Origem: Revista O Cristão – A Recordação do Senhor
Uma Carta Sobre Adoração
Prezado irmão:
O tema da adoração também tem ocupado meu próprio coração. Eu o sinto fortemente, mas não sei se posso expressar corretamente o que sinto. Há reuniões que estão entre minhas mais preciosas lembranças, quando quase se podia ver ou tocar Aquele presente, juntamente com aqueles reunidos em Seu nome. Eu me lembro de uma quando o espírito de adoração nos encheu de tal forma que os corações estavam cheios demais para falar, e a emoção além do controle físico.
Mas quantas vezes deixamos o local de reunião com uma sensação de decepção! Nós “desfrutamos da reunião”, como dizemos, e pode ser que tenhamos sido edificados – mas ainda faltava alguma coisa e “algo” era o que não apresentamos. É difícil falar sobre isso, mas não sentir e reconhecer isso. Como em um buquê ou em frutas, uma fragrância ou aroma pode estar faltando, o que o olho não pode ver, mas apesar de toda a beleza exibida aos olhos não pode compensar o que está faltando.
Agora vou dar-lhe os meus pensamentos sobre a adoração e sobre a reunião de recordação, que eu confio são da Sua Palavra. Deixarei que você traga para eles a delicadeza da fragrância – o sabor das quatro especiarias principais (Êxodo 30:34) que eram somente para Deus. Não podemos fazer essa composição para nós mesmos – é santa para o Senhor – mas podemos prepará-la para Ele. Certamente é o sempre bendito Senhor Jesus, mas o incenso sobe quando o sacerdote o coloca sobre o fogo retirado do altar de bronze.
Antes de sermos salvos, é tudo sobre nós mesmos e nada de Deus, mas quando somos adoradores, é tudo de Deus e nada de nós. Quando “nascemos de novo”, sentimos uma necessidade e pedimos o que queremos, isto é, nós oramos. Então, quando Suas misericórdias abundam e nos tornamos conscientes de Seu reconhecimento amoroso e suprimento de nossa necessidade, agradecemos a Deus pelas misericórdias recebidas.
Aprendendo mais sobre o nosso Deus por meio do Espírito, reconhecemos as glórias da criação e da redenção, da preservação também, e louvamos. Há ainda outro lugar elevado onde estamos, conscientemente, que é “no Santos dos Santos pelo sangue de Jesus” (Hb 10:19 – ARA) e diante de nós está Deus. Nós nos curvamos diante d’Ele (a palavra adorar significa primariamente se prostrar, como em Mateus 2:11) pelo que Ele é em Si mesmo. O “eu” é esquecido para que não oremos ou agradeçamos – nós adoramos! Será nossa feliz ocupação no céu, mas aqui em nossa fraqueza aspiramos a isso mais do que a alcançamos. Nossa adoração aqui será misturada com louvor, seu companheiro mais próximo, e muitas vezes também com lembranças do “eu” – o que Ele fez por nós, e assim também agradecemos a Ele, e rebaixamos ainda a adoração com oração. Mas, se nossos pensamentos se moverem juntos, vamos distinguir um exercício do outro.
Nós nos lembraremos do Senhor Jesus, e os símbolos usados são uma lembrança d’Ele. Comendo o pão partido e bebendo do cálice, mostra Sua morte. Assim, a Ceia do Senhor é uma lembrança de nosso Salvador, de nosso Senhor Jesus, em Sua morte. Este é o principal pensamento da reunião, e nada deve interferir ou obscurecê-lo.
Certamente não podemos pensar em Sua morte sem associar com ela o propósito e resultados dela, e estes em relação a Deus e a nós. Podemos fazer melhor do que seguir nosso próprio Senhor no Salmo 22 e no Salmo 102? Ele sofre sob a mão de Deus, mas Ele O glorifica, louva e como Líder na grande congregação, os resultados finais ainda estão por ser manifestados em Seu Senhorio sobre a Terra e nas bênçãos de Seu povo.
Não temos nenhum padrão dado para a reunião, exceto conforme ensinado geralmente em Atos 20 e 1 Coríntios 14, de modo que nossos sentidos espirituais devem ser despertados e alertados para fazer o que for adequado e ordenado para nós fazermos. Se tivermos em mente o propósito da reunião e estivermos conscientes da Presença invisível e estivermos sujeitos ao Seu Espírito, estaremos juntos na hora marcada, esperando no Senhor. A assembleia irá louvar ou adorar, exprimindo juntos em um hino de louvor ou adoração, ou por uma voz em expressão audível.
O evangelho de Sua graça, inexplicavelmente precioso como é, não virá à mente. As provações do caminho, nossa peregrinação, serão esquecidas. Nós não temos necessidades, não temos desejos. O coração está cheio, está cheio demais, à medida que a assembleia louva ou adora. Pode ser em silêncio ou em voz – não importa. Para que a “uma boca, glorifiqueis ao Deus e Pai”. Jesus está diante de nós – Sua Pessoa – Sua morte e nossas mãos estão cheias d’Ele. Certamente o entendimento de um pode ser maior que de outro, mas aqui não é questão de quanto de Jesus eu posso possuir. Eu estou cheio, mesmo com pouco que posso possuir d’Ele. O santo mais velho – o pai que andou com Ele por anos e O conhece intimamente – está cheio. O bebê que acabou de começar seu caminho também está cheio. É Jesus que preenche todas as capacidades, seja ela grande ou pequena. Oh, como meu coração deseja estar nessa reunião agora!
Pode haver uma regra, uma ordem de exercício para uma reunião tal como essa? Talvez um hino, ou uma voz expressando a adoração da assembleia, uma porção de Sua Palavra que nos faz desfrutar mais da consciência de Sua presença – isso pode ou não preceder a solene execução do ato único que é ordenado. Agora nós “damos graças”, todos nós, assim que alguém que se levanta e fala por nós. Eu não sei qual, mas se alguém tem dom, que ele hesite o tempo mais longo possível, para que não interfira com o Espírito Santo e em Sua escolha de quem será o porta-voz.
Se o Espírito Santo for deixado livre para mover a assembleia, Ele escolherá aquele aspecto de Jesus que se convém, pois não podemos vê-Lo agora em todas as Suas glórias de uma vez. Então todos – os hinos, a Escritura, a expressão da adoração da assembleia – estarão em harmonia com o tema que Ele escolheu. Nenhum pré-arranjo é necessário – apenas a verdadeira espera n’Ele. Da mesma forma, a reunião posterior estará em harmonia. A palavra, se alguma for dada para edificação ou exortação, não abalará nenhum coração. É sempre uma reunião em direção a Deus e, portanto, não é lugar para o exercício do dom nem para uma longa exortação ou sermão.
Da mesma forma, não entraremos numa rotina de forma ou procedimento de longa duração, nem há qualquer regra em se dirigir ao Pai ou ao Filho à mesa. Que seja como o Espírito guiar. Existe apenas uma regra, e isso é estar sujeito ao Espírito. Então todas as coisas serão feitas decentemente e com ordem. Ele usará aquele que Ele escolher, Deus será adorado, nosso Senhor Jesus recordado, e o santo deixará o lugar como alguém que teve um antegozo do céu.
Mas quão rara é tal reunião, pois se houver nela alguém que não esteja “sintonizado” com o tema do Espírito, a harmonia é manchada, talvez estragada. Isto é especialmente verdade se aquele tomar parte audível – dá um hino inadequado, ou uma porção inadequada da Escritura, ou orar, já que ele não pode adorar.
Então o que o adorador fará? Ele deve guardar sua alma com paciência, juntar-se quando puder, e quando não puder, permanecer com Deus somente.
No amor de Cristo,
C. H. H. (adaptado de uma carta escrita em novembro de 1891)
