Origem: Revista O Cristão – Ana, Mical, Abigail, Bate-Seba
Ana
“Abundância de mantimento há na lavoura do pobre” (Pv 13:23). Noemi, cuja história precede a de Ana, já demonstrou isso. Em seus dias ela tinha apenas uma parte muito pequena da Palavra escrita de Deus, mas essa pequena parte despertou em sua alma a fé na bondade e graça de Deus. Ele providenciou a necessidade de Ana e a de Rute, e também levantou Boaz para cumprir Seus propósitos de misericórdia para com elas. A fé delas agiu sobre isso, e essas pobres viúvas obtiveram uma rica colheita. Que testemunho contra aqueles que agora possuem toda a Palavra de Deus, mas por causa da incredulidade não colhem nada!
O livro de Rute nos mostra em figura uma alma trazida a um novo relacionamento com Deus pela fé por meio da redenção. A história de Ana segue e nos mostra como esses novos relacionamentos se tornam mais profundamente valorizados e apreciados. Ambas eram mulheres de fé e eram ternamente amadas. No entanto, Ana estava nas profundezas da tristeza, enquanto Rute estava feliz. Por que isso aconteceu, e que instrução há nisso para nós?
Propósitos na encarnação
Em Hebreus 2:14-18 aprendemos um propósito duplo na encarnação do Filho de Deus. Ele veio em carne para fazer propiciação pelos pecados do povo e obter para eles a redenção eterna. Mas também, “nos dias de Sua carne” (Hb 5:7), Ele sofreu sendo tentado (à parte do pecado) e assim entrou em todas as aflições de Seu povo, para que pudesse socorrê-los em todas as suas tentações. Esses dois propósitos devem ser mantidos claramente diante da alma: (1) que a redenção é perfeita e segura e (2) que a ajuda adequada em todas as angústias é, ao mesmo tempo, assegurada. Ambos são provas para o homem, seja ele um pecador ansioso ou um santo provado, da provisão abundante feita por Deus em Cristo Jesus. A história de Rute ilustra o primeiro propósito, enquanto a de Ana mostra a necessidade da segunda. Portanto, não basta terminar com a história de Rute; precisamos seguir em frente para a de Ana. Por toda a Escritura temos essas distinções importantes quanto à experiência mantida. Os cânticos de gozo, os adufes e as danças quando o povo de Israel foi totalmente libertado do Egito se encaixam perfeitamente no final do livro de Rute. Os três dias sem água e a amargura em Mara (Êx 15:22-27) estão mais de acordo com os livros de Samuel.
Rute e Ana
Assim, encontramos essas coisas repetidas com grande variedade de detalhes, mas com perfeita unidade de propósito. Rute e Noemi se regozijam perante o Senhor, mas Ana, antes que ela possa cantar, deve derramar sua alma em segredo perante o Rei e chorar amargamente. Qual é então o propósito de Deus nisso? Vamos encontrá-lo expresso em breves termos, mas mais explícitos, no Salmo 81:7. No versículo 6 temos a grande libertação efetuada pela redenção. Falando de Israel, o Senhor diz: “Tirei de seus ombros a carga; as suas mãos ficaram livres dos cestos”. Eles estavam livres, não mais trabalhando sob o chicote de Faraó e seu povo, e o dia de sua libertação foi o dia de seu noivado com Jeová (Jr 2:2). Mas no versículo 7 é outra coisa: “Clamaste na angústia, e te livrei; respondi-te do lugar oculto dos trovões”. Aqui está o problema que estamos considerando, mas por que “o lugar secreto do trovão” (TB)? A forma da expressão é marcante e evidentemente destinada a despertar a atenção. Não é meramente a linguagem elevada da poesia. Ana, descobriremos, obteve sua resposta no e vindo do “lugar secreto do trovão”. Ela teve que abandonar todas as esperanças das leis naturais, e isso dá sentido e força a essa marcante expressão. Jó descreve bem o poder de Deus conforme manifestado na natureza. Ele expõe isso em estilo magnífico em sua resposta a Bildade em Jó 26. O último é o versículo que coroa tudo: “Eis que estes são os limites de Seus caminhos; mas que sussurro de palavra ouvimos d’Ele! E o trovão de Seu poder, quem pode entender?” (Jó 26:14 – JND).
As respostas às orações de fé
Nestas duas passagens da Escritura, temos Suas obras na natureza e a revelação d’Ele que essas obras produzem diferenciadas de Sua resposta ao clamor de Seu povo em apuros e o consequente conhecimento que eles tinham d’Ele. Como o soar de um sussurro, assim é o testemunho de Deus nas obras da natureza, por mais maravilhosas que sejam. Como a voz do trovão, assim é Sua resposta à oração que crê. É impossível para o que pede não ouvir e não se regozijar: “Deus… existe, e que é galardoador dos que O buscam” (Hb 11:6). À medida que o naturalista prossegue em suas pesquisas, ele deve discernir as fronteiras dos caminhos de Deus, captar algum sussurro d’Ele, mas não é assim que o Senhor responde ao chamado de Seu povo em apuros. Eles comandam o trovão de Seu poder e aprendem a entendê-lo e a louvar Aquele de Quem é a voz.
Ana tinha um problema que nenhuma ciência poderia resolver; no entanto, o futuro da nação, e podemos dizer do mundo inteiro, dependia de sua solução. A mais rica provisão de misericórdia para o homem no homem havia falhado. O sacerdócio, totalmente corrupto, ensinou o povo a transgredir, e um abrangente julgamento era iminente. Deve-se confiar em Deus para que aja fora do curso da natureza, como no caso de Abraão: “Deus, o Qual vivifica os mortos” (Rm 4:17). A negação dos milagres é uma tentativa de silenciar a voz do Todo-Poderoso, uma tentativa tão cruel para o homem quanto audaciosa para Ele. Se Ana tivesse sido mãe, como Penina, ela teria sido grata ao Senhor, mas nunca O teria adorado nos magníficos acordes de seu cântico. Não foi um mero sussurro d’Ele que evocou tais notas arrebatadoras de louvor. Em seu Samuel (pedido a Deus), ela ouviu Sua voz, não nas leis da natureza, mas respondendo às suas lágrimas e aos seus clamores desde o “lugar secreto do trovão”. Quem dera todos nós soubéssemos mais sobre isso! Há poucos agora, é de se temer, que têm a singularidade de propósito de Ana em seus desejos – poucos que fazem tais orações ou que podem entoar tal cântico. O Senhor multiplique tais indivíduos, pois nunca foram tão necessários.
W. Barker (adaptado), Bible Treasury, vol. 18