Origem: Livro: Breves Meditações
A Sunamita
Nos tempos do Velho Testamento, encontramos o Senhor trazendo novos recursos diante de repetidos fracassos, e a fé sempre pronta a adotá-los, e, às vezes, a calculá-los e a procurá-los. O fracasso de tudo sob a mão do homem, como em sua mordomia, é testemunhado repetidas vezes, mas os recursos de Deus são inesgotáveis, e a fé não se deixa abater nem se distrai.
Quando Israel, no deserto, fez o bezerro de ouro, e assim quebrou o primeiro item da aliança sob a qual tudo então estava estabelecido, Moisés agiu como alguém que esperava encontrar algo em Deus para enfrentar a catástrofe (Êx 33).
Quando a nação, trazida à terra sob o comando de Josué, quebra novamente a aliança, como ela costuma fazer, o Senhor, na energia de Seu Espírito, convoca os juízes para libertá-los, e a fé neles está pronta para a ocasião.
Quando o sacerdócio se arruinou posteriormente, e Icabô (ARA) foi escrito na testa de Israel, Deus tem um profeta (uma nova e estranha provisão) no lugar secreto de Seu conselho e recursos, e Samuel, como tal, em fé conduz a Ebenezer, ou a ajuda de Deus, para este povo caído.
Quando o reino, com o tempo, se arruína, como aconteceu com o povo no deserto e com a nação sob os juízes, e o trono e a casa de Davi estão no pó, e Israel, um cativo, a fé ainda aguarda na certeza de que Deus não falhou, embora todos os outros tivessem falhado. O templo pode estar em desolação, a arca pode ter desaparecido, tudo o que era sagrado ter sido perdido, a própria terra estar em propriedade dos incircuncisos e o povo de Deus escravos dos gentios – ainda assim, um Daniel, um Neemias, uma Ester e outros corações semelhantes podem manter seu nazireado e aguardar dias de novas descobertas do que Deus é e tem para Israel.
Os recursos de Deus não se esgotam diante das falhas do homem, e a fé não se distrai.
Mas nos dias atuais do Novo Testamento, temos algo mais a destacar – e é isto: a plena satisfação que a fé toma daquilo que Deus já lhe proveu, e o zelo e cuidado do Espírito, para que usemos isso e nos apeguemos a isso, na perfeita satisfação de ser igual a todas as novas e crescentes exigências.
A diferença, portanto, é esta: em outros tempos, a fé calculava sobre o que ainda faltava obter; nestes dias, ela é fiel àquilo que já obteve e permanece nisso, pois já obteve Cristo, o fim de todas as provisões divinas.
Temos apenas que ler as epístolas para perceber isso. Cristo, o Cristo de Deus, e a Escritura, a Palavra da Sua graça, tornam-se a nossa provisão permanente. Como o Espírito mantém toda a glória do coração naquilo que já está conosco! E certamente a fé adota a mente do Espírito. Como as epístolas falam de Cristo como sendo tudo para nós, exortando-nos a prosseguir com Ele como começamos com Ele, a sermos edificados n’Ele como fomos arraigados n’Ele, a nos apegar, a continuar nas coisas que já aprendemos, e a continuar rejeitando tudo, exceto Cristo e a Palavra. “Encomendo-vos a Deus e à Palavra da sua graça” é a linguagem apostólica.
Vemos aqui uma diferença. Há afinidade entre o passado e o presente, os dias do Velho e do Novo Testamento, no fato de que a falha da parte do homem e a consequente confusão no cenário ao nosso redor conferiram caráter a ambos. Mas a fé é a mesma, conhecendo e usando os recursos de Deus diante da confusão; apenas, digo novamente, com esta diferença: o recurso, nos dias passados do Velho Testamento, era algo novo; agora, é sempre um e o mesmo; isto é, Deus e a Palavra da Sua graça, Cristo e a Escritura.
Antigamente, a fé agia daquela maneira, agora a fé age desta maneira.
Como vimos, quando, antigamente o bezerro de ouro foi criado, a fé buscou outra revelação do nome de Deus. Quando a nação na terra perdeu seu lugar sob a asa de Jeová, a fé encontrou seu objetivo no juiz ou libertador recém-despertado. Quando o sacerdócio foi contaminado, a fé usou o profeta. Quando o reino estava em ruínas, a fé ainda aguardava, de novas maneiras adequadas às novas condições, na esperança de um alívio soberano seguro e certo – como Mordecai disse em tal época: “socorro e livramento de outra parte sairá para os judeus”. Mas agora, diante do fracasso e da confusão, qualquer que seja a forma, a fé tem Deus e Sua Palavra, Cristo e a Escritura, recursos permanentes e duradouros, conhecidos igualmente em todos os momentos dos tempos do Novo Testamento; nada novo, nada recente, mas aquilo que é dado em graça, a fé usa e permanece calma e sem distrações, por mais aflita e humilhada que esteja. Pois “os fins dos séculos” já nos são chegados (1 Coríntios 10:11). Não buscamos mais exibições, mas usamos o que temos, sejam quais forem as ruínas da Igreja e a confusão da Cristandade. A fé mantém o começo de sua confiança firme até o fim. A fé está preparada para o fracasso nos mordomos de Deus; mas, tendo alcançado a Ele próprio, descansa em paz e se satisfaz.
A sunamita, em 2 Reis 4, ilustra esses belos caminhos da fé, e o faz de forma magnífica. Ela não se deixou abater nem se distrair por um dia de fracasso e confusão; ela está preparada para isso sob a mão do homem; mas, tendo apreendido e alcançado Deus e Seus recursos, ela está satisfeita e permanece ali.
Isso se mostra nitidamente em sua história. No início, ela apreende Eliseu corretamente. Sem apresentações, ela o percebe como “um homem de Deus” e, como tal, o acolhe e o hospeda. Ela pode contar com Deus tendo Seus recursos à disposição, embora o reino estivesse desaprovado. E isso ela faz da maneira devida. Ela conhece o caráter dele, bem como sua pessoa. Se ele for um homem de Deus, ela confiará nele como tendo os gostos e empatias de um tal, e como tal, ela prepara para ele um pequeno quarto junto ao muro, e então a mobília necessária: uma cama, uma mesa, uma cadeira, um candeeiro. Não para exibir as riquezas de sua casa, mas seu pensamento é para conhecê-lo em caráter, e isso é comunhão. Os instintos dela são apurados, assim como sua fé é forte e inteligente.
O cenário era celestial. Quero dizer, tudo em torno daquele aposento revelava estrangeiros celestiais na Terra nos dias de corrupção e apostasia. As coisas estavam então em completa ruína moral. A família de Acabe, a casa de Onri, estava no trono, e nada no reino era digno de Deus. Pequenas coisas serviam, e somente elas serviam, para o povo de Deus naquela época. Nos dias de Salomão seriam diferente. Agora, uma cama, uma mesa, uma cadeira e um candeeiro são suficientes; e então, servos, suas vestes e seus assentares, com tudo o mais, exibiriam a grandeza terrenal e mundana.
Tudo isso é cheio de beleza e significado.
Esta querida mulher apreende o testemunho de Deus neste dia mau. Ela sabe que Deus é verdadeiro, embora todo homem seja mentiroso. Ela sabe que, se os fundamentos forem destruídos, Deus ainda estará em Seu santo templo. Neste dia mau, ela vê os recursos de Deus neste vaso. Ele é um estrangeiro, um homem solitário, uma espécie de Jonas em Nínive, não apresentado, não reconhecido. Mas ela o apreende – e, tendo-o aceitado, apega-se a ele. O marido pode falar de luas novas e sábados; o próprio Eliseu pode falar do servo e do bordão; mas, para ela, o vaso de Deus é tudo. Ele foi o começo de sua confiança, e ela o terá como tal, firme até o fim.
Pois a fé, tanto naqueles dias como nestes, apegava-se aos recursos de Deus. A fé buscava, repetidamente, como eu disse, novos recursos, à medida que novas exigências surgiam; mas enquanto esses recursos estavam nas mãos de Deus para o Seu povo, até que cedessem lugar a novos recursos, por causa de nova corrupção, a fé se apegava a eles. Assim, esta sunamita se apegava ao profeta, quando todo o reino das dez tribos, quer no trono, quer no santuário, estava em ruínas.
