Origem: Revista O Cristão – Graça

A Graça de Cristo no Dia-a-dia

A breve epístola a Filemom nos fornece uma bela imagem da maneira pela qual a graça de Cristo opera nos relacionamentos e circunstâncias da vida cotidiana. O apóstolo rogou a seu irmão no Senhor por Onésimo, que, sendo propriedade de Filemom, havia fugido (talvez o roubando primeiro), mas que foi levado a Cristo pelo contato com o próprio Paulo, enquanto era prisioneiro em Roma. Pela lei romana, o mestre tinha ampla autoridade para puni-lo severamente por tal conduta. Seu comportamento também era mais agravante, na medida em que servia um excelente mestre, não um homem tirânico do mundo. Paulo rogava por ele que, no coração de Filemom, a graça e o amor divinos possam triunfar sobre qualquer sentimento de aborrecimento e raiva.

Geralmente as epístolas inspiradas de Paulo estão ocupadas com as grandes doutrinas do Cristianismo. Ele era o vaso privilegiado para a revelação dos maravilhosos conselhos de Deus concernentes a Cristo, que haviam sido mantidos em segredo desde o princípio do mundo. Agora ele dá um exemplo do modo como o Cristianismo se ocupa com todos os detalhes práticos da vida cotidiana, para que nestes detalhes a graça de Cristo possa ser expressada por aqueles que creem. Somos assim preservados por meio da operação do Espírito Santo de sermos meros teóricos.

O poder unificador da graça 

O poder unificador da graça divina deve ser observado nesta epístola a Filemom. Após a saudação habitual de graça e paz do apóstolo, seu coração irrompe em agradecimento a Deus. Ele reconhece com gratidão todo o bem que há em seu querido irmão. Ele bendiz a Deus pelo amor e fé de Filemom para com o Senhor Jesus e para com todos os santos. As entranhas dos santos foram reanimadas por causa dele. Podemos sempre observar essa maneira graciosa nas epístolas de Paulo. Nos casos em que havia muito a reprovar, se algo de Cristo pudesse ser visto, ele alegremente reconhecia e dava graças por elas – uma lição importante para a nossa alma aprender na escola de Deus neste dia. Há tanto para entristecer o Espírito e para expor nossos protestos e repreensões que estamos inclinados a negligenciar a medida do fruto do Espírito que está realmente presente. O amor de Filemom por todos os santos estava prestes a ser severamente testado. Onésimo era agora um santo; será que ele o amaria? Não é fácil amar aqueles que nos causaram dano, mas nada menos está de acordo com Cristo. Este amoroso reconhecimento da graça em Filemom é a base desta epístola. Paulo prossegue neste terreno e apela ao coração de seu companheiro de trabalho.

Como suplicar por outro 

Paulo procurou por reciprocidade. Tendo reconhecido Cristo em Filemom, Paulo esperava que Filemom fizesse o mesmo em relação a si próprio e reconhecesse o direito que a graça tinha dado a Paulo. O pobre prisioneiro teria grande gozo e consolo por causa do amor deste excelente colossense.

Tendo aberto o caminho, tendo atingido acordes aos quais ele tinha certeza de que o coração de Filemom responderia, o apóstolo prossegue para defender a causa daquele que havia errado. Ele não usaria de autoridade. “Ainda que tenha em Cristo grande confiança para te mandar o que te convém, todavia, peço-te, antes, por caridade (amor).

Ele não se colocaria na posição de autoridade que o Senhor lhe tinha dado na assembleia, pretendendo que isso agisse sobre Filemom, a fim de que Filemom não permanecesse em sua posição sobre aquele que o servia. Suponha que ele tenha enviado Onésimo de volta com um mandato apostólico. Sem dúvida teria sido obedecido, e o fugitivo perdoado e reintegrado. Mas isso teria satisfeito seu coração? Onde, então, será que teria sido a preciosa manifestação da graça de Cristo que se eleva acima de tudo, mesmo sobre o mais profundo mal, e não apenas perdoa, mas acolhe o transgressor em seu seio para sempre? Nada menos que isso satisfaria o desejo daquele coração que desejava acima de tudo ver Cristo manifestado em todos os Seus membros aqui abaixo.

Ele então apresenta duas outras considerações.

Uma maneira digna de Deus 

Primeiro, Onésimo era seu próprio filho na fé, alguém por quem ele tinha grande afeição. Ele também acrescentou: “que gerei nas minhas prisões”. Em tempos passados, ele não era útil para Filemom, mas agora era útil para ele e para Paulo em todos os sentidos. O apóstolo desejava grandemente mantê-lo com ele, que por parte de seu mestre ele poderia ministrar a si próprio nos laços do evangelho, mas Paulo não iria ignorar os direitos de Filemom. Que ninguém suponha que isso concede qualquer sanção à escravidão. O caso abre o caminho para que Filemom permita que Onésimo sirva com base no relacionamento de um irmão. O Espírito, nesta epístola, não se pronuncia de modo algum sobre o certo ou errado da questão. O dia não chegou para corrigir o mundo. Quando a glória irromper e o Senhor Jesus reinar, a ordem de Deus será realizada por todo o universo, mas até esse dia, as instruções divinas são dadas aos santos de como a graça supera a desordem nas relações terrenas. Paulo queria que Onésimo fosse recebido de uma maneira digna de Deus, não agora como um mero escravo, mas como um irmão no Senhor. Onésimo poderia ser uma ajuda para Filemom agora, em contraste com seu comportamento no passado. Parece que ele também mostrou aptidão no serviço do Senhor. Sendo o filho de Paulo por meio da graça, ele deveria ser recebido como a Paulo mesmo, e se ele devesse ao seu senhor qualquer coisa, Paulo pagaria. Fruto poderoso da graça e do amor divinos! Onde é que Paulo aprendeu isto, se não com Aquele que, na mais profunda graça, empreendeu a causa do Seu povo e pagou as suas grandiosas dívidas? “Eu pagarei” era a linguagem de nosso Salvador, por assim dizer, quando Ele foi para a cruz por nós. O coração frio e egoísta do homem nunca pode produzir tais sentimentos, mas eles são naturais para aqueles que nasceram de Deus.

“De graça recebestes, de graça dai” 

Em segundo lugar, ele lembra a seu irmão Filemom que ele devia tudo a ele: “Ainda mesmo a ti próprio a mim te deves”. Aqui alcançamos, por assim dizer, o topo da escala. Filemom era ele mesmo um monumento da graça salvadora. Paulo havia trazido Cristo para ele. Tendo recebido livremente, Filemom deve agora dar livremente. Tendo sido perdoado dez mil talentos, ele agora deve de bom grado perdoar os cem centavos. Como Paulo disse a Tito, devemos ser gentis e mansos e devemos agir no espírito de graça para com os homens, porque nós mesmos já fomos tolos, vivendo com malícia e inveja, odiando uns aos outros, mas somos agora recipientes da graça, bondade e amor ao nosso Deus Salvador.

Paulo desejou que Filemom lhe desse regozijo, para que ele reanimasse seu coração no Senhor (v. 20). Se isso assim reanimou o servo de Deus, Paulo, para contemplar essa demonstração da graça divina, quanto mais ao Senhor! Ele gosta de ver a Si mesmo reproduzido de maneira prática nos Seus que estão no mundo. Paulo agora deixa o assunto, confiando em seu amado irmão que faria mais do que ele havia dito. Ele procurou a superabundância da graça divina. Ele contou com ele que assim seria.

Que o Espírito de Deus escreva essas coisas em nosso coração! Isso é Cristianismo de fato. É um grande poder, formando o coração e permeando todas as nossas circunstâncias, nos elevando inteiramente acima de todas as considerações humanas e nos dando, de maneira prática, “dias dos céus sobre a Terra” (Dt 11:21).

W. W. Fereday (adaptado)

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