Origem: Revista O Cristão – O Apóstolo João e Seu Ministério

O Discípulo a Quem Jesus Amava

Todo verdadeiro crente ama o Senhor, no entanto a Escritura reconhece que o amor pelo Senhor pode ser encontrado em medidas muito variadas em diferentes discípulos, em diferentes ocasiões. Além disso, nosso amor pode aumentar e diminuir. Sob pressão, o amor de muitos pode “esfriar”. Na presença dos atrativos do mundo, esse amor pode se tornar fraco, como no caso de um crente de quem Paulo disse que “me desamparou, amando o presente século”. Assim, embora o amor pelo Senhor seja algo muito precioso aos Seus olhos e muito desejável no crente, é claro que não podemos confiar em um amor que seja tão sujeito a mudanças. O único amor em que podemos descansar deve ser o amor que não conhece mudança – o amor de Cristo pelos Seus.

É o desfrutar do amor de Cristo que desperta o nosso amor por Ele. “Nós O amamos”, diz o apóstolo, “porque Ele nos amou primeiro”. Nosso amor por Cristo será de acordo com a medida em que percebemos Seu amor por nós.

O efeito da alma assim se deleitando no amor de Cristo é mostrado de forma abençoada em conexão com o apóstolo João, nas cenas finais da vida do Senhor. Em contraste, as mesmas cenas retratam os tristes efeitos de se confiar no nosso amor pelo Senhor, no caso do apóstolo Pedro. Ambos os discípulos amavam o Senhor com uma profunda e verdadeira afeição. Um discípulo, porém, confiava em seu amor pelo Senhor, enquanto o outro descansava no amor do Senhor por ele.

Com genuíno amor pelo Senhor, Pedro pode dizer: “Senhor, estou pronto a ir contigo até à prisão e à morte”, e novamente: “Ainda que todos se escandalizem em Ti, eu nunca me escandalizarei”. Mais tarde, Pedro desembainhou a espada em defesa de seu Mestre. Assim, tanto por palavras e ações, ele parece dizer: “Eu sou o homem que ama o Senhor”. Em contraste com Pedro, João diz algo como: “Eu sou o homem a quem o Senhor ama”, por cinco vezes, nessas últimas cenas, ele se descreve como “o discípulo a quem Jesus amava”. Algo abençoado, de fato, que O amemos, mas muito mais maravilhoso que Ele nos ame! Nesse maravilhoso amor João se deleitou, e nesse amor sem fim ele descansou.

O cenáculo 

A primeira ocasião em que João é chamado de o discípulo “a quem Jesus amava” é no cenáculo, como descrito em João 13. Jesus está ali com um amor que jamais pode falhar, pois, “como havia amado os Seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim”. João está ali se deleitando no amor de Cristo e repousando a cabeça no seio de Jesus. Pedro está ali com verdadeiro amor pelo Senhor, mas confiando em seu próprio amor por Ele. Por fim, Judas está ali sem amor algum pelo Senhor, mas pronto para traí-Lo.

Em Jesus, vemos quão perto o Seu amor O trouxe de nós, na medida em que João pode repousar a cabeça no seio d’Aquele que habitava no seio do Pai. Em João, vemos o que o coração do Salvador pode fazer por um pecador, levando-o a descansar no perfeito amor. Em Judas, vemos o que o coração do pecador pode fazer com o Salvador – traí-Lo por trinta moedas de prata.

É chegada a hora de o Senhor proferir Suas palavras de despedida, mas, por ora, o Senhor abre Seu coração a Seus discípulos, dizendo: “um de vós Me há de trair”. Imediatamente os discípulos olham uns para os outros, sem saber de quem Ele falava. Olhar uns para os outros nunca resolverá as dificuldades que surgem entre os crentes. Devemos olhar para o Senhor, mas olhar para o Senhor exige proximidade com o Senhor. O discípulo que era mais próximo do Senhor pode se descrever como “um de Seus discípulos, aquele a quem Jesus amava”. Pedro não era próximo o suficiente do Senhor para aprender Sua mente; ele teve que fazer sinal para João. Intimidade com o Senhor é a feliz porção daquele que está descansando no amor do Senhor.

A cruz 

A segunda ocasião em que João é descrito como o discípulo a quem Jesus amava nos leva até a cruz em João 19. A mãe de Jesus está presente com outras mulheres devotas, e um discípulo está lá – o discípulo a quem Jesus amava. Onde está agora o discípulo que confiava em seu amor por Cristo? Longe em algum lugar solitário com o coração despedaçado, chorando lágrimas de amarga vergonha. Onde está o discípulo que descansa no amor de Cristo? Como no cenáculo, agora também na cruz, ele está o mais próximo de Cristo quanto pode estar. E qual é o resultado? Ele se torna um vaso idôneo para o uso do Mestre. A mãe de Jesus é entregue a seus cuidados, pois descansar no amor do Senhor capacita para o serviço.

A ressurreição 

A terceira vez em que João é apresentado como o discípulo a quem Jesus amava é na manhã da ressurreição, e novamente ele é encontrado em associação com Pedro. Os dois discípulos, ao saberem pelas mulheres que o sepulcro está vazio, correm para o túmulo. Em seguida temos o registro do que pode parecer um detalhe insignificante, a saber, que Pedro começa primeiro, que ambos os discípulos correm juntos e, finalmente, que o discípulo a quem Jesus amava ultrapassou Pedro. Nada do que o Espírito de Deus registrou pode ser sem importância. Se nos for permitido espiritualizar esta cena, podemos aprender que, embora o homem de natureza ardente possa muitas vezes tomar a liderança em alguma empreitada espiritual, é o homem que está se apoiando no amor do Senhor que no final assume a liderança.

O mar de Tiberíades 

Nesta cena instrutiva (Jo 21:17), Pedro e João novamente têm um lugar de proeminência e, pela quarta vez, João é referido como o discípulo a quem Jesus amava. Como de costume, o enérgico e impulsivo Pedro toma a liderança e volta à sua antiga ocupação. Eles saíram, trabalharam arduamente a noite toda e, apesar de seus esforços, nada apanharam. Quando amanheceu, “Jesus Se apresentou na praia, mas os discípulos não conheceram que era Jesus”. Tendo mostrado a eles, por uma pergunta, a inutilidade dos esforços empreendidos sem Sua direção, Ele prossegue mostrando quão ricos são os resultados quando se age sob o Seu controle. Imediatamente o discípulo a quem Jesus amava percebe: “É o Senhor”. Aquele que está confiando no amor do Senhor é aquele que tem rápida percepção espiritual.

“Depois de terem jantado” 

Seguindo a cena à beira do lago, os discípulos saltam em terra, encontrando ali brasas, com peixe e pão em cima delas, e um convite para jantar. Uma rica provisão foi feita para suas necessidades, apesar de todos os seus esforços. Depois de terem jantado, temos a cena final (Jo 21:15-22), na qual novamente Pedro e João têm um lugar especial, e pela quinta vez João é descrito como “o discípulo a quem Jesus amava” (v. 20) Primeiro, vemos o terno tratamento do Senhor com o homem que confiou em seu próprio amor. Sobre a negação de fato, nenhuma palavra é dita nesta cena tocante. O solene desdobramento foi tratado entre o Senhor e Seu servo em um encontro reservado. Tudo o que sabemos sobre esse encontro é a declaração dos onze, “Ressuscitou, verdadeiramente, o Senhor e já apareceu a Simão”, confirmada muito tempo depois pelo apóstolo Paulo, quando escreveu aos coríntios que o Cristo ressuscitado “foi visto por Cefas e depois pelos doze”. Maravilhoso amor que com terna misericórdia concedeu o primeiro encontro ao discípulo mais falho!

Se, no entanto, no primeiro encontro, sua consciência foi aliviada, nesta cena seu coração é restaurado. Lá o Senhor lidou com o fracasso exterior; aqui Ele lida com a raiz interior que causou o fracasso. A raiz era a confiança em seu amor por Cristo, e a pergunta tripla expõe completamente essa raiz. É como se o Senhor dissesse: “Depois de tudo o que aconteceu, você ainda sustenta, Pedro, que me ama mais do que estes?” Com a segunda pergunta, o Senhor não diz nada sobre os outros discípulos; agora é simplesmente: “Amas-Me?” Com a terceira pergunta, o Senhor, usando uma palavra diferente, pergunta: “És apegado a Mim?” (JND) Na sua terceira resposta, Pedro se coloca inteiramente nas mãos do Senhor, dizendo: “Senhor, Tu sabes todas as coisas; Tu sabes que sou apegado a Ti”. É como se Pedro dissesse: “Não posso confiar no meu amor, ou falar do meu amor ou do que farei, mas, Senhor, Tu sabes todas as coisas e conheces o meu coração. Deixarei que Tu dês a estimativa do meu amor e me digas o que fazer”.

Pedro não mais está dizendo ao Senhor com confiança própria o que ele está pronto para fazer, mas é o Senhor, em infinita graça, dizendo a Seu discípulo restaurado o que Ele o capacitará a fazer. O Senhor, por assim dizer, diz: “Você não mais confia no seu amor para fazer grandes coisas por Mim; você deixou isto Comigo. Então saia e ‘apascenta as Minhas ovelhas’ (v. 17), ‘glorifica a Deus’ (v. 19) e ‘Segue-Me’ (v. 19)”.

Mas e quanto a João? “E Pedro, voltando-se, viu que o seguia aquele discípulo a quem Jesus amava”. O homem que confiava em seu próprio amor precisava da graça restauradora e da exortação: “Segue-Me”. Não era o caso do homem que estava descansando no amor do Senhor, pois ele “seguia”. Aquele que desfruta do amor do Senhor seguirá perto do Senhor.

Se podemos falar pouco do nosso amor por Ele, podemos com certeza nos gloriar no Seu amor por nós. É privilégio do mais jovem crente poder dizer: “Sou um discípulo a quem Jesus ama”, e o discípulo mais velho e avançado não pode dizer nada maior, pois todas as bênçãos são encontradas em Seu amor abrangente, que O levou a morrer por nós, para que também nós pudéssemos sair, em nosso pequeno caminho, e apascentar Suas ovelhas, glorificar a Deus e segui-Lo na glória para onde Ele foi.

H. Smith

Compartilhar
Rolar para cima