgência à mesa do Senhor, e no caráter desordenado de suas reuniões. A permissividade de opiniões mostrou-se em seus pensamentos tolerantes quanto a se identificar com a adoração de ídolos e em sua prontidão para se dividir em escolas de doutrina de acordo com a preferência por certos mestres.
De fato, eles não viram a ruína do homem. Eles acreditavam na queda como um fato, mas falharam em entender as consequências envolvidas. Eles admitiriam que a queda alienou completamente o homem de Deus, mas não entenderam que isso cegou completamente a natureza moral do homem, a ponto de torná-lo incapaz de enxergar a verdade de Deus. Este é exatamente o erro de nossos próprios tempos. Muitos pensam que a carne precisa de melhoria. Outros admitem sua ruína moral e a necessidade de uma nova natureza, mas poucos veem a total incapacidade da sabedoria natural do homem de julgar corretamente as coisas de Deus. Os coríntios, ignorando essa verdade, trouxeram sua própria sabedoria carnal para as coisas divinas, e o resultado inevitável foi confusão e divisão. Eles estavam se dividindo em escolas de doutrina, como seitas em nossos dias, e o apóstolo declara que eles eram carnais e andavam como homens.
Filosofia
O apóstolo Paulo aborda essa tendência de exaltar a sabedoria do homem em sua primeira epístola aos coríntios. Paulo diz: “Porque Cristo enviou-me não para batizar, mas para evangelizar; não em sabedoria de palavras, para que a cruz de Cristo se não faça vã”. Em que medida da pregação de hoje a sabedoria humana não é apenas permitida, mas exigida? Os pregadores são procurados por sua eloquência, sua lógica, seus talentos, e não pela fidelidade com que apresentam a verdade de Deus. Mas a Palavra de Deus é clara. A cruz de Cristo e a sabedoria do homem não podem andar juntas. Se a cruz de Cristo deve ser exaltada, a sabedoria do homem deve ser rebaixada. Se a sabedoria do homem deve ser engrandecida, a cruz de Cristo se tornará “vã”.
A razão é simples: “Porque a palavra da cruz é loucura para os que perecem; mas para nós, que somos salvos, é o poder de Deus” (1 Co 1:18). Tão amplamente os pensamentos do homem divergem dos de Deus que, mesmo na mais maravilhosa demonstração do poder salvador de Deus, o homem pode discernir nada além de loucura. Não é de admirar, pois se Deus deve ser conhecido, Ele deve ser conhecido moralmente. Mas a consciência dos homens recua ao olhar para Deus em Seu caráter moral. Portanto, muito antes “como eles se não importaram de ter conhecimento de Deus, assim Deus os entregou a um sentimento perverso” (Rm 1:28). Os mais sábios se tornaram tolos nas coisas de Deus. As pessoas mais instruídas e filosóficas do mundo reconheceram sua ignorância levantando um altar “ao Deus desconhecido”. Outros procuravam especulações ociosas, mas todos eram igualmente cegos quanto ao que Deus era. Isso estava de acordo com a sabedoria de Deus, pois, como Ele é santo e justo, essas são as primeiras coisas que um pecador deve aprender e essas são exatamente as verdades que a sabedoria natural nunca pode alcançar. Deus deve ser conhecido, não como o homem caído pode entendê-Lo, mas como Ele Se revelou, e isso somente a alma ensinada pelo Espírito pode compreender. “O homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente” (2 Co 2:14).
A loucura da pregação
Mas quando “na sabedoria de Deus, o mundo não conheceu a Deus pela sua sabedoria, aprouve a Deus salvar os crentes pela loucura da pregação” (1 Co 1:21) A salvação de Deus deve se dirigir à ruína moral do homem, e esse é exatamente o fato que o orgulho da sabedoria humana não irá reconhecer e nem pode fazê-lo. Por isso, a cruz se torna a zombaria dos sábios, a pedra de tropeço daqueles de espírito mundano. O homem admira poder e sabedoria, mas somente quando adequado a seus próprios pensamentos. Os judeus procuraram um Messias adornado em majestade e glória mundanas; os gregos buscavam um deus adequado às suas próprias especulações filosóficas. Como, então, reconhecer ou receber um Salvador que veio vestido de humildade e fraqueza? “Porque os judeus pedem sinal, e os gregos buscam sabedoria; mas nós pregamos a Cristo crucificado, que é escândalo para os judeus e loucura para os gregos. Mas, para os que são chamados, tanto judeus como gregos, lhes pregamos a Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus” (1 Co 1:22-24).
O poder e sabedoria de Deus
Era impossível para o judeu, sem nenhum senso da ruína moral de seu povo, reconhecer o poder de Deus n’Aquele que ele viu ser desprezado e cuspido, açoitado e crucificado. Era impossível para o grego, sem consciência do pecado ou necessidade, e buscando apenas a gratificação de seu intelecto, discernir a sabedoria de Deus na morte de um obscuro Galileu que fora crucificado entre dois ladrões. Para perceber a sabedoria e o poder de Deus em tal cena, deve haver o completo abandono de toda pretensão humana, a submissão do coração à justiça de Deus e a consciência da necessidade como um pecador perdido e arruinado. É somente “para os que são chamados, tanto judeus como gregos”, que o poder e a sabedoria de Deus podem brilhar a partir de tal cenário.
Mas para os que são chamados, que maravilhas de poder e sabedoria são aqui reveladas! Onde a vitória foi tão completa quanto a que foi alcançada quando este Homem de dores inclinou Sua cabeça e entregou o espírito? A escravidão de ferro do pecado e de Satanás, da sepultura e da morte, foi quebrada para sempre; o véu que escondia Deus do homem e mantinha o homem afastado de Deus foi rasgado em dois, de alto a baixo; o justo julgamento de Deus foi suportado pelo imaculado sacrifício, e a fonte de Sua graça e amor foi liberada para fluir em correntes de bênçãos mais ricas para um mundo em ruínas. Tal foi a demonstração do poder de Deus em Cristo crucificado, e Sua sabedoria não foi menos evidente ou menos adorável. Se é pela Igreja que Deus agora manifesta Sua multiforme sabedoria aos principados e poderes nos lugares celestiais, onde estaria essa Igreja se não fossem as horas de trevas passadas pelo Santo na cruz? Ali foi que a astúcia e as artimanhas de Satanás se voltaram para sua própria confusão, sua aparente vitória transformada em derrota, e o aparente fracasso de Cristo convertido em triunfo. Da mais baixa profundidade, Ele subiu ao alto, levou cativo o cativeiro e deu dons aos homens, pois verdadeiramente “a loucura de Deus é mais sábia do que os homens; e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens”.
Para que nenhuma carne se glorie
E este é sempre o caminho de Deus, para que “para que nenhuma carne se glorie perante Ele”. Assim foi quando Jesus estava neste mundo, pois então as coisas de Deus foram escondidas dos sábios e entendidos e reveladas aos pequeninos. Assim foi antigamente: pela tolice de soprar chifres de carneiros ao redor de uma fortaleza poderosa que “caíram os muros de Jericó, sendo rodeados durante sete dias”. Foi pela fraqueza da aguilhada de boi de Sangar, dos trezentos de Gideão e da queixada de Sansão que Israel foi libertado e os exércitos dos inimigos se puseram em fuga. Em todos os lugares vemos Deus escolhendo “as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias” e “as coisas fracas deste mundo para confundir as fortes”.
A sabedoria do homem
Tal é, e sempre foi, o caminho de Deus. Que a sabedoria natural do homem está corrompida e é inútil nas coisas de Deus, e que Deus escolheu agir por aquilo que a sabedoria do mundo despreza como tolice, é evidente para onde quer que olhemos. Ele deseja despojar o homem caído de toda a glória, a fim de tornar Cristo Jesus para o crente “sabedoria, e justiça, e santificação e redenção”. Quão pior do que inútil, então, trazer aquilo que Deus assim desacreditou, à pregação do evangelho, ao ensino da verdade de Deus ou à ordem de Sua Igreja. Quando trazido para a pregação do evangelho, seu efeito é tornar a cruz de Cristo sem efeito; quando trazido para o ensino da verdade de Deus, seu efeito é causar conflitos e sectarismo, substituir “filosofias e vãs sutilezas” por aquele mistério em “Quem estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência”; quando trazido para a ordem da Igreja, seu efeito é deslocar as direções das Escrituras para regras e formas da imaginação do homem. Seja na forma de sabedoria ou cerimonial, de racionalismo ou ritualismo, é, como vemos na epístola aos colossenses, um intruso e perturbador, do qual aqueles que estão mortos com Cristo deveriam conhecer a sua libertação.
A sabedoria de Deus
Há apenas uma regra para o novo homem, e essa é a Palavra de Deus – e apenas um intérprete das Escrituras, e esse é o Espírito Santo. Aqui temos a sabedoria de Deus, e não a do homem; se quisermos entendê-la corretamente, devemos fazê-lo descartando completamente a sabedoria do homem e tomando o lugar de alunos da escola de Deus. “E alguém dentre vós se tem por sábio neste mundo, faça-se louco para ser sábio” (1 Co 3:18). Numa época em que a sabedoria e a ciência do homem estão se exaltando a si mesmas contra Deus, e mesmo os verdadeiros crentes são enganados por suas pretensões, é bom ver claramente a total inutilidade dessas coisas em nos ajudar a entender a mente de Deus e agarrar com mãos firmes a verdade da toda a suficiência e autoridade soberana daquela Palavra, que é “divinamente inspirada e proveitosa para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir em justiça; para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente preparado para toda boa obra” (2 Tm 3:16-17 – AIBB).
