Origem: Revista O Cristão – Desencorajamento e Encorajamento

O Coração de Jeremias em Um Dia de Desencorajamento

Outros profetas antes de Jeremias predisseram aonde os caminhos de desobediência e rebeldia de Israel os conduziriam, mas era o destino de Jeremias estar no barco quando ele se desfez e ficou em pedaços. Ele advertiu e alertou constantemente sobre as pedras que estavam à frente, mas Israel não deu atenção. Até o último momento, ele foi usado por Deus para pressionar suas consciências a respeito de sua triste condição, mas não teve sucesso. Mesmo depois do cativeiro, ele permaneceu para guiar o remanescente rebelde dos que ficaram na terra, apenas para experimentar a mesma obstinação e autodeterminação.

Nos dias de Elias e Eliseu, vemos a bondade de Deus para com um povo infiel, mas se perguntarmos quais foram os resultados das profecias de Jeremias, não vemos nada além de desolação e ruína, e, finalmente, o perdemos na grande confusão. Ao mesmo tempo, vemos seu serviço incessante, fidelidade incansável, enquanto restasse uma parte dos destroços à qual ele pudesse ser fiel.

O gozo do reavivamento de Josias 

A Palavra do Senhor veio a Jeremias no décimo terceiro ano do reinado de Josias. Este foi um período de bênção – de reavivamento. Foi no décimo oitavo ano que a Páscoa foi celebrada, da qual se dizia: “Nunca, pois, se celebrou tal Páscoa em Israel, desde os dias do profeta Samuel”. Jeremias teria sua parte nesse gozo. Eu sempre penso no quanto influencia, no início de um Cristão, ter a sua porção nas novas provisões de Deus logo nos seus primeiros dias e por meio da energia do Seu próprio Espírito. Isso trará vantagens a tais almas, o que não é a porção comum da Igreja de Deus. Tais foram os primeiros dias de Jeremias – os dias de Josias. Ele estava embalado em bênçãos, como também ninguém havia provado em Israel desde os dias de Samuel. Ele lamentou a morte de Josias. Essas alegrias tão novas eram de curta duração. Mas há uma conexão íntima entre o gozo da comunhão e a guerra fiel. Haverá apenas um pouco de uma delas se não houver a outra.

Jeremias tinha provado dos doces rascunhos da bênção, que haviam sido tão ricamente providenciados, e, portanto, ele foi capaz de sentir a amargura daquele copo que Israel tinha que beber. O último capítulo de 2 Crônicas mostra quão proeminente ele era como profeta. Suas palavras foram desprezadas e o resultado foi o afastamento, por um período, do povo de Deus. Um dos serviços de Jeremias durante este período foi impedir a queda de Israel (se assim posso expressar meus pensamentos). Uma leitura cuidadosa mostrará quão ternamente o profeta se aplicou às necessidades do povo que agora existia, e é maravilhoso ver a compaixão de Deus exibida por ele. Jonas lamentou que o julgamento de Deus não recaísse sobre Nínive, mas as solicitudes de Jeremias eram as do terno pai que desejaria evitar a calamidade que se abate sobre um filho desobediente. Enquanto falhava em um ponto, ele ainda carrega o coração de um pai, as lágrimas de um pai, para suavizar as desgraças rebeldes daquela criança.

Quantas vezes nós, em nosso tratamento e comunhão com nossos irmãos, agimos de outra forma. Se vejo intencionalidade e desobediência, eu o alerto, conto quais as consequências, pressiono com diligência aqueles avisos; todos são ignorados, e a calamidade vem, tão ruim ou pior do que eu previa. Quão pronto está o coração para triunfar em sua própria fidelidade, e a pobre vítima de sua própria imprudência é deixada consigo mesma. Em triunfo, eu digo a ele: “Tudo é merecido”. O coração de Jeremias pôde dizer: “E, se isso não ouvirdes, a minha alma chorará em lugares ocultos, por causa da vossa soberba; e amargamente chorarão os meus olhos e se desfarão em lágrimas, porquanto o rebanho do SENHOR foi levado cativo”. Tal coração é necessário agora.

É no livro de Jeremias que temos a história daquela parte de Israel que não foi removida da Terra. O serviço de Jeremias não se encerrou mesmo quando a cidade foi tomada e o muro derrubado. O coração que é como o deste profeta é fiel a Deus e ao Seu povo e sempre terá algo para fazer. O lugar especial que ele ocupava era procurar levar o povo ao arrependimento, advertir mesmo quando ele era ignorado e os julgamentos de Deus caíam sobre eles.

Outro campo do dever 

Assim que os cativos foram levados, surgiu outro campo de dever diante dele. No capítulo 42, vemos esse novo trabalho que Jeremias encontrou. A inundação destruidora havia varrido tudo aquilo que havia antigamente – os reis, os sacerdotes, os príncipes, o templo e os vasos. A glória de Israel havia partido. Quantas vezes vimos que, quando os serviços foram aparentemente renegados, o servo se retira. Quando temos trabalhado por um objeto e, de repente, encontramos tudo arrancado de nossas mãos como um vaso de boa qualidade e nosso trabalho parece ter sido em vão, então o coração desmaia e fica cansado. Nunca houve um fracasso mais completo do que o que estava diante do olho do profeta. Apenas seu coração permaneceu firme em meio a tudo isso, ele estava pronto para um novo serviço. O remanescente reunido a ele; sua confissão parece honesta; seus corações parecem verdadeiros. “Caia, agora, a nossa súplica diante de ti, e roga por nós ao SENHOR, teu Deus, por todo este resto [remanescente – ACF]; porque de muitos restamos uns poucos, como veem os teus olhos; para que o SENHOR, teu Deus, nos ensine o caminho por onde havemos de andar e aquilo que havemos de fazer” (Jr 42:2-3).

Jeremias tinha o coração humano da experiência; ele estava pronto para agir como antigamente. Ele diz: “Seja o que for que o Senhor te responder, eu te declararei”. Após dez dias, a resposta foi dada ao mesmo grupo (vs. 9-22). A inclinação do coração das pessoas foi em direção ao Egito. Há algo no Egito, com toda a sua escravidão, que o coração natural se apega. Os remanescentes, cansados das lutas pelas quais haviam passado, procuravam descansar a carne. “Quem dera que nós morrêssemos por mão do SENHOR na Terra do Egito” de vez em quando emana do coração de Israel. Há algo no Egito que atrai todos os corações, algo que a carne valoriza. Nós dizemos: “Não; antes, iremos à Terra do Egito, onde não veremos guerra, nem ouviremos som de trombeta, nem teremos fome de pão, e ali ficaremos” (Jr 42:14). O Senhor nos mantém longe deste repouso da morte! O coração decepcionado corre o risco de voltar aqui.

Quando o povo veio a Jeremias, suas palavras foram: “para que o SENHOR, teu Deus, nos ensine o caminho por onde havemos de andar e aquilo que havemos de fazer”. Deus tinha provisão para esse momento de necessidade. Nunca houve um tempo em que o Senhor não abençoasse aqueles que confiam n’Ele, nunca houve um lugar, por mais desolado ou abandonado, onde Deus não pudesse suprir Seus aflitos. Suas palavras eram, “Se de boa mente ficardes nesta terra, então, vos edificarei e não vos derribarei; e vos plantarei e não vos arrancarei, porque estou arrependido do mal que vos tenho feito. Não temais o rei da Babilônia”. “E vos farei misericórdia e vos faça voltar à vossa terra”.

A descida para o Egito 

As palavras do profeta são desprezadas e, apesar das ameaças recebidas caso retornassem ao Egito, logo descem para o Egito, mais uma vez, para lutar contra os julgamentos de Deus. Mais uma vez Jeremias se vê desprezado. Ele era incapaz de mantê-los por promessas de bênçãos ou de impedi-los de entrar no Egito por meio de ameaças de julgamento. O poder da incredulidade varreu a terra. Ela havia se estabelecido tão fortemente que, apesar das advertências, Joanã, filho de Careá e todos os capitães das forças, levou Jeremias juntamente com os demais para a terra do Egito. Mas até aqui nós o encontramos com uma palavra de Deus. Uma vez no Egito, o povo logo queimava incenso para outros deuses. Quando entrarmos em uma correnteza, isso nos levará muito além de nossas intenções. Este remanescente esperava chegar ao Egito para que eles não pudessem mais ver a guerra, nem ouvir o som da trombeta, nem sofrer fome, mas eles se contaminaram com toda a idolatria desse povo. Quantas vezes vimos a mesma coisa em princípio. Em todos os períodos da história de Israel, não encontraremos um estado mais endurecido do que aquele em que o remanescente se afundou. Veja o capítulo 44:15-19. Aqui parece que perdemos o profeta, e será que ele não pode dizer: “Debalde tenho trabalhado, inútil e vãmente gastei as minhas forças”?

Resumo 

Há bênção perdida se não seguirmos na trilha da graça de Deus para o Seu povo. Para fazer isso, devemos ficar lado a lado com Jeremias. Outros tinham seus serviços na Babilônia. Deus Se lembrou dos Seus que estavam ali. Mas onde há um coração que confia n’Ele, seguindo com este profeta, aprendemos a graça inesgotável que existe em Deus, enquanto ao mesmo tempo vemos os males do coração humano se tornarem maiores e maiores à medida que essa bondade é apresentada.

Que cenas variadas este homem de Deus passou, desde que com gozo ele participou da Páscoa nos dias de Josias, até que ele viu a completa desolação que ele tão comoventemente descreve em suas Lamentações – oh por corações como o dele! “Se consumiram os meus olhos com lágrimas por causa do quebrantamento da filha do meu povo”.

Como já observamos antes, aqueles que antes serviram a sua geração pela vontade de Deus viram em volta deles os frutos de seus trabalhos. Em nenhum deles, no entanto, vemos a mesma medida de ternura do coração. Deus reservara Jeremias para o seu dia e lhe dera o coração por seu trabalho – um coração penosamente provado, mas que podia chorar pelas aflições de Israel. Este profeta foi a expressão do coração de Deus para com Israel também. “Como te deixaria, ó Efraim?” era a linguagem de Jeová, e Seu profeta estava lá como a prova da graça de Deus.

Ao olhar para trás na história da Igreja de Deus, vemos um constante aumento de um após o outro para intervir e assim atender às necessidades da Igreja. O Espírito de Deus age de acordo com Seu perfeito conhecimento das necessidades presentes. Às vezes, os instrumentos não marcados pela exatidão do conhecimento ou mesmo pela pureza da caminhada (quando julgados pela Palavra quanto às suas associações) têm sido muito usados por Deus. Nos últimos dias da Cristandade, eu não duvido que, por mais generosa que seja a mão de Deus em dar corações como os de Jeremias para satisfazer as necessidades de Seus santos, a apostasia será tão tenebrosa que o trabalho nela, mesmo dos que tem os caráteres mais dedicados, dificilmente deixará um traço de si mesmo. Quanto mais nos aproximamos do fim, haverá, por um lado, a dureza do serviço e, por outro lado, a falta de proveito dele para o olho humano. Mas “não nos cansemos de fazer o bem, porque a seu tempo ceifaremos, se não houvermos desfalecido” (Gl 6:9).

Adaptado de Christian Truth, Vol. 3, pág. 66

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