Origem: Livro: A Segunda Epístola de Paulo aos CORÍNTIOS
Um Verdadeiro Ministro Cristão Tem seu Exercício Pessoal a Respeito do Ministério que Possui (cap. 4:1-18)
O verdadeiro ministério Cristão não apenas faz com que o crente se ocupe com Cristo em glória, pelo qual ele é transformado à Sua imagem; também produz exercício espiritual no crente em relação a levar isto aos outros. Paulo continua falando de alguns desses exercícios no capítulo 4.
No capítulo 3, temos Cristo formado dentro do crente; no capítulo 4 temos Cristo brilhando para fora do crente. Estes são o resultado de duas coisas excelentes – “a glória excelente” que nos transforma (cap. 3:10), e “excelência do poder” que trabalha para irradiar Cristo por meio de nós para os outros (cap. 4:7). É o desejo de Deus que Cristo resplandeça por meio do vaso sem obstrução. Portanto, os exercícios morais neste capítulo têm muito a ver com remover conscientemente tudo em nossas vidas que impeça esse fluir. A obra transformadora do Espírito em nós é, como mencionado, uma obra silenciosa da qual não temos consciência, mas as coisas diante de nós neste capítulo são resultado de um exercício consciente no crente. Se o processo de transformação no capítulo 3 é algo passivo, o que está diante de nós no capítulo 4 é algo muito ativo.
Um Vaso Pronto
V. 1 – O primeiro exercício que todo ministro Cristão deve ter é estar pronto e disposto a ser usado pelo Senhor no serviço. Isso exige coragem. Paulo disse: “Pelo que, tendo este ministério, segundo a misericórdia que nos foi feita, não desfalecemos”. Ele encorajou Timóteo exatamente nisso, dizendo, “Tu, pois, meu filho, fortifica-te na graça que há em Cristo Jesus” (2 Tm 2:1; compare Ef 6:10). Não somente Paulo recebeu “este ministério” para cumprir, ele também “recebeu misericórdia” de Deus para realizá-lo, porque havia muita oposição a ele (2 Co 1:10). Isso curvou seu coração com gratidão e inspirou coragem espiritual nele. A ideia de ser escolhido pela graça de Deus para ter o grande privilégio de ministrar tal verdade maravilhosa curvou o coração de Paulo e o fez disposto a ser usado no serviço do Senhor. Ele não iria “desfalecer” (desanimar), mas seria preciso coragem e ser forte e lançar sua energia com convicção para aquele trabalho.
Um ponto prático a considerar aqui é: receber este ministério e misericórdia especial produziram convicção em Paulo e seus cooperadores para levá-lo a outros. E deve produzir a mesma convicção em nós, pois recebemos o mesmo “ministério” e a mesma provisão de “misericórdia”. A grande questão é: somos exercitados a fazer algo com a verdade que temos? É triste, de fato, ter essas coisas preciosas e não as cumprir. Sentar-se (confortavelmente) e não ministrar essas coisas aos outros certamente não é a vontade de Deus (Pv 11:26; 2 Rs 7:9). Podemos pensar que não poderíamos ter muita utilidade no serviço do Senhor, mas o serviço d’Ele não é algo tanto de nossa capacidade quanto é da nossa disponibilidade. Então, estamos dispostos a ser usados pelo Senhor? Temos a convicção de nos tornarmos disponíveis a Ele para o Seu serviço? Podemos ter certeza de que qualquer que seja a oposição ou dificuldade no caminho, Deus nos dará a “misericórdia” necessária para levar a mensagem de Sua graça aos outros.
Um Vaso Limpo
Vs. 2-4 – O segundo exercício de Paulo era se apresentar como vaso limpo. Ele entendeu que se o ministério deveria ter poder para com aqueles que o ouviam, a pessoa que o exercia precisava ter cuidado para que não houvesse nada em sua vida que fosse de caráter questionável. Isso apenas impediria o fluir de Cristo. Por isso, Paulo testificou que ele e seus companheiros tinham rejeitado “as coisas que por vergonha se ocultam, não andando com astúcia nem falsificando a palavra de Deus”. Paulo pode ter mencionado isto porque seus difamadores estavam sugerindo que era um indivíduo um tanto duvidoso, ou ele pode ter pensado que precisavam ouvir isso porque as práticas deles eram questionáveis.
Há muitos obstáculos para a mensagem Cristã alcançar as pessoas. Pode ser incredulidade ou o trabalho do diabo para cegar as pessoas, mas um dos maiores obstáculos é frequentemente encontrado no próprio ministro! Uma vida de “vergonha [desonestidade]” e “astúcia [engano]” naqueles que levam a mensagem da graça pode anular seu poder mais rápido que qualquer outra coisa. A Igreja tem estado em falta nisto – não apenas em nossos dias, mas ao longo da história – e devemos ser humilhados por isso. Gandhi (o ex-primeiro-ministro da Índia) disse que ele teria sido um Cristão se não fossem os Cristãos! Isto é realmente triste. Tais acusações poderiam ser feitas contra outros que professavam servir ao Senhor, mas não poderiam ser feitas contra Paulo e seus cooperadores porque suas vidas estavam acima de quaisquer suspeitas em todas as coisas.
A palavra “renunciado” (na KJV) deveria ser traduzida por “rejeitado” (W. Kelly). Renunciado implica que Paulo esteve envolvido anteriormente nessas práticas malignas, mas as abandonou, mas na realidade ele nunca havia vivido dessa maneira. Mesmo em seus dias de incrédulo, no judaísmo, ele vivia com escrúpulos exigentes e não podia ser acusado de tais coisas (At 23:1). “Rejeitado” implica que ele manteve essas coisas à distância de sua vida e ministério.
Paulo falou da “manifestação da verdade”, que indica ela ser vivida na prática. Em outra parte, ele diz “para que em tudo sejam ornamento da doutrina de Deus, nosso Salvador” (Tt 2:10). O ponto aqui é que o ministério deve ser recomendado pela vida do ministro. Paulo diz: “e assim nos recomendamos à consciência de todo o homem, na presença de Deus” (2 Co 4:2). Sendo cuidadosos em suas interações com os homens do mundo, eles se mantiveram além de qualquer suspeita, para que o ministério não pudesse ser censurado (2 Co 6:3). O resultado foi que havia poder em seus ministérios; registrado nas consciências dos homens e testemunhado o fato de que era a verdade de Deus.
Sendo este o caso, Paulo diz “se ainda o nosso evangelho está encoberto, para os que se perdem está encoberto”. Se as pessoas não acreditaram na mensagem, não foi porque ele a falsificou por inconsistências em sua vida, mas porque Satanás, “o deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos”. O problema era que havia um véu de incredulidade sobre seus corações e Satanás o usou para cegá-los.
Satanás, o inimigo de Deus e do homem, tem duas grandes esferas nas quais trabalha:
- Como “o deus deste século” ele está no controle das atividades religiosas deste mundo (2 Co 4: 4).
- Como “o príncipe deste mundo” ele está no controle das atividades seculares deste mundo (Jo 12:31, 14:30).
Não é que Satanás indiscriminadamente cega quem escolhe. Se fosse esse o caso, ninguém jamais creria e seria salvo. Paulo mostra que há certo tipo de pessoa a quem Satanás cega – aqueles que são “incrédulos”. Quando uma pessoa não crê, ela se abre para o trabalho de Satanás. O triste resultado na pessoa é “que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, que é a imagem de Deus”. Por isso, Paulo e seus cooperadores foram exercitados para andar de tal maneira que, se alguém não acreditasse na mensagem que levavam a culpa não era deles, porque em palavras e atos eles apresentaram a verdade de forma incorruptível.
Da mesma forma, Deus gostaria que Seus ministros hoje em dia removessem tudo em suas vidas que impedissem o fluir de Cristo. Nós também precisamos ser exercitados sobre sermos vasos limpos (compare Isaías 52:11). Quão cuidadosos devemos ser para que nossas vidas não falsifiquem a mensagem que levamos. Cada Cristão precisa “possuir o seu vaso em santificação e honra”, no que se refere à santidade pessoal (1 Ts 4:4). Também precisamos nos manter separados de toda falsa associação que desonre a Cristo, para que sejamos verdadeiramente “vaso para honra, santificado e idôneo para uso do Senhor, e preparado para toda a boa obra” (2 Tm 2:21).
A única Bíblia que lerá o desatento mundo, somos nós,
O evangelho do pecador, o credo do zombador, somos nós
E a última mensagem do Senhor,
E se as letras forem deturpadas
E se a impressão estiver borrada?
Um Vaso Vazio
V. 5 – O terceiro exercício que Paulo e seus cooperadores tinham como ministros de Cristo era estarem vazios de si mesmo. Ele diz, “Porque não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus, o Senhor”. O desejo deles era que não houvesse nada de si próprios na mensagem, porque sabiam que isso apenas obstruiria o resplandecer da glória de Cristo brilhando para outros. Eles procuravam apresentar Cristo em palavras e em ação de tal maneira que toda a atenção fosse dirigida a Ele, e somente a Ele. Eles não estavam buscando louvor, ou ganhos temporais ou qualquer outra coisa para si mesmos. Isto aparentemente era o que aqueles que ensinavam em Corinto estavam fazendo, e essa foi uma das razões pelas quais os santos de lá estavam exaltando seus mestres (1 Co 1:12; 3:4-5).
O grande teste para todo ministério Cristão é se ele exalta a Cristo. Se de alguma forma der glória e crédito ao homem, o ministério perdeu o alvo. Uma tendência no ministério da Palavra é trazer algo de nós mesmos para a mensagem, e isso apenas a estraga. O Senhor disse: “Quem fala de si mesmo busca a sua própria glória” (Jo 7:18). Paulo poderia ter fascinado os santos com histórias sobre suas aventuras em servir ao Senhor, mas isso teria ocupado os santos com o vaso, em vez do Senhor. Portanto, se ele tivesse que falar de si mesmo, optaria por mencionar algo que fosse pessoalmente humilhante, em vez de algo que tivesse o efeito de exaltá-lo (2 Co 11:23-33). Sua maneira modesta é o modelo para o ministério Cristão.
Observe também: Paulo e seus cooperadores não apenas pregaram “Cristo Jesus”, eles pregaram “Cristo Jesus o Senhor”. Isso mostra que o encargo deles não era apenas apresentar a Cristo – por mais maravilhoso que seja em si mesmo – mas trazer os santos sob as reivindicações de Seu Senhorio. O objetivo final no ministério é apresentar a Cristo de tal maneira que os santos sejam constrangidos a entregar o controle de suas vidas a Ele como Senhor de todos. Ministrar de uma forma que resulte em pessoas seguindo após o ministro, é claramente uma obra da carne nas coisas de Deus.
V. 6 – Paulo passa a falar da razão para esses exercícios. Fundamentalmente, é para a manifestação da glória de Cristo. Como Deus “disse que das trevas resplandecesse a luz”, quando criou os céus e a Terra (Gn 1:3), Ele fez com que a luz espiritual brilhasse no coração sombrio dos homens com o propósito de “iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Jesus Cristo”. A KJV traduz este versículo como se o propósito de Deus fosse dar ao crente a luz do conhecimento de Cristo, mas realmente a ideia é que por meio do crente o conhecimento glorioso d’Ele “brilharia” para os outros. Deus “brilhou” em nossos corações e nos iluminou, mas esse não é o fim que Ele tem em vista. Ele nos salvou com o propósito de manifestar a glória de Cristo, não apenas agora neste mundo, mas também no dia vindouro de manifestação (o Milênio). Portanto, a luz celestial que brilha em nossos corações não se destina a ser guardada em nós mesmos, mas deve ser transmitida a outros. Como crentes iluminados, não somos o ponto final dessas coisas gloriosas, mas os canais delas.
Quando a luz do evangelho da glória de Cristo brilhou no coração de Paulo, seu primeiro efeito foi mostrar-lhe o que era em si mesmo – ele aprendeu sua própria nulidade. Depois disso, ele não poderia mais falar de si mesmo, mas apenas de Cristo Jesus, o Senhor, e de si mesmo como Seu servo. Os exercícios nestes versículos nos mostram que precisamos tirar tudo que é duvidoso de nossas vidas (vs. 2-4), e ainda tirar todo nosso ego também (v. 5), de modo que a glória que flui da “face de Jesus” pudesse fluir em poder para os outros (v. 6). Estes são exercícios saudáveis para todos os que ministram a Palavra. É claro que, se não tomarmos tempo para contemplar a face de Jesus (cap. 3:18), não podemos esperar ter algo para irradiar d’Ele para os outros. Isso também é exercício.
Um Vaso Quebrado
V. 7 – Para aumentar a manifestação da excelente glória de Cristo, Deus achou por bem colocar o tesouro de Cristo em “vasos de barro”. Isto se refere aos nossos corpos humanos. Os homens geralmente colocam seus caros tesouros em caixas dispendiosas, mas Deus coloca esse “tesouro” em frágeis vasos de barro. E por que Ele faria isso? Paulo explica, dizendo: “para que a excelência do poder seja de Deus, e não de nós”. Se Deus tivesse colocado este tesouro nos gloriosos anjos que se destacam em força, os homens seriam levados pela glória do vaso e não pelo tesouro. Para evitar a possibilidade de a atenção ser desviada da glória de Cristo, Deus sabiamente coloca o tesouro em vasos de barro. Então, nenhum poder que resulte em testemunho pode ser atribuído ao vaso. O resultado é que muita importância é dada a Cristo e nenhuma àqueles que carregam o tesouro. Se Deus tivesse trabalhado por meio de Paulo em um esplêndido corpo de glória, ele teria sido visto como uma espécie de super-homem, e o poder teria sido atribuído a ele.
Vs. 8-11 – Mesmo com frágeis vasos de barro (a fragilidade da humanidade), é preciso humilhar-se antes que o esplendor do tesouro resplandeça de maneira eficaz. Nestes versículos, Paulo fala do exercício de quebrar o vaso para que a glória de Cristo resplandecesse de maneira mais distinta e com poder. Este quebrar não vem de sentar-se em uma cadeira de balanço e ler os escritos de J. N. Darby, mas de ser colocado em circunstâncias difíceis e de provação. Paulo diz, “Em tudo somos atribulados, mas não angustiados: perplexos, mas não desanimados; Perseguidos, mas não desamparados; abatidos, mas não destruídos”. No seu caso e de seus cooperadores, era perseguição, mas as condições adversas que Deus usa também podem ser doenças, acidentes que ameacem a vida, problemas financeiros, problemas conjugais, problemas familiares, má vontade dos outros, etc. Essas coisas têm uma maneira de quebrar a força natural e a autoconfiança que apenas impedem o tesouro de brilhar por meio do vaso.
Observe como Paulo diz, “…mas não angustiados;… mas não desanimados;… mas não desamparados;… mas não destruídos”. Isso mostra que eles foram mantidos naquelas provações e aflições pelo poder divino. Era algo como a sarça ardente que Moisés viu; ela queimava, mas o fogo não a consumia (Êx 3:1-6). Assim, vemos a fragilidade humana de um lado e a capacitação divina do outro. A própria fraqueza do vaso se torna a oportunidade para Deus demonstrar a suprema grandeza de Seu poder que irradia do vaso.
Paulo diz que aquelas circunstâncias de provações onde eles foram “sobremaneira agravados” (cap. 1:8) os levou a ele e a seus cooperadores ao exercício de trazer “sempre por toda a parte a mortificação do Senhor Jesus no nosso corpo, para que a vida de Jesus se manifeste também em nossos corpos”. Ou seja, eles procuraram imitar o espírito de submissão que o Senhor demonstrou em Sua vida, em Sua disposição para ser reduzido a nada. Nota: não é da morte de Jesus que Paulo está falando aqui, mas do morrer de Jesus. (A aplicação da morte de Cristo ao crente, desenvolvida em Romanos 6 e Colossenses 2, é uma linha de verdade diferente da que temos aqui. Ela tem a ver com uma aplicação experimental da morte de Cristo à carne no crente, pela qual ele se considera “como morto para o pecado” (Rm 6:11). Tampouco esse versículo se refere ao fato da morte do Senhor para fazer expiação pelos nossos pecados, mas ao contrário, é Sua disposição de ser reduzido a nada como um Mártir justo.
No versículo 10 a KJV diz “o Senhor Jesus”, mas deveria dizer “Jesus”. O Espírito de Deus está enfatizando a graça que estava em Sua vida como um homem na Terra, que Seu nome “Jesus” transmite. O ponto de Paulo nesta passagem é que as perseguições a que ele foi submetido foram uma ocasião para ele mostrar as graças da vida de Jesus. Seu exercício pessoal em relação a essas provações de perseguição foi que ele seria verdadeiramente um vaso quebrado nas mãos do Senhor, aceitando, submetendo-se e compartilhando Seus sofrimentos de martírio. Ele desejava que a mesma disposição de ser reduzido a nada, que foi vista em perfeição no Senhor, também fosse vista nele. Este foi um exercício voluntário de Paulo.
Deus usa essas circunstâncias adversas que entram em nossas vidas acima de nosso controle para nos exercitar sobre como imitar o espírito de submissão e abnegação que o Senhor tinha em Sua vida. O princípio é simples: quando há menos de nós no vaso, mais se verá de Cristo resplandecendo por meio do vaso. Com o obstáculo do “eu” fora do caminho, as pessoas verão “Jesus” em nós. O resultado é que a glória vai para Deus, e não para o vaso que foi usado para transmiti-la.
Há um tipo no Velho Testamento desta quebra na vida e serviço de Gideão (Jz 7:16-20). Em seu testemunho para o Senhor, ele e seus homens deviam ter “cântaros vazios, com tochas neles acesas” os quais eles seguraram à noite. Os cântaros nos quais as lâmpadas estavam acesas impediam o brilho da luz e, portanto, precisavam ser quebrados. Mas quando eles o foram, um poderoso testemunho foi dado diante de seus inimigos e uma grande vitória foi alcançada para o Senhor e Seu povo. Mas note, não foi Deus quem quebrou os cântaros de barro que os homens de Gideão seguravam; seus homens os quebraram. Isso mostra que os servos de Deus precisam ser exercitados sobre a quebra do vaso. Quando esse mesmo exercício de abnegação própria é confirmado em nós em experiência prática, a vida de “Jesus” também será “manifesta” em nós.
Enquanto Paulo procurava, por meio de exercício, imitar o espírito de Jesus em negar a si mesmo (v. 10), Deus também o entregava a situações onde era forçado a guardar a sentença de morte em si mesmo (v. 11). Ele diz: “E assim nós, que vivemos, estamos sempre entregues à morte por amor de Jesus”. Isso era uma coisa involuntária, pois ninguém procura entrar voluntariamente nessas situações que ameaçam à vida. Deus permitiu que muitas coisas sobreviessem a Paulo – como o episódio em Éfeso, que ele descreveu no capítulo 1 como “tão grande morte” – e usou essas coisas para manifestar a vida de Jesus no corpo mortal de Paulo.
V. 12 – Assim, embora a “morte” tenha operado em sentido prático em Paulo e seus companheiros de trabalho, o grande resultado foi que a “vida” operou nos santos. Isto é, aquelas coisas celestiais que pertenciam à vida eterna foram para o bem dos santos, na medida em que eles se beneficiaram do ministério.
Portanto, a ideia de ser um vaso quebrado é não ter vontade própria em questões da vida e do serviço para o Senhor. O coração humano é naturalmente oposto à submissão e obediência. Entretanto, as provações e sofrimentos que encontramos no caminho são colocados ali por um Pai amoroso para quebrar nossas vontades, de modo que haja menos “eu” no vaso. Tudo é feito com vistas a que mais de Cristo brilhe a partir da vida do crente. O irmão Whitaker disse apropriadamente: “Deus nos esculpe a um tamanho utilizável”.
As várias tribulações pelas quais passamos são ordenadas por Deus para nos exercitar sobre certas coisas que possam estar em nossas vidas, as quais apenas impedem o fluir de Cristo. J. N. Darby disse, “Tribulação não pode em si mesma conferir graça, mas sob a mão de Deus, pode quebrar a vontade e detectar males ocultos e insuspeitados, de modo que, se julgados, a nova vida é mais plenamente desenvolvida e Deus tem um lugar maior no coração. Ela ensina humilde dependência; há mais desconfiança de si mesmo e da carne, e uma consciência de que o mundo não é nada, e o que é eternamente verdadeiro e divino tem um lugar maior na alma”.
Na inauguração de uma enorme estátua de um leão, perguntaram ao escultor como ele produziu uma obra de arte tão magnífica. Ele disse: “Eu apenas talhei tudo o que não parecia um leão!” Da mesma forma, Deus está desbastando nossos vasos humanos para que mais de Cristo seja visto. Muito do trato de Deus conosco em provações e aflições são, fundamentalmente, para ajudar o resplendor do “tesouro” que Ele colocou dentro de nós.
Existem duas coisas então; devemos ser exercitados sobre sermos reduzidos (v. 10), e Deus também está trabalhando para esse fim (v. 11).
Ao resumir esses exercícios que devem caracterizar um verdadeiro servo do Senhor, Paulo tocou em quatro coisas que impedem o fluir de Cristo de nossos vasos humanos. Eles são:
- Falta de coragem (v. 1).
- Desonestidade e engano (vs. 2-4).
- Importância de si próprio (vs. 5-6).
- Uma vontade não quebrada (vs. 7-11).
Quatro Coisas que Mantêm o Ministro
Capítulo 4:13-18 – Paulo segue falando das quatro coisas que mantiveram ele e seus cooperadores no serviço Cristão. Eles estavam constantemente sendo submetidos aos perigos da perseguição, e isso estava cansando, pois acontecia dia após dia. Há muito para desencorajar e “desgastar” (JND) os servos do Senhor (Dn 7:25), mas Deus tem Sua maneira para sustentá-los no caminho. Paulo fala agora dessas coisas para nosso encorajamento.
1) Fé no Deus de Ressurreição
Vs. 13-15 – A primeira coisa que Paulo menciona é sua fé em Deus. A fé no Deus de ressurreição o fortaleceu a falar pelo Senhor e a sofrer pelo Senhor. Ele diz “o mesmo espírito de fé” que operou no salmista operou nele e em seus cooperadores. Salmo 116:10 diz, “Cri, por isso falei”. Ele se encorajou com isso e disse, “nós cremos também, por isso também falamos”. Há uma ordem moral no que Paulo nos tem dado: ele se referiu a manifestar a vida de Jesus (vs. 10-12); agora ele se refere a falar a verdade aos outros (v. 13). Uma é a plataforma para a outra. Sem a manifestação de Cristo em nossas vidas, falar a verdade terá pouco poder.
Paulo não só tinha fé para falar a verdade (v. 13), mas tinha fé para sofrer pela verdade (v. 14). O que o manteve no caminho do testemunho foi sua fé no poder de Deus que ressuscitou Cristo de entre os mortos. Ele acreditava que, mesmo que ele tivesse de morrer como um mártir, o mesmo poder que ressuscitou o Senhor Jesus também o ressuscitaria. Ele disse, “Sabendo que o que ressuscitou o Senhor Jesus nos ressuscitará também por [com] Jesus, e nos apresentará convosco”. Ser ressuscitado “com Jesus” não significa que a ressurreição de Cristo ainda seria futura, mas que, se ele morreu em serviço, ele seria ressuscitado da mesma forma e caráter da ressurreição de Cristo, porque Sua ressurreição é “as primícias” da ressurreição dos santos (1 Co 15:23). Assim, a fé o fortaleceu a continuar no serviço do Senhor. Ele poderia enfrentar a morte diariamente e ainda ser sustentado em tal adversidade, porque sabia que se morresse, estaria com Jesus.
Paulo acrescenta que “tudo isto” (as aflições) pelo que ele passou foi “por amor de vós”. Toda a sua vida foi empenhada em manifestar Cristo e falar de Cristo para o bem e a bênção dos santos. O grande objetivo disso tudo era que faria “abundar a ação de graças para glória de Deus” nos santos. Seu desejo era que eles se beneficiassem do ministério e produzisse uma resposta neles no transbordar de ação de graças a Deus. Por isso, a graça de Deus se multiplica nos que a recebem e faz com que a ação de graças seja abundante para Deus.
2) Uma Renovação Diária do Homem Interior por Meio da Oração e Meditação na Palavra
V. 16 – Uma segunda coisa que manteve Paulo e seus companheiros de trabalho foi a renovação diária do homem interior. Isso se refere ao rejuvenescimento da alma e do espírito por meio da oração e da meditação. Ele disse, “mas, ainda que o nosso homem exterior se corrompa, o interior, contudo, se renova de dia em dia”. O “homem exterior” são nossos corpos físicos. Nossos corpos estão perecendo porque são mortais – sujeitos à morte. Eles estão lentamente desgastando-se com a idade e o uso, e no caso de Paulo, pelos rigores da perseguição. “O homem interior” é a alma e o espírito. Comida e descanso rejuvenescem nossos corpos físicos, mas nossas almas e espíritos são rejuvenescidos por meio da oração e se alimentando de Cristo na Palavra de Deus (Jo 6:54-57). Esta renovação espiritual manteve o apóstolo avançando no caminho da fé e do serviço.
Note: Paulo disse que era de “dia em dia”. Isso mostra que a oração e a meditação deveriam ser uma coisa diária. Ter “um momento de silêncio” com o Senhor uma vez por semana não é suficiente. Se Paulo e seus cooperadores negligenciassem o tempo pessoal com o Senhor, eles não teriam conseguido seguir no caminho da fé – e nem nós o faríamos! Todo Cristão precisa de um “tempo quieto” diário de oração e leitura das Escrituras, por meio do qual sua alma e espírito são renovados e fortalecidos; é a linha de vida espiritual do Cristão.
3) Entendendo que as Aflições no Caminho Estão Trabalhando para Nosso Proveito Eterno
V. 17 – Uma terceira coisa que manteve Paulo e seus cooperadores foi entender que as aflições e dificuldades que eles experimentaram no caminho estavam operando algo para eles que era de valor eterno. Ele disse, “Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós um peso eterno de glória mui excelente”. Paulo não estava falando sobre recompensas, mas de capacidade espiritual. As recompensas pela fidelidade em nossa vida Cristã são para o reino Milenar quando reinarmos com Cristo (Mt 19:28, 20:23, 24:45-47; Lc 19:16-19), nós não levamos nossas recompensas para o Estado Eterno (Ap 22:5 – “e reinarão para todo o sempre”). No entanto, a Escritura nos diz que nossa capacidade espiritual, que está sendo formada agora na Terra, será levada para a eternidade.
Há duas coisas em particular que Deus usa para aprofundar nossa capacidade espiritual: Em primeiro lugar, existe o que ganhamos ouvindo, lendo e meditando na Palavra de Deus. À medida que lemos e meditamos em Sua Palavra, o Espírito de Deus produz em nossas almas impressões indeléveis de misericórdia, amor, graça, bondade de Deus, etc. Essas coisas “não serão tiradas” de nós; as levaremos para a eternidade. Isso é o que o Senhor disse sobre Maria, que dedicou tempo para sentar-se a Seus pés e a ouvir a Sua Palavra (Lc 10:42). Todos os filhos de Deus então terão completo seu entendimento das coisas divinas (1 Co 13:12), e seu gozo será pleno, mas essas impressões serão diferentes em cada um de nós. Em segundo lugar, há lições espirituais que obtemos por meio das provações no caminho da fé. Paulo diz que essas coisas trabalham “para” nós como um “peso eterno de glória”. Note que não é um peso Milenar de glória. Isso mostra que o que passamos com o Senhor durante o tempo terá uma resposta na eternidade.
Todos nós teremos um copo cheio na eternidade, mas cada copo será diferente em tamanho e forma de acordo com as experiências que tivemos na vida. Nossas capacidades estão sendo formadas agora na medida em que aproveitamos as lições e experiências no caminho. E lembremo-nos também de que o que Deus permite que nos aconteça em forma de sofrimento e provação, tudo é “para nós”. Jó reconheceu isso ao dizer: “Pois ele cumprirá o que está ordenado para mim” (Jó 23:14 – ATB). Às vezes, quando estamos passando por uma provação, podemos pensar que Deus está contra nós, mas isso não é verdade. Essas coisas “contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8:28-29). Ter um entendimento deste grande fato permitiu que Paulo suportasse os sofrimentos deste “um pouco” (1 Pe 5:10) e continuasse no caminho do serviço.
O apóstolo considerou as aflições presentes pela causa do evangelho como sendo “leve” e “momentânea”, embora para ele tenham sido cerca de 30 anos! À luz da eternidade, tais sofrimentos na senda do serviço são apenas “momentâneos”. A lição para nós aqui não é lutar contra as dificuldades e provações que experimentamos, mas sim ser exercitados nelas e tentar tirar proveito delas.
4) Mantendo Nossos Olhos Fixos em Coisas Invisíveis que são Eternas
V. 18 – A última coisa que Paulo menciona que o manteve no caminho foi ter os olhos fixos em coisas eternas “que se não veem”. Para o homem do mundo, isso é um absurdo. Ele perguntaria: “Como pode uma pessoa olhar para coisas invisíveis?” É claro que o Cristão olha para essas coisas com os olhos da fé, pois a fé vê coisas invisíveis (Hb 11:1).
Provérbios 29:18 diz: “Não havendo profecia, o povo se corrompe”. Paulo tinha uma visão diante de sua alma da glória e das coisas eternas, e isso o manteve seguindo no caminho. Ele estava passando por essa cena, mas ele não estava mantendo nela seus olhos; seus olhos estavam fixos no que está à frente. Se ele tivesse se concentrado nessa cena, ele teria perdido sua energia espiritual para continuar. Quando Pedro manteve os olhos no Senhor, ele andou sobre a água turbulenta, mas quando ele se virou e olhou para as ondas, ele começou a afundar (Mt 14:29-30). Se nós, como Paulo, tivermos nossos olhos fixos em Cristo e nas coisas eternas além desta vida, seremos sustentados pelo poder divino e nossa força será renovada para continuar no caminho.
Assim, nesses capítulos, vemos que o olhar de Paulo estava focado em duas coisas: “a glória do Senhor” (cap. 3:18) e as coisas que são “eternas” (cap. 4:18). A primeira produz uma transformação moral do caráter, a segunda, um poder sustentador do caminho da fé e do serviço.
