Origem: Revista O Cristão – Pecado e Libertação
Julgando a Raiz
Em outros artigos desta edição, veremos como, na cruz, Deus lidou com o pecado, assim como com os pecados. O sangue de Cristo retira os nossos pecados, enquanto na morte de Cristo, estamos mortos para o próprio pecado, a causa de todo o problema. Pecados são o fruto, mas o pecado é a raiz, e a raiz deve ser tratada se quisermos viver uma vida de vitória diante de Deus.
Libertação posicional e prática
Em Romanos 6:6 lemos: “sabendo isto: que o nosso velho homem foi com Ele crucificado, para que o corpo do pecado seja desfeito, a fim de que não sirvamos mais ao pecado”. Na cruz, Deus viu o fim do velho homem – o que nós éramos como filhos de Adão – e agora o crente não precisa estar em escravidão ao pecado. Somos chamados a agir na prática nesta verdade e a nos considerarmos “mortos para o pecado, mas vivos para Deus, em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 6:11). Porque Cristo já conquistou a vitória para nós e nos deu este lugar, há poder n’Ele (não em nós) para nós tomarmos este lugar de forma prática. Como resultado, os crentes podem agora oferecer os seus membros para “servirem à justiça para a santificação” (Rm 6:19).
É importante perceber que o lado prático disso em nossa vida é uma coisa experimental, pois a maioria de nós deve passar por uma experiência semelhante à do homem em Romanos 7 antes de obtermos verdadeira libertação. É possível entender a verdade da morte e ressurreição com Cristo de uma maneira intelectual, ter sido batizado, e até mesmo ter, pelo menos de maneira limitada, reconhecido que estamos mortos para o pecado, e ainda assim não termos realmente nos rendido ao Senhor. Uma coisa é dizer: “Miserável homem que eu sou!” de uma maneira geral, e admitir que não haja nada de bom em meu velho “eu” pecaminoso, mas é outra coisa estar disposto a permitir que o olho sondador de Deus exponha minha velha natureza no que ela realmente é. Foi somente à luz da lei que o pecado se tornou “excessivamente maligno” (Rm 7:13), e é somente à luz da presença de Deus que eu posso dizer com Jó: “Por isso, me abomino” (Jó 42:6). Se for para eu ser realmente livre, devo estar disposto a tomar este lugar e não confiar mais em mim mesmo.
Justiça própria
Infelizmente, a maioria de nós não quer admitir que nosso coração seja capaz de alguns dos piores pecados. Gostamos de fomentar nossa estima própria e sentir, como o fariseu hipócrita de Lucas 18:11, que “não sou como os demais homens”. Lembro-me bem de uma irmã em Cristo que, referindo-se a outro crente que havia cometido um grave pecado moral, disse-me: “Mas você e eu não faríamos algo assim, não é mesmo?” Gostamos de nos convencer de que somos em nós mesmos melhores que os outros. Então, quando nossa natureza pecaminosa se manifesta de tempos em tempos, há a tendência de ficar zangado e na defensiva, ou talvez negar que alguma vez fizemos tal coisa. Tal tendência à justiça própria no crente é em grande parte responsável pela miséria encontrada entre os Cristãos. Se eles justificassem a Deus em vez de si mesmos, evitariam o desgastante processo de justificação própria, e também muita tristeza em sua vida.
O bom é mau
Ao lidar com essa raiz má, devemos também perceber que não apenas o “mau” em nós deve morrer, mas também o “bom”. A maioria de nós tem a tendência de sentir que, enquanto somos pecadores e, portanto, temos algumas más qualidades, também temos algumas boas qualidades que podem ser recuperadas dos destroços de nosso “eu” pecaminoso. Talvez sejamos naturalmente bondosos e amorosos – não podemos ser usados para Deus em nossa vida Cristã? Ou talvez nós sejamos generosos em dar – não é uma boa qualidade? Talvez alguém seja um bom líder – não precisamos de liderança assim entre os crentes? Não, pois enquanto é correto ser gentil e correto ser generoso, o pecado estragou até mesmo ações como essas. A capacidade de liderança não é em si mesma errada, mas mesmo que o ato seja correto, o pecado atribui motivos errados a ele, e o “eu” torna-se o objeto, não Cristo. Paulo não apenas teve que dizer: “Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum” (Rm 7:18), mas ele também nos disse sobre as suas assim chamadas “boas qualidades”: “Mas o que para mim era ganho reputei-o perda por Cristo” (Fp 3:7). Fora da nova vida em Cristo, não temos motivos puros.
Precisamos entender que não existe algo como reforma para a carne; a morte é o único remédio para ela. Às vezes, quando a carne se torna forte demais, podemos tentar controlá-la pela energia humana. Isso pode funcionar por um tempo, e se tivermos uma forte determinação, podemos conseguir manter a carne sob uma medida de controle. No entanto, inevitavelmente, vamos perceber que ela é muito forte para nós, e então nos encontraremos de volta em Romanos 7:19 – “o mal que não quero, esse faço”.
Negação e defensividade
Há pelo menos duas reações comuns quanto à percepção do que sou em minha carne. Alguns crentes se tornarão abatidos e deprimidos, não querendo acreditar que são realmente tão maus assim. “O que as pessoas pensarão de mim, se descobrirem?” Outros se tornam defensivos, negando que sejam assim e se recusando a encarar o que realmente são por natureza. Infelizmente, existe em cada um de nós que é desonesto o suficiente para fingir render-se a Deus sem realmente fazê-lo. Podemos ser vistos externamente como bons Cristãos, seja em nossa vida pessoal, na vida familiar, no trabalho ou mesmo no serviço Cristão, enquanto por dentro não levamos realmente aquela raiz de pecado à cruz. Muitas vezes, quando somos confrontados, seja pelos outros ou pelo próprio Senhor, com alguma raiz má a qual Ele está nos chamando a julgar, nós fugiremos dela, negaremos e recusaremos enfrentá-la. Nós ainda queremos nos apegar a um pouco de dignidade para nós mesmos, ao invés de admitir na presença de Deus o que a carne realmente é. Precisamos entender que uma hipersensibilidade em relação ao nosso próprio caráter provém de um estado de alma que não está ocupado com Cristo. Buscando tentar esconder nosso verdadeiro estado do Senhor só produz um espírito pesaroso, e não desfrutaremos do calor da presença de Deus. Como o salmista, seremos obrigados a dizer: “Porque de dia e de noite a Tua mão pesava sobre mim; o meu humor se tornou em sequidão de estio” (Sl 32:4).
Lidando com a raiz
Muitas vezes, lidar com a raiz do pecado envolve uma verdadeira luta na presença de Deus, pois a raiz pode ser bem diferente do fruto, embora, é claro, esteja ligada a ele. Uma raiz má pode dar origem a muitos frutos, talvez não aparecendo na superfície, mas todos crescendo da mesma raiz. Vemos exemplos disso na Palavra de Deus. Quando Davi pecou com Bate-Seba, pode parecer óbvio que a luxúria estava no fundo disso. No entanto, quando o profeta Natã confronta Davi, ele nem menciona o ato inicial de adultério, mas chama a atenção para a forma com que Davi desprezara o Senhor (2 Sm 12:7-9). Embora a concupiscência estivesse certamente envolvida, a verdadeira raiz era que Davi não se contentava com a abundante provisão que Deus havia lhe dado e, em seguida, abusava de sua autoridade e poder como rei. As outras coisas se originaram disso. Em outro caso, Geazi, o servo de Eliseu, foi atrás de Naamã e pediu-lhe alguma prata e roupas como recompensa por Naamã ter sido curado de sua lepra. Poderia parecer um simples caso de um homem pobre que queria um pouco da riqueza e abundância de Naamã, mas depois Eliseu expôs o coração de Geazi. Eliseu mencionou não somente dinheiro e vestes, mas também oliveiras, vinhas, ovelhas, bois, servos e servas (2 Rs 5:26). Evidentemente, Geazi se ressentia de ser um servo e, em vez de se contentar em servir a Eliseu, ele realmente queria ser um homem rico, com riquezas e servos próprios. Assim, a raiz pode ser profunda e pode exigir esquadrinhação pelo Senhor.
Rendição completa
A resposta feliz a Deus é estar pronto para se render a Ele e admitir a realidade de nosso “eu” pecaminoso. Deus está pronto para nos ajudar a fazer isso, pois “A alma do homem é a lâmpada do SENHOR, a qual esquadrinha todo o mais íntimo do ventre” (Pv 20:27). Uma vez que somos verdadeiramente salvos e o Espírito de Deus habita em nós, Deus está disposto, pelo Seu Espírito, a trazer à luz aquelas coisas com as quais precisamos lidar. Então, se respondermos a Ele, descobriremos que somos “transformados de glória em glória, na mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor” (2 Co 3:18). Cada nova verdade que o Espírito de Deus busca trazer diante de nós encontrará sua correspondente opositora em alguma parte da minha velha natureza. Mas o Deus que nos chama a atenção já preparou o remédio para isso.
Não é naturalmente uma coisa feliz ter nosso coração exposto diante de Deus, pois encontraremos cavernas interiores cheias de sujeira e teias de engano. No entanto, podemos descansar no conhecimento de duas coisas. Antes de tudo, Ele já conhece nosso coração, pois “todas as coisas estão nuas e patentes aos olhos d’Aquele com Quem temos de tratar” (Hb 4:13). Ele sabe muito melhor do que nós quão má a carne realmente é. Segundo, não importa quão mau seja o velho “eu” pecaminoso, podemos descansar no fato de “que o nosso velho homem foi com Ele crucificado” (Rm 6:6). Deus viu o fim do homem natural e, tendo morrido com Cristo, não precisamos mais servir ao pecado. Um senso da graça de Deus em nossa alma nos capacitará a justificar a Deus, a julgar a carne de forma firme e a viver uma vida de vitória para Ele.
