Origem: Livro: O Evangelho Segundo Marcos
Marcos 7
Ao começar este capítulo, vemos a oposição dos líderes religiosos vir à tona novamente. Os discípulos, cheios de labores – como o versículo 31 do capítulo anterior nos disse – não estavam observando certas lavagens tradicionais, e isso despertou os fariseus, que eram os grandes defensores da tradição dos anciãos. O Senhor aceitou o desafio em favor dos discípulos e respondeu por uma exposição de toda a posição farisaica. Eles eram hipócritas e Ele lhes disse isso.
A essência de sua hipocrisia repousava na profissão de adoração, consistindo em cerimônias exteriores, quando interiormente O coração deles estava completamente distanciado. Para Deus nada conta se o coração não estiver correto.
Então, ao realizar suas cerimônias, eles ignoraram o mandamento de Deus em favor de sua própria tradição. O Senhor não apenas afirmou isso, mas provou-o dando um exemplo cotidiano em que eles separavam o quinto mandamento de suas regras concernentes a “Corbã”; isto é, coisas dedicadas ao serviço de Deus. Sob o disfarce de “Corbã”, muitos judeus se despojaram de todos os seus deveres legais em relação a seus pobres e velhos pais. E faziam isso com um ar de santidade, pois não parecia mais piedoso devotar coisas a Deus do que aos pais?
As coisas que vieram sob “Corbã” não eram coisas que Deus exigia; se fosse assim, Sua demanda deveria ter prevalecido. Havia coisas que podiam ser dedicadas, se assim desejado; enquanto a obrigação de apoiar os pais era um comando distinto. A tradição farisaica permitia a um homem usar uma tradição permissiva para escapar da obediência de um mandamento claro. Eles poderiam tentar apoiar sua tradição com evasivas que pareciam piedosas, mas o Senhor os acusou de anular a Palavra de Deus. As palavras escritas de Êxodo 20:12 eram, para Jesus, “a Palavra de Deus”. Não há apoio aqui para essa minuciosa religiosidade que se recusa a atribuir a designação “Palavra de Deus” às Escrituras.
Cremos que devemos estar certos ao dizer que toda a tradição humana nas coisas de Deus, em última análise, define a Palavra de Deus como sendo nada. Os criadores da tradição provavelmente não tinham esse pensamento, mas o espírito mestre do mal, por trás da questão, tinha exatamente essa intenção.
Tendo desmascarado os fariseus como homens cujo coração estava distante de Deus, e que ousaram tornar sem efeito a Palavra de Deus, o Senhor chamou o povo e publicamente proclamou a verdade que cortava pela raiz toda a pretensão religiosa. O homem não é contaminado pelo contato físico com coisas externas, mas é ele mesmo a sede do que contamina. Um duro discurso foi esse, e somente aqueles que têm ouvidos para ouvir o receberão.
Os discípulos tiveram que perguntar-Lhe em particular sobre isso, e nos versículos 18 a 23, temos a explicação. O homem é corrupto em sua natureza. O que vem do seu próprio coração o contamina. De seu coração procedem os maus pensamentos que se desenvolvem em todo tipo de ato maligno. Esta é a mais tremenda acusação da natureza humana já proferida. Não é de se admirar que o coração farisaico estivesse longe de Deus; mas que coisa terrível que homens com coração assim professem se aproximar d’Ele e O adorar.
Estas perscrutadoras palavras do nosso Senhor cortaram pela raiz todo o orgulho humano, e mostraram a inutilidade de todos os movimentos humanos, sejam religiosos ou políticos, que lidam apenas com aparências e deixam o coração do homem intocado.
Seus discípulos ainda mal entendiam essas coisas, e a experiência vai mostrar-nos que os Cristãos professos são muito lentos para aceitar e entender essas coisas hoje; mas não iremos muito longe, a não ser que as entendamos. No entanto, uma coisa é expor o coração do homem: porém algo mais é necessário – o coração de Deus deve ser expresso. Isto o Senhor fez, como mostra o resto do capítulo.
Ele foi para as próprias fronteiras da terra que abrigava tanta hipocrisia, e entrou em contato com uma pobre mulher gentia em desesperada necessidade. Sua fama chegou até ela e ela não seria renegada. No entanto, o Senhor a provou por Sua pequena parábola sobre o pão dos filhos e os cachorrinhos. Sua resposta: “Sim, Senhor; mas também os cachorrinhos comem, debaixo da mesa, as migalhas dos filhos”, estava felizmente livre de hipocrisia. Ela disse de fato: “Sim, Senhor: é verdade que não sou como os filhos do reino, mas um pobre cachorrinho gentio sem qualquer pretensão; mas estou confiante de que há poder suficiente com Deus e bondade suficiente em Seu coração, para alimentar um pobre cachorrinho como eu”.
Ora isso era fé. Mateus, de fato, nos diz que o Senhor a chamou de “grande fé”, e isso O maravilhou. Também trouxe a ela tudo o que seu coração desejava. Sua filha foi libertada. Quão grande é o contraste entre o coração de Deus e o coração do homem! Um cheio de benevolência e graça; outro cheio de todo tipo de mal. Que gozo para nós quando, em vez de abrigarmos a hipocrisia, somos marcados pela honestidade e fé.
No versículo 31, Ele volta novamente às vizinhanças do lago, onde encontra um homem que era surdo e mudo – uma condição que era um símbolo do estado em que a massa dos judeus se encontrava. A pobre mulher gentia teve ouvidos para ouvir e, consequentemente, sua língua encontrou palavras de fé para proferir, mas eles eram surdos e não tinham nada a dizer.
Ao curar esse homem, o Senhor realizou certas ações, que sem dúvida têm significados simbólicos. Ele o levou para longe das multidões, para que pudesse tratar com ele em privacidade. Seus dedos, simbólicos da ação divina, tocam seus ouvidos. O que veio da Sua boca tocou a boca do homem mudo. Assim o trabalho foi feito, e o surdo e mudo ouviu e falou. Se qualquer ouvido é aberto para ouvir a voz do Senhor, é o fruto da ação divina que ocorre em oculto. E se qualquer língua pode proferir o louvor de Deus ou a Palavra de Deus, é porque aquilo que vem de Sua boca foi colocado em contato com a nossa.
Nada é dito quanto à fé do homem. Ele era incapaz de expressar o que sentia, e outros o trouxeram a Jesus. Ele foi encontrado, no entanto, em completa e ilimitada graça. Mais uma vez, foi um caso da bondade do coração de Deus sendo manifestada por Jesus.
Evidentemente, as pessoas em alguma medida estavam conscientes disso e, em sua admiração, confessaram: “Ele tudo tem feito bem” (TB). Vinda de onde ela vinha, essa palavra é ainda mais surpreendente. A parte inicial do capítulo revela o homem em seu verdadeiro caráter, e vemos que o seu coração é uma fonte de onde procede nada além do mal – ele faz todas as coisas más! O Servo perfeito revela a bondade do coração de Deus. Ele faz todas as coisas bem.
Com este veredicto, também temos abundantes motivos para concordar.
