Origem: Livro: Breves Meditações sobre os Salmos

Introdução

O Livro dos Salmos é uma coleção de Meditações, Orações e Louvores, proferidos por várias pessoas sob várias circunstâncias; todas, certamente, movidas pelo Espírito Santo. Tem este título, “O Livro dos Salmos”, por inspirada autoridade (At 1:20).

Os próprios Salmos são comemorativos ou proféticos, ou expressam a trajetória presente da alma. Eles têm toda a variedade de confissão, súplica e louvor; de doutrina, história e profecia.

O Senhor Jesus é visto e ouvido neles, pessoalmente ou misticamente. Entre eles, há alguns aos quais podemos atribuir um tempo e lugar na história do Senhor, lendo-os, portanto, como as declarações de Seu coração sob determinada ocasião. Assim, por exemplo, é o Salmo 22. Mas há outros aos quais você não pode atribuir tão distintamente tal caráter específico; são meditações ou experiências mais livres e indefinidas.

E isso é exatamente o que se conhece na comunhão dos santos com Deus. Às vezes, ela será motivada pelas circunstâncias; outras vezes será mais livre e espontânea, resultante, não das condições atuais, mas do conhecimento geral de Deus e de Seus caminhos no mundo, ou de Seus tratos com eles próprios.

A vida do Senhor Jesus era de comunhão constante e ininterrupta. Seu espírito ou coração era o altar no qual o fogo estava sempre ardendo (veja Levítico 6). E assim, se nenhuma circunstância peculiar dirigia ou formava Sua comunhão com Deus, ainda assim Sua alma estava no santuário; ainda assim, o fogo estava aceso por sua própria virtude.

A solitude[1] de nosso Senhor na adoração precisa ser muito observada. Como se diz d’Ele, Ele Se levantava antes do amanhecer, ou saía para um lugar solitário, para orar, para que pudesse ser notado como sozinho em oração. Assim se diz: Ele retirava-Se para os desertos e ali orava; Ele continuava a noite toda em oração; Ele estava solitário orando. Nem uma vez sequer Ele é visto em oração, mesmo com Seus discípulos, embora Ele reconhecesse suas orações, ensinando-os e encorajando-os a orar.
[1] N. do T.: Solitude é um estado de isolamento voluntário e positivo; já solidão é uma condição associada à dor e à tristeza.

Por que, então, isso? Se Ele ensinou e os encorajou a orar, e também Ele mesmo orou, por que Ele não Se juntou a eles em oração?

Esta pode ser a resposta. Suas orações tinham um caráter que nenhuma outra poderia ter tido. Ele foi “ouvido por causa da Sua piedade” (Hb 5 – ARA). Ele não precisava de mediador, mas permaneceu aceito em Si mesmo. Ele não invocou o mérito de ninguém; Ele não usou o propiciatório com sangue sobre ele. Esse era o caráter de Sua comunhão em oração; mas nela não havia entrada para nenhum adorador, exceto Ele mesmo. Ele orou em um templo erguido, por assim dizer, por um Adorador como o Filho de Deus, que oferecia oração em um altar que não podia ser visto em lugar algum; não tinha nenhum padrão no topo do monte. Ele era um Adorador de uma ordem singular, assim como Ele era um Sacerdote de uma ordem singular, ou um Servo de uma ordem singular. Ele não devia serviço, mas aprendeu isso; Ele não devia adoração, mas Ele a prestou. Ele era o Servo voluntário (Êx 21:5; Hb 5:8), e o Adorador pessoal aceito. Assim, Ele orava “sozinho”.

Mas não há intenção de afirmar que todos os Salmos são declarações do Senhor Jesus. Não há necessidade de um pensamento como esse. Por exemplo, o Salmo 1 não é Sua linguagem, mas a descrição divina, a descrição de Deus, do homem abençoado ou próspero. Jesus é, não duvido, no sentido completo e perfeito, o Feliz descrito ali; mas o Salmo não é Sua expressão. E estou à vontade para admitir que não O vejo pessoalmente nos Salmos tanto quanto via antes.

Os Salmos são comumente mencionados como Salmos de Davi: e corretamente; porque, embora Moisés, Esdras e outros possam ter sido os escritores de alguns deles, Davi foi principalmente usado neles. E, além disso, Davi era mais rico e variado em suas experiências (por meio do Espírito Santo, o verdadeiro “mestre da lira hebraica”) do que qualquer outro dos santos do passado. Ele conhecia todas as dores da justiça e do pecado, ou a prova de um mártir e de um arrependido. Ele também conhecia as variedades de humilhação e honra. Sua vida cheia de mudanças deu ao Espírito a maior oportunidade de exercitar sua alma. E de tudo isso surgiria um livro como o dos Salmos. E, além disso, o Senhor parece reconhecer Davi como o escritor deles em Mateus 22:43.

E em conexão com isso, eu destacaria 2 Samuel 22 e 1 Crônicas 16 como exemplos da maneira pela qual muitos Salmos foram originados. Esses capítulos contêm vários Salmos. E a partir disso, aprendemos que as condições, circunstâncias ou atos de Davi, ou de outros do povo de Deus, tornaram-se a ocasião para que o Espírito Santo soprasse por meio deles declarações e revelações adequadas ao tempo ou à circunstância, mas que alcançaram seu pleno significado além deles. Davi é libertado de Saul, a arca de Deus é trazida para a tenda preparada para ela, e o Espírito usa esses eventos como Sua oportunidade; no alcance e na bússola da inspiração (sabendo como Ele sabe o fim desde o início), Ele toma cenas maiores e ainda distantes. Então, novamente, o cântico de Ana pode ser chamado de Salmo com esse caráter. O evento em que ela se torna mãe é uma ocasião para o Espírito Santo usá-la como Seu vaso ou instrumento, e Ele a inspira com uma declaração que, enquanto expressa ou celebra sua presente alegria pessoal, antecipa os interesses e alegrias do reino de Deus em outras épocas (1 Sm 2).

Essa, se assim posso me expressar, é a origem de muitos Salmos. Essa é a história do seu nascimento, o lugar e a hora dele. E Davi é especialmente usado pelo Espírito dessa maneira. E enquanto ele estava encerrando sua vida memorável, notável pela mão de Deus, bem como pelo Espírito de Deus tão maravilhosamente, ele diz de si mesmo e de seus cânticos: “Diz Davi, filho de Jessé, e diz o homem que foi levantado em altura, o ungido do Deus de Jacó, e o suave em salmos [doce salmista – JND] de Israel. O Espírito do SENHOR falou por mim, e a Sua Palavra esteve em minha boca” (2 Sm 23:1-2). Assim, ele foi usado – ele era o cantor, mas o Espírito Santo era o Compositor da música. Os cânticos de Davi eram “os cânticos do Senhor” e, por eles, Davi profetizou de acordo com a mente do Espírito. Sua língua era “a minha língua é a pena de um destro [habilidoso – ARA] Escritor”. O Senhor, como o apóstolo fala, estava “dizendo por [em – JND] Davi” (Hb 4:7).

E eu diria ainda sobre esses “cânticos do Senhor”, o que ocupou minha mente com interesse até agora, que há um grande valor moral em aprender verdades proféticas em ou por meio dos Salmos; porque eles não são tratados como meras doutrinas, mas são tratados e sentidos pelas várias paixões da alma. Assim, Paulo nos ensina que “o endurecimento [a cegueira – JND] veio em parte sobre Israel”, ou que “os ramos foram quebrados”. Esta é uma afirmação ou doutrina a ser entendida e crida. Mas a mesma verdade é transmitida nos Salmos (veja Salmo 65) nas palavras: “Prevalecem as iniquidades contra mim”; no entanto, não como uma mera doutrina, como nos é dada no estilo mais didático das epístolas, mas como aquilo que estava, por assim dizer, partindo o coração de um pobre Judeu quando ele pensava nisso. Então, “todo o Israel será salvo”, é outro ensinamento ou doutrina de Paulo. Mas ela é transmitida no mesmo Salmo neste estilo – “mas Tu perdoas as nossas transgressões” – não, portanto, simplesmente como uma afirmação, mas como a expectativa exultante do mesmo pobre israelita de coração partido.

E assim é, que há um valor moral em aprender verdades por meio dos Salmos. Pois há uma tendência em nós de apreender mentalmente a verdade como um objeto ou uma proposição, e então simplesmente falar sobre ela. Mas nos Salmos, a verdade é entregue em companhia das paixões da alma. Os Salmos são, se assim posso dizer, o coração do Volume divino. Eles estão no meio do corpo; e lá as pulsações são sentidas; lá o sangue emana e retorna; lá as afeições do homem renovado encontram seu lugar e se exercitam. E é seguro estar lá às vezes, sim, e usar outras passagens de acordo com a maneira que foi ali ensinada e praticada.

Não preciso dizer que alguns dos Salmos são diálogos; alguns deles introduzem até mais de dois oradores; e alguns deles são, por assim dizer, monólogos.

Novamente: alguns deles seguirão em ordem, como os capítulos de um livro; enquanto outros devem ser lidos isoladamente e sem conexão.

Mas, para um discernimento correto dessas e de outras coisas semelhantes, os sentidos espirituais precisavam ser exercitados (Hb 5). A mente de Deus só pode ser conhecida de forma proveitosa e santa pelo Espírito de Deus. Mas ainda assim, neste mundo, até o fim, qualquer um de nós terá somente um conhecimento “em parte” (1 Co 13:9).

Não há nada mais proposto nos esboços a seguir, do que dar uma pequena ajuda à apreensão da mente do Espírito nessas declarações abençoadas, seja em seu sentido profético ou moral, ou em ambos. Pois a alma sabe muito bem que isso não passa de um ou dois goles dessas águas frescas e vivas que ela já alcançou. Mas uma coisa todos nós podemos com desejo buscar, para que elas possam, pelo menos, passar por nossos lábios sem serem obscurecidas ou perturbadas, para o refrigério de outros do rebanho de Deus. Que seja assim, bendito Salvador!

NOTA: A palavra “Remanescente” costuma ocorrer nessas meditações. Gostaria apenas de observar, embora geralmente não seja necessário, que essa palavra é usada tanto por profetas como por apóstolos, e as pessoas que ela expressa muitas vezes se referem a lugares onde a palavra não é usada. Geralmente esta palavra refere-se ao verdadeiro Israel dos últimos dias, aquele grupo fiel de israelitas que, naqueles dias da completa apostasia da nação, se apegará ao Senhor, e à verdade e às promessas de Seu concerto, e que, portanto, no tempo dos julgamentos divinos sobre sua nação, por causa da completa transgressão, será preservado, como foi Noé, para os, e finalmente se tornará a semente ou o centro da nação aceita, abençoada e adoradora nos dias do reino.

Veja esta palavra “Remanescente” (ou restante, resto, resíduo) usada (entre outras passagens) em Is 1:9, 10:21-22, 11:11; Ez 14:22; Jl 2:32; Am 5:15; Mq 2:12, 4:7; Sf 3:12-13; Zc 8:12; Rm 9:27, 11:5.

Esse Remanescente teve seu tipo, ou sua representação, em todas as épocas da história da nação. Eles são amplamente falados pelos profetas, e descritos em suas provações, seu arrependimento, sua fé e obediência, sua disciplina pelo Espírito e sob a mão de Deus, seus clamores, suas experiências e sua libertação; e com tudo isso os Salmos têm, creio, muito a fazer. Veja, entre outras passagens, Is 6:13, 25-27, 33:15, 50:10, 59:9-15, 65:8-9, 66:2, 5; Jr 31; Ez 6:8, 7:16; Os 2:14; Jl 2:28; Zc 12, 13; Ml 3:16.

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