Origem: Revista O Cristão – Santidade

Santidade Conforme a Escritura

Podemos muito bem perguntar se o assunto da santidade conforme a Escritura ocupa o devido lugar nas mentes de muitos de nós, pois muitas vezes estamos satisfeitos com um padrão muito baixo de caminhada e conduta. Tendo recebido o perdão dos pecados, descansamos na certeza de que estamos a salvo do julgamento de Deus. Consequentemente, somos governados, mais ou menos, por princípios mundanos; pensamos pouco nos fracassos diários e buscamos pouco mais do que manter a consistência exterior e uma boa reputação entre os companheiros Cristãos. A possibilidade de comunhão com Deus sem nenhum impedimento e vitória diária sobre o pecado não tem seu devido lugar em nossa alma. Ainda assim, é evidente em muitas partes da Escritura que nenhum padrão menor que este deve ser aceito. Paulo, por exemplo, disse aos coríntios: “purifiquemo-nos de toda imundícia da carne e do espírito, aperfeiçoando a santificação no temor de Deus” (2 Co 7:1) Pedro disse: “Mas, como é santo Aquele que vos chamou, sede vós também santos em toda a vossa maneira de viver, porquanto escrito está: Sede santos, porque Eu Sou santo” (1 Pe 1:15-16). João diz: “Aquele que diz que está n’Ele também deve andar como Ele andou” (1 Jo 2:6). Assim, Paulo, Pedro e João se unem em seu testemunho de que Deus nos chamou à santidade e a crescer em uma caminhada santa durante nossa peregrinação no deserto.

Impecabilidade e santidade 

Então, qual é a santidade conforme a Escritura? Não é apenas a de evitar cair em pecado. Pode ser que nenhum pecado tenha sido cometido, mas não podemos julgar nosso próprio estado e condição. Quando lemos que o pensamento tolo é pecado, seria muito corajoso da parte de um homem se aventurar a afirmar que ele passou, digamos, uma semana sem pecar. Mas vamos mais longe ainda e dizemos que a impossibilidade absoluta de pecar, se tal estado fosse possível, não é a santidade como apresentada nas Escrituras.

Então, o que é? O padrão de santidade de Deus é Cristo – Cristo como Ele está agora glorificado à direita de Deus. De Efésios 1 aprendemos que Deus escolheu crentes em Cristo antes da fundação do mundo para que eles fossem santos e irrepreensíveis diante d’Ele (v. 4). De Romanos 8, aprendemos que Ele os predestinou para serem conformes à imagem de Seu Filho. A primeira Escritura vai além em sua importância completa para a nossa condição glorificada, enquanto a segunda mostra que essa condição é de uma total conformidade com Cristo glorificado, e que Ele, portanto, é a revelação dos pensamentos de Deus quanto à santidade. O próprio Senhor diz em João 17: “E por eles Me santifico a Mim mesmo, para que também eles sejam santificados na verdade” (v. 19). Isso significa que o Senhor estava prestes a Se separar para estar à direita de Deus e que, estando ali glorificado, seria o modelo a Quem Seus discípulos deveriam ser conformados pela verdade do que Ele é nesta nova condição. Claramente, Cristo, como Ele é agora, é o padrão da purificação do crente.

Santificação prática 

Deve haver no Cristão um crescimento constante em sua conformidade com Cristo – santificação prática crescente, ou santidade todos os dias. Devemos considerar cuidadosamente o termo “santificação prática”, porque há uma santificação que pertence a todo crente, e em virtude da qual todos nós, sem distinção, somos chamados santos. Assim Paulo escreve aos coríntios: “Mas haveis sido lavados, mas haveis sido santificados, mas, haveis sido justificados em nome do Senhor Jesus e pelo Espírito do nosso Deus” (1 Co 6:11), e aos tessalonicenses: “Deus vos escolheu desde o princípio para a santificação do espírito e a fé na verdade” (2 Ts 2:13 – AIBB). Essa santificação refere-se à separação para Deus de todos os que o Espírito operou no novo nascimento. Todo aquele que é nascido de Deus é assim santificado. Isto pertence à posição Cristã e não está de forma alguma relacionada com a santidade na caminhada, embora esta seja consequência da primeira.

Alcançando a santidade prática 

Tendo chamado a atenção para essa distinção, podemos considerar os meios para alcançar tal santidade prática. Há dois aspectos desta questão: vencer a tentação e crescer positivamente na semelhança com Cristo. Vamos primeiro considerar a vitória sobre o pecado. Em Romanos 6 lemos: “sabendo isto: que o nosso velho homem foi com Ele crucificado, para que o corpo do pecado [o pecado em sua totalidade] seja desfeito [ou anulado quanto a suas reivindicações], a fim de que não sirvamos mais ao pecado. Porque aquele que está morto está justificado do pecado” (vs. 6-7). A verdade mais preciosa está nesta curta declaração. Deus lidou com o que somos como filhos de Adão na cruz; a carne, a natureza que produziu os pecados, subiu até os olhos de Deus e foi tirada para sempre pra fora de Sua vista sob julgamento. Agora Deus vê o Seu povo como tendo morrido com Cristo (Gl 2:20; Cl 3:3). A fé agora recebe os pensamentos de Deus, e o crente vê a si mesmo como morto – morto na morte de Cristo. O pecado (interior) não pode ter nenhuma reivindicação sobre um homem morto.

Superando a tentação 

A caminhada agora é, não segundo a carne, mas segundo o Espírito; as coisas do Espírito ocupam a nova mente; o estado não é mais caracterizado pela carne, mas pelo Espírito, pois o Espírito de Deus habita na alma libertada. Se, além disso, Cristo está no crente, o corpo está morto por causa do pecado, e o Espírito é vida por causa da justiça; também há a certeza de que até mesmo seu corpo mortal será vivificado, porque ele tem habitando nele o Espírito d’Aquele que ressuscitou Jesus dentre mortos. A alma liberta entrará imediatamente em um caminho de liberdade e poder. O caráter de sua liberdade será liberdade de si mesmo e liberdade diante de Deus, e isso conhecido em medida sempre crescente, conforme aprendemos mais da plenitude da graça que tem sido demonstrada na redenção. O poder fluirá da presença e atividade do Espírito Santo, um poder suficiente para resistir e superar todas as incitações da carne. Assim, o apóstolo pode dizer: “De maneira que, irmãos, somos devedores, não à carne para viver segundo a carne, porque, se viverdes segundo a carne, morrereis; mas, se pelo Espírito mortificardes as obras do corpo, vivereis” (Rm 8:12-13 – ACF).

Conformidade com Cristo 

Tendo agora abordado sobre os meios de vitória sobre o pecado, podemos considerar, em seguida, como podemos crescer em conformidade com Cristo e fazer avanços na santidade prática. Existem duas Escrituras que explicarão isso. Uma é João 17:19 e a outra é 2 Coríntios 3:18. A primeira já foi mencionada e explica como, quando o Senhor falou de Se santificar, Ele Se referiu ao fato de ser glorificado como Homem à destra de Deus, e que Ele Se apresenta ali como o modelo a Quem devemos ser conformados. Quando Ele fala de sermos santificados pela verdade, Ele ensina que seremos trazidos à semelhança moral com Ele pela aplicação à nossa alma da verdade daquilo que Ele é como glorificado; isto é, que a revelação para nós do que Ele é, em todas as Suas perfeições como glorificado, terá o efeito de produzir em nós, em diferentes graus, a correspondência moral com Ele mesmo. É, na verdade, apenas outro aspecto do que é encontrado na segunda passagem.

A face do nosso bendito Senhor é revelada em Sua condição gloriosa. A glória manifestada em Sua face proclama que Sua obra na cruz foi realizada para a satisfação eterna de Deus. A glória do Senhor é, portanto, o testemunho da própria estimativa de Deus quanto à Sua obra consumada. Isso explica como o crente pode “contemplar” a glória do Senhor, desvelada como é, sem medo. Ele vê em cada raio da glória de Cristo a declaração de que Deus repousa com infinita satisfação n’Aquele que O glorificou na Terra e consumou a obra que Ele Lhe deu para fazer. Mais que isso, Cristo glorificado à destra de Deus é a expressão do propósito de Deus para o Seu povo. Todo crente deve ser conformado à imagem de Seu Filho. Adão e sua descendência foi para sempre colocado de lado, e Cristo, que é o princípio, como o Homem dos conselhos de Deus, está em Seu estado glorificado, como o padrão divino, segundo o qual Deus está agora trabalhando. “Qual o terreno, tais são também os terrenos; e, qual o celestial, tais também os celestiais. E, assim como trouxemos a imagem do terreno, assim traremos também a imagem do celestial” (1 Co 15:48-49).

Crescimento em semelhança com Cristo 

Isso nos leva ao nosso último ponto nesta conexão, que é, que nosso crescimento em semelhança a Cristo, enquanto ainda estamos aqui embaixo, nosso aumento em santidade prática, é o fruto de estarmos constantemente ocupados e meditando na glória do nosso bendito Senhor. Essa afirmação é confirmada pela linguagem de nossa Escritura. Ela diz: “Mas todos nós, contemplando a glória do Senhor, com rosto descoberto, somos transformados de acordo com a mesma imagem, de (uma) glória para (outra) glória, como pelo Senhor o Espírito” (JND). Três coisas são dadas aqui. Primeiro, é por contemplar que somos transformados; segundo, que a transformação é gradualmente efetuada; e em terceiro lugar, que o Espírito é o poder pelo qual a transformação é realizada.

Aqui, então, estão os meios de toda a realização em santidade. Mas alguém pode perguntar: “Como, ou onde, podemos contemplar a glória do Senhor?” Que seja declarado de maneira clara que Sua glória, que agora Ele possui como um Homem glorificado, é revelada a nós pela Palavra escrita. À medida que lemos sobre ela na Palavra, a traçamos e a contemplamos, o Espírito Santo silenciosamente, mas de maneira ativa, trabalha dentro de nós e nos molda moralmente à Sua semelhança. Todas as perfeições de Cristo (pois elas constituem a Sua glória) – Sua graça, Seu amor, Sua santidade, Sua verdade, Sua ternura – e tudo o que pertence à Sua condição glorificada é manifestado diante de nossos olhos no registro santo, e quando meditamos sobre Ele somos transformados na mesma imagem, mas gradualmente, pois nos é dito: “De glória em glória”.

Pelo coração 

Outra coisa deve ser adicionada. Em toda parte da Palavra é ensinado que é para o coração (e consciência) que o Senhor comunica a Si mesmo. É por meio do coração que apreendemos pelo Espírito as coisas divinas. Aquele que mais ama, portanto, aprenderá mais e, na busca pela santidade, as afeições espirituais devem ser cultivadas. Não há nada que tanto nutra o coração do povo de Deus como a consideração de nosso bendito Senhor em Seu caminho por este mundo. Contemplá-Lo em toda a Sua mansidão e humildade, juntamente com Sua inteira devoção à glória de Deus, não pode senão tocar o coração renovado e suscitar emoções de gratidão e amor Àquele que nos amou e Se entregou a Si mesmo por nós. Com estas emoções em nossa alma, nosso olhar é atraído para Ele onde Ele está, e contemplando Sua glória presente nos regozijamos, e nós adoramos ao nos lembrarmos de que Aquele que agora é glorificado é o mesmo Jesus que aqui aprendeu obediência pelas coisas que Ele sofreu. Deste modo, a condição da alma é produzida, na qual o Espírito de Deus pode mais eficazmente trabalhar para a nossa transformação. Nos encontraremos julgando a nós mesmos e a tudo o que está ao nosso redor pela luz de Quem Ele é. Assim cresceremos em santidade incessantemente, e a medida de nossa realização será a medida de nossa conformidade à Sua semelhança.

E. Dennett (adaptado)

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