Origem: Revista O Cristão – Dependência e Obediência

A Amabilidade de Cristo

Toda Escritura é proveitosa, mas as que apresentam “o que d’Ele Se achava em todas as Escrituras” devem ter um encanto especial para o Cristão. É isto que faz o Salmo 16 ser tão atrativo, pois ele apresenta a perfeição moral de Cristo, o Homem perfeito, como Ele trilhou a senda de vida por este mundo de pecado e morte. Quão bom, então, olhar para fora do “eu”, e contemplar este Homem perfeito em toda a Sua excelência. Neste Salmo podemos certamente dizer que Davi, guiado pelo Espírito, desvenda diante de nós a amabilidade de Cristo.

Sabemos que Cristo é uma Pessoa divina e que foi a manifestação perfeita de Deus ao homem. Mas também sabemos que Ele foi um verdadeiro Homem e, como Tal, foi a expressão perfeita do homem diante de Deus. É neste último aspecto que Cristo é apresentado no Salmo 16. Aqui, então, temos apresentada, em toda sua bem-aventurança, a vida interior do Homem perfeito que trilhou essa senda de vida em perfeição e que alcançou o fim deste caminho – a destra de Deus.

Dependência e confiança 

“Guarda-me, ó Deus, porque em Ti confio” (v. 1). Essa vida perfeita é uma vida de dependência e confiança – dependência do poder de Deus e confiança no amor de Deus. O Senhor Jesus não dependia de Si mesmo; Ele era inteiramente dependente da mão do poder de Deus, porque tinha total confiança no coração de Deus. Com confiança ilimitada no amor sem limites, Ele espera em Deus para preservá-Lo.

Ele não era ignorante nem indiferente a Seus inimigos. Ele conhecia o seu número, força e traição, mas sabia que Deus estava acima de todos os Seus inimigos. Ninguém estava acima de Deus, e em perfeita confiança, Ele olha apenas para Deus.

Ele às vezes foi muito abatido em Suas circunstâncias e, portanto, foi testado de uma maneira que nunca saberemos. Às vezes, Ele não tinha onde reclinar a cabeça e, às vezes, não tinha nem um copo de água fria. Mas tais testes apenas trouxeram à perfeição a Sua humanidade, pois ainda assim ele pôde dizer: “Guarda-me, ó Deus, porque em Ti confio”. Deus respondeu a Sua oração e usou uma mulher caída para saciar Sua sede e alguma pessoa desconhecida para fornecer um travesseiro para Sua cabeça.

Seguindo os passos do Senhor, Paulo pôde dizer em sua prisão: “O Senhor me livrará de toda má obra e guardar-me-á para o seu Reino celestial” (2 Tm 4:18). Será que temos tanta confiança no amor do Pai e de Cristo que, na presença de inimigos, perigos e deserções, podemos dizer: “Guarda-me, ó Deus, porque em Ti confio”?

Sujeição de todo o coração 

“A minha alma disse ao SENHOR: Tu és o meu Senhor,” (v. 2). A vida perfeita é uma vida de sujeição de todo o coração à vontade de Deus. Fazendo apenas a vontade do Pai, tudo o que Ele fez foi perfeitamente bom. Havia também bondade divina para com o homem, perfeitamente expressa no Filho de Deus. Mas a bondade de que este salmo fala é a bondade de Cristo como Homem para com os homens e, apesar de perfeita em seu lugar, não se eleva à altura da bondade divina. Assim, o Senhor pode dizer sobre essa bondade: “a Minha bondade não chega à Tua presença”.

Somente quando estivermos sujeitos à vontade do Pai, faremos o bem ao longo de nosso caminho. Quando foi convertido, a primeira pergunta feita por Paulo foi: “Senhor, que farei?” (At 22:10). Até então ele havia feito sua própria vontade; agora ele se submete à vontade do Senhor. O fariseu orgulhoso e dominador se torna o homem humilde em sujeição ao Senhor.

Uma vida humilde 

Aos santos que estão na Terra, e aos excelentes Tu tens dito, neles está todo o Meu prazer (v. 3 – JND). Esta vida perfeita é uma vida humilde que encontra seu prazer com o povo pobre de Deus. A perfeição de Jesus em toda a Sua graça humilde é vista no lugar que Ele leva em associação com os pobres da Terra. Porventura não escolheu Deus aos pobres deste mundo para serem ricos na fé, e herdeiros do reino que prometeu aos que o amam? (Tg 2:5) Por mais fracos e pobres, eles são os excelentes da Terra, e neles Deus encontra o Seu prazer. Somos humildes o bastante a nossos olhos, e temos aprendido nosso próprio nada para que possamos nos associar com o povo pobre de Deus e encontrar nosso prazer onde Ele encontra o Seu?

Recusa 

“As dores se multiplicarão àqueles que fazem oferendas a outro deus; eu não oferecerei as suas libações de sangue, nem tomarei os seus nomes nos meus lábios” (v. 4). O Senhor recusou todos os objetos que pudessem se interpor entre a alma e Deus. O diabo se esforçou de todas as maneiras para desviar o Senhor do caminho separado e Lhe ofereceu “todos os reinos do mundo”, se Ele tão somente adorasse o diabo. A resposta do Senhor foi: “Está escrito: Adorarás o SENHOR, teu Deus, e só a Ele servirás” (Lc 4:5-8). Um pouquinho deste mundo é muitas vezes suficiente para prender nossa alma, e assim nos desviarmos para buscar alguma satisfação passageira nas coisas deste mundo, apenas para descobrir que multiplicamos tristezas para nós mesmos. O Senhor recusou os ídolos deste mundo. Ele não quis colocar os nomes deles em Seus lábios.

Doce apreciação 

“O SENHOR é a porção da minha herança e o meu cálice; Tu sustentas a minha sorte. As linhas caem-me em lugares deliciosos; sim, coube-me uma formosa herança” (vs. 5-6). Não somente o Senhor estava completamente separado do mundo, mas Deus foi a Sua parte em outro mundo. Além disso, ao seguir Seu caminho para a herança eterna, o Senhor encheu Seu cálice em Seu caminho diário. O cálice é o gozo presente da porção celestial futura. Com o Senhor como Sua porção celestial, bem como a fonte de Seu gozo presente, Ele pode dizer: “As linhas caem-Me em lugares deliciosos; sim, coube-Me uma formosa herança”. Quanto às circunstâncias, Ele era de fato o Homem de dores e familiarizado com a aflição (JND). Não são, no entanto, as circunstâncias de que fala o salmo, mas a vida interior vivida nessas circunstâncias. A vida foi vivida no doce desfrute do amor e apoio do Pai, e essas experiências transformaram os caminhos mais difíceis em “lugares deliciosos”.

No desinteresse do nosso caminho, pouco percebemos qual deve ser o gozo de uma vida que é vivida no relacionamento com o Pai e o desfrute constante de tudo o que o Pai é. Conheceremos a plenitude do gozo dessa vida em um dia vindouro, mas o Senhor Jesus a conheceu sem nenhuma sombra enquanto trilhava o caminho da vida por este mundo.

Conselheiro e Guia 

“Louvarei ao SENHOR que me aconselhou; até os meus rins me ensinam de noite” (v. 7). Esta vida perfeita é uma vida em que o Senhor é o Conselheiro e o Guia. Não é apenas que recorremos ao Senhor em alguma grande emergência, mas que habitualmente esperamos no Senhor nos detalhes da vida. Reconhecendo-O, descobriremos que Ele nos guia. Então poderemos dizer: “Louvarei ao SENHOR que me aconselhou”.

“Tenho posto o SENHOR continuamente diante de mim; por isso que Ele está à minha mão direita, nunca vacilarei” (v. 8). A vida perfeita tem apenas um Objeto – o próprio Senhor. Cristo andou na Terra com um olho simples. Ele colocou Jeová diante d’Ele como Seu único Objeto. Numa vida assim, não há nada do “eu” e nem espaço para a vontade própria.

Esse é o caminho aberto para o crente. Se, dia após dia, colocamos o Senhor diante de nós como nosso único Objeto, para fazer Sua vontade, não descobriremos que Ele estará à nossa destra para nos apoiar? E sendo apoiados, não seremos movidos por circunstâncias difíceis que possamos ser chamados a enfrentar.

Alegria e gozo 

“Portanto está alegre o meu coração e se regozija a minha glória; também a minha carne repousará segura. Pois não deixarás a minha alma no inferno [Sheol – JND], nem permitirás que o Teu Santo veja corrupção” (vs. 9-10). Esta vida perfeita tem seu gozo e alegria, embora não seja como o gozo deste mundo que depende de circunstâncias exteriores. A alegria está no coração, como Davi pode dizer: “Puseste alegria no meu coração, mais do que no tempo em que se lhes multiplicaram o trigo e o vinho” (Sl 4:7). A alegria do mundo está em circunstâncias prósperas, o trigo e o vinho. O Senhor pôde dizer a Seus discípulos: Tenho-vos dito isto, para que o Meu gozo permaneça em vós (Jo 15:11).

O gozo do Senhor permanece até em vista da morte, pois Sua confiança ainda está em Deus. “Pois não deixarás a minha alma no inferno [Sheol – JND], nem permitirás que o Teu Santo veja corrupção”. Cristo é realmente o “Santo”, mas os crentes são “santos e amados” e, como tais, podem conhecer a bem-aventurança da vida de Cristo como Homem. Eles também podem olhar com confiança, sabendo que Deus não deixará a alma na morte nem o corpo na corrupção.

A luz da glória 

Far-me-ás ver a vereda da vida; na Tua presença há fartura de alegrias; à Tua mão direita há delícias perpetuamente (v. 11). Esta vida é uma vida vivida à luz da glória à qual ela leva. “A vereda da vida” leva à presença do Senhor, onde há plenitude de alegria e delícias para sempre. Em toda a oposição que o Senhor Jesus teve que enfrentar – a contradição dos pecadores, os insultos e as reprovações do mundo religioso, a ignorância e o abandono dos Seus – ele suportou à luz da glória diante d’Ele. A palavra para nós é: Considerai, pois, Aquele que suportou tais contradições dos pecadores contra Si mesmo, para que não enfraqueçais, desfalecendo em vossos ânimos.

Frequentemente desanimamos porque perdemos de vista a glória no fim do caminho – o gozo que nos está proposto. Em vez de silenciosamente suportar os insultos e a vergonha, muitas vezes retribuímos o mal com mal e as injúrias com injúrias. Podemos tentar justificar nossas palavras fortes e nossos atos precipitados, mas o único teste é: Jesus agiu como nós?

Nosso Grande Sumo Sacerdote 

Lembremos que a graça que permitiu ao Senhor trilhar a vereda da vida está disponível para nós; Ele ainda nos serve como nosso Grande Sumo Sacerdote tendo empatia e nos sustentando à medida que procuramos segui-Lo em Suas pisadas. O que quer que tenhamos que enfrentar, lembremo-nos da palavra: “Fortifica-te na graça que há em Cristo Jesus” (2 Tm 2:1).

Tal é a formosura de Cristo quando Ele trilhou a vereda da vida, viveu em toda a sua beleza diante de Deus e a traçou para que o Seu povo O siga – uma vida de dependência na mão poderosa do Pai, de confiança no coração do amor do Pai, e de sujeição à vontade do Pai. É uma vida de humildade que encontra seu deleite com o povo pobre de Deus – o excelente da Terra; uma vida de separação do mal, encontrando no Senhor sua porção futura e seu presente cálice de bênção; uma vida que tem o Senhor como seu único Objeto e tem o Senhor sempre presente para apoiá-lo; uma vida de secreto gozo e alegria que termina finalmente na presença do Senhor, onde há plenitude de alegria e delicias para sempre.

H. Smith (adaptado)

Compartilhar
Rolar para cima