Origem: Livro: Duas Naturezas
Nosso Caminhar Prático
Não devemos apenas reconhecer que estamos mortos e sepultados com Cristo, mas devemos andar no benefício disso. O pecado não precisa mais ter domínio sobre nós; essa escravidão foi quebrada na cruz por meio da morte. A experiência do Cristão deve ser de liberdade. Não liberdade para agradar a carne – pois não estamos mais na carne – mas sim, para agradar a Deus. Em Romanos sete, “estávamos na carne” (v. 5); mas quando chegamos a Romanos oito, aí encontramos: “Não estais na carne, mas no espírito” (v. 9). Isso não é ginástica mental – o crente não é mais a mesma pessoa que era antes da salvação. O incrédulo nunca pode estar em outra coisa senão na carne. Temos uma nova natureza e a habitação do Espírito de Deus. “De maneira que, irmãos, somos devedores, não à carne para viver segundo a carne” (Rm 8:12).
Ao buscar aplicar esses princípios em nossa vida, é importante compreender que nossos desejos naturais, dados por Deus, não são pecados em si mesmos – eles resultam de se estar em carne e não na carne; nós somos seres humanos. Jesus teve fome, sede e cansaço (Mt 4:2; Jo 4:6-7; Mc 4:38). Deus nos deu desejos para o nosso bem e para nossa bênção. Se nunca tivéssemos fome, morreríamos de desnutrição; se não houvesse atração sexual, não haveria procriação. Deus providenciou para que a humanidade satisfizesse esses desejos de uma forma adequada à Sua santidade e sem pecado. “Mas, por causa da prostituição [fornicação JND], cada um tenha a sua própria mulher, e cada uma tenha o seu próprio marido” (1 Co 7:2). Nossos desejos, no entanto, podem e nos levam a pensamentos errados, e com certeza podem ser satisfeitos de maneira contrária à santidade de Deus. Quando nos permitimos entreter pensamentos errados (as tentações internas que sentimos), o desejo se torna concupiscência. A raiz da concupiscência é o pecado (Rm 7:8). É falso dizer que a tentação e a concupiscência não são pecado a menos que ajamos de acordo com elas. Certamente, quando a concupiscência age, o pecado é consumado, mas o pecado estava presente muito antes (Tg 1:15). Devemos manter nossos pensamentos em sujeição à Palavra de Deus. Existem coisas práticas que podemos fazer para ajudar, mas o mais importante, é que devemos reconhecer que o poder de colocar essas coisas em prática não vem de nós mesmos, mas de Deus por meio do Espírito Santo.
Quando o Senhor Jesus foi tentado, nada n’Ele respondeu à tentação externa. Se eu colocar um ímã perto do ferro, imediatamente haverá uma atração entre eles. Se, por outro lado, eu colocar o ímã perto do ouro, nada daquele metal será atraído para o ímã. Da mesma forma, com nosso bendito Senhor, não foi simplesmente que Ele resistiu à tentação (como muitos afirmam), mas que não havia simplesmente nada n’Ele para responder à tentação. Ele era, por assim dizer, ouro puro. Enquanto tivermos a velha natureza em nós, haverá algo que reage à tentação – algo para o anzol de Satanás prender. Por esta razão, precisamos andar como aqueles que verdadeiramente se consideram mortos para o pecado, mas como vivos para Deus por Jesus Cristo nosso Senhor (Rm 6:11). A nova natureza não pode ser tentada.
Se estou com fome, faz sentido ficar diante da vitrine de uma padaria que vende doces requintados? Isso suprimirá o desejo ou o provocará? Se estivermos ocupados com as coisas que despertam nossos desejos, por que deveríamos nos surpreender quando pensamentos errados entram em nossa mente? O salmista não pede apenas que as suas palavras sejam agradáveis, mas também a meditação do seu coração: “Sejam agradáveis as palavras da minha boca e a meditação do meu coração perante a tua face, Senhor, Rocha minha e Libertador meu!” (Sl 19:14). Simplesmente negar a nós mesmos, entretanto, não resolverá o problema – os monges e sua vida ascética provaram isso. No entanto, se estivermos alimentando daquilo que está em comunhão com nossa nova natureza – lendo a Bíblia, orando, ouvindo o ministério, em suma, estando ocupados com Cristo – e abandonando a velha natureza, a mente não se distrairá tão facilmente. Não quero menosprezar os desejos poderosos que vivem dentro de nós. A fome é algo que todos nós entendemos. Uma vez que roubar não é uma opção (eu quero crer), não alimentamos essa ideia. Quando se trata de desejos sexuais, no entanto, recorrer a material ilícito para satisfazer o desejo é cada vez mais visto com indiferença. A verdade é que esse tipo de material nunca vai satisfazer e só serve para tornar as coisas ainda piores. Além disso, esses pensamentos devem ser identificados pelo pecado que são. “Eu, porém, vos digo que qualquer que atentar numa mulher para a cobiçar já em seu coração cometeu adultério com ela” (Mt 5:28). As fantasias da mente são pecaminosas (Pv 24:9). Todo pecado consumado começa como um pensamento. Se o fruto é pecado, a raiz também é.
Temos nos concentrado no negativo; mas e os desejos da nova natureza? Não são eles reais? A natureza que é de Deus não ansiaria nada, a não ser Ele – e sinceramente ansiaria! Ela deseja seguir a Deus e anseia vê-Lo possuindo todo o Seu poder e glória.[26] Davi escreveu, embora como se estivesse sob a Lei: “Ó Deus, Tu és o meu Deus; de madrugada Te buscarei; a minha alma tem sede de Ti; a minha carne Te deseja muito em uma terra seca e cansada, onde não há água, para ver a Tua fortaleza e a Tua glória, como Te vi no santuário” (Sl 63:1-2). Se reconhecermos que este mundo é uma terra seca e sedenta, menos satisfeitos ficaremos com suas ofertas. Além disso, não podemos conhecer a Deus em Seu santuário se nunca tivermos passado um tempo lá. Em vez de afagar e satisfazer aos desejos naturais, devemos atender aos desejos da nova natureza. Cristo é o nosso sustento para esta jornada no deserto: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em Mim, e Eu, nele” (Jo 6:56 JND). Paulo exortou Timóteo dizendo “segue a justiça, a piedade, a fé, a caridade, a paciência, a mansidão. Milita a boa milícia da fé, toma posse da vida eterna, para a qual também foste chamado” (1 Tm 6:11-12). Devemos nos apoderar daquilo que realmente é vida – não desta vida temporal. “Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração” (Mt 6:21).
[26] J. N. Darby, Practical Reflections on the Psalms, Psalm 63 ↑
