Origem: Revista O Cristão – Orgulho e Humildade

Esvaziar a Si Mesmo

A plenitude de Deus espera por um vaso vazio. Esta é uma grande verdade prática, muito facilmente declarada, mas envolvendo muito mais do que se pode imaginar a princípio. Toda a Palavra de Deus ilustra esta verdade, a história do povo de Deus ilustra isso, e a experiência de cada crente ilustra isso. Quer estudemos a Palavra de Deus ou os caminhos de Deus, aprenderemos essa verdade tão preciosa que a plenitude de Deus sempre espera por um vaso vazio. Isso vale para o pecador que está vindo a Cristo, e é válido para o crente em todos os estágios de sua caminhada, desde o ponto inicial até o objetivo.

O pecador 

Quando o pecador está vindo a Cristo, a plenitude de Deus em amor redentor e misericórdia perdoadora estão esperando por um vaso vazio. O que realmente interessa é fazer com que o pecador tome o lugar de um vaso vazio. Uma vez lá, toda a questão é resolvida. Sim, mas que exercício, quanto esforço, quanta labuta, quanto conflito, quantos esforços infrutíferos, quantos altos e baixos, e quantos votos e resoluções são necessários antes que o pecador seja realmente levado a tomar o lugar de um vaso vazio e esteja pronto para ser preenchido com a salvação de Deus! Quão difícil é esvaziar o pobre coração legalista de sua legalidade, para que seja cheio de Cristo! O coração terá algo de si mesmo para se apoiar e se apegar. Aqui está a raiz da dificuldade. Nunca podemos tirar água das fontes da salvação até que venhamos a elas com vasos vazios.

Isto é uma obra difícil. Muitos passam anos de esforços legalistas antes de alcançar o grande ponto moral de se esvaziar a Si mesmo em conexão com a simples questão da justiça diante de Deus. Quando o pecador chega a esse ponto, a questão é considerada tão simples que a maravilha é como que ele pôde ter demorado tanto para se apegar a ela, e por que não havia conseguido isso antes. Nunca há qualquer dificuldade quando o pecador realmente toma o terreno do esvaziamento próprio. A pergunta: “Quem me livrará?” é seguida imediatamente pela resposta: “Dou graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor” (Rm 7:24-25).

Quanto mais um pecador se esvaziar de si mesmo, mais estável será a sua paz. Se o “eu” e seus feitos, seus sentimentos e seus raciocínios não forem esvaziados, haverá dúvidas e medos, altos e baixos, vacilos e flutuações posteriores. Por isso, há a importância vital de procurar se libertar claramente do “eu”, para que Cristo, que é “corporalmente toda a plenitude da divindade”, seja conhecido e desfrutado.

O crente 

Esta verdade também se aplica a um crente em todos os estágios de sua caminhada. Às vezes, temos muito pouca ideia de quão cheios estamos do ego e do mundo. Por isso é que, de uma forma ou de outra, temos que nos esvaziar de nós mesmos. Como Jacó de antigamente, lutamos com afinco e mantemos firme nossa confiança na carne, até que, por fim, a fonte de nossa força se seca e o chão de nossa confiança é varrido de debaixo de nós, e então somos forçados a clamar,

“Outro refúgio não tenho,
Minha alma se agarra indefesa a Ti”

Não pode haver maior barreira à nossa paz e gozo habitual de Deus do que estarmos cheios de confiança própria. Nós devemos ser esvaziados e humilhados. Deus não pode dividir a casa com a criatura. É inútil esperar por isso. Jacó teve que ter a juntura de sua coxa tocada para que ele pudesse aprender a se apoiar em Deus. O manquejar de Jacó encontrou seu recurso certo em Jeová, o Único que nos esvazia da natureza para que possamos ser cheios d’Ele mesmo. Ele sabe que, na medida em que estamos cheios de confiança própria ou de confiança na criatura, somos privados da profunda benção de sermos cheios da Sua plenitude. Por isso, em Sua grande graça e misericórdia, Ele nos esvazia para que possamos aprender a confiarmos n’Ele como uma criança. Este é o nosso único lugar de força, vitória e repouso.

Nossa ambição 

Alguém disse: “Eu nunca fui verdadeiramente feliz até que deixei de desejar ser grande”. Esta é uma admirável verdade moral. Quando deixamos de pretender ser alguma coisa, quando nos contentamos em ser nada, então provamos o que é a verdadeira grandeza, a verdadeira elevação, a verdadeira felicidade e a verdadeira paz. O desejo incansável de ser alguém destrói a tranquilidade da alma. O coração orgulhoso e o espírito ambicioso podem dizer que isso é um sentimento baixo e desprezível, mas quando começamos a aprender d’Aquele que era manso e humilde de coração, quando bebemos em alguma medida do espírito d’Aquele que Se tornou de nenhuma reputação, então vemos as coisas de maneira bem diferente. “Aquele que a si mesmo se humilhar será exaltado”. O caminho para subir é descer. Esta é a doutrina de Cristo, a doutrina que saiu dos Seus lábios e está inscrita em Sua vida. “E Jesus, chamando uma criança, a pôs no meio deles e disse: Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos fizerdes como crianças, de modo algum entrareis no Reino dos céus. Portanto, aquele que se tornar humilde como esta criança, esse é o maior no Reino dos céus” (Mt 18:2-4). Essa é a doutrina do céu – a doutrina do esvaziamento próprio. Quão diferente isso é do espírito de egoísmo e exaltação própria!

Uma voz 

Temos, na pessoa de João Batista, um bom exemplo de alguém que entrou, em alguma medida, no verdadeiro significado do esvaziamento próprio. Os judeus enviaram sacerdotes e levitas de Jerusalém para perguntar-lhe: “Quem és tu? Que dizes tu de ti mesmo?” Qual foi sua resposta? Uma de alguém que a si mesmo se esvaziou. Ele disse que era apenas “uma voz”. Ele estava tomando seu verdadeiro lugar. “Uma voz” não tinha muito de que se gloriar. Ele não disse: “Eu sou aquele que clama no deserto”. Não; ele era apenas a voz de alguém”. Ele não tinha ambição de ser nada além disso. Isso era esvaziamento próprio. E observe o resultado. Ele encontrou o Objeto que o absorvia em Cristo. “No dia seguinte João estava outra vez ali, na companhia de dois dos seus discípulos. E, vendo passar a Jesus, disse: Eis aqui o Cordeiro de Deus”. O que foi tudo isso, além da plenitude de Deus esperando por um vaso vazio! João não era nada; Cristo era tudo; portanto, quando os discípulos de João o deixaram para seguir a Jesus, podemos nos sentir seguros de que nenhuma palavra murmurante, nenhum tom de ambição desapontada ou orgulho ferido escapou de seus lábios. Não há inveja nem zelo em um coração esvaziado de si mesmo. Não há nada de sensível, nada tenaz, sobre alguém que aprendeu a tomar o seu verdadeiro lugar. Se João estivesse buscando seus próprios interesses, ele poderia ter reclamado quando se viu abandonado, mas não, quando um homem encontrava seu Objeto que o satisfaz no “Cordeiro de Deus”, ele estava feliz em perder seus discípulos para Ele.

Oh! Ambicionemos por um espírito esvaziado de si mesmo – “um coração livre de si mesmo” – uma mente liberta de toda ansiedade sobre as coisas que lhes são próprias! Que possamos ser mais completamente libertos do “eu” em todas as suas operações detestáveis! Então o Mestre poderá nos usar, e nos abençoar. Ouça Seu testemunho sobre João: “Em verdade vos digo que, entre os que de mulher têm nascido, não apareceu alguém maior do que João Batista” (Mt 11:11). Quão melhor é ouvir isso do Mestre do que do servo! João disse: “Eu sou uma voz”. Cristo disse que ele era o maior dos profetas. Simão, o mágico, se dizia “que era uma grande personagem”. Tal é o caminho do mundo – o modo do homem. João Batista, o maior dos profetas, revelou que ele próprio não era nada – que Cristo estava “acima de tudo”. Que contraste!

Adaptado de Things New and Old 3:141

Compartilhar
Rolar para cima