Origem: Revista O Cristão – O Apóstolo João e Seu Ministério

O Evangelho de João

O Evangelho de João tem um caráter especial, que impressionou a mente de todos aqueles que lhe deram um pouco de atenção, mesmo que nem sempre tenham entendido claramente o que produziu esse efeito. Não só impressiona a mente, mas atrai o coração de uma maneira que não pode ser encontrada nas outras partes do Livro sagrado. A razão para isso é que o Evangelho de João apresenta a Pessoa do Filho de Deus – o Filho de Deus que desce tão baixo que Ele pode dizer: “Dá-Me de beber”. Isso atrai o coração, se o coração não estiver completamente endurecido. Se Paulo nos ensina como um homem pode ser apresentado diante de Deus, João apresenta Deus diante do homem. Seu assunto é Deus e a vida eterna em um Homem, com o apóstolo seguindo o assunto na epístola, mostrando-nos essa vida reproduzida naqueles que a possuem ao possuírem Cristo. Falo apenas dos principais elementos que caracterizam esses livros, pois muitas outras verdades além daquelas que acabei de observar são encontradas neles, é desnecessário dizer. De fato, é o Evangelho de João que nos dá a doutrina do envio do Espírito de Deus, o outro Consolador, que permanecerá conosco para sempre.

Mateus, Marcos e Lucas 

O Evangelho de João se distingue muito claramente dos outros três evangelhos sinóticos, e faremos bem em considerar o caráter destes últimos, principalmente no que diz respeito à diferença entre eles e o Evangelho de João. Os três evangelhos sinóticos, Mateus, Marcos e Lucas, fornecem os mais preciosos detalhes da vida do Salvador aqui embaixo, de Sua paciência e Sua graça: Ele era a perfeita expressão do bem no meio do mal; Seus milagres (com exceção da maldição da figueira) eram todos milagres de bondade – a expressão do poder divino manifestado em bondade. Aqui encontramos o bem; o próprio Deus, que é amor, agindo segundo a graça que logo seria claramente revelada. Assim foi o bendito Salvador apresentado ao homem, para ser reconhecido e recebido: Ele foi desconhecido e rejeitado. Algo mencionado frequentemente é que cada um dos três evangelistas apresenta o Salvador em um aspecto diferente: Mateus traz diante de nós o Emanuel no meio dos Judeus; Marcos, o Profeta Servo; Lucas nos dá o Filho do Homem, mais em relação ao que existe atualmente, isto é, a graça celestial. Mas todos os três, em geral, apresentam o Salvador em Seus pacientes caminhos de graça neste mundo, para que o homem O receba, e o homem O rejeitou! O Evangelho de Marcos, relacionado ao serviço de Jesus, não tem genealogia. Mateus, em relação aos Judeus e às dispensações terrenais, traça o Salvador desde Abraão e Davi e também mostra as três coisas que substituem o Judaísmo, isto é, o reino como ele existe no tempo presente (cap. 13), a Igreja (cap. 16) e o reino em glória (cap. 17). Lucas, que nos apresenta a graça no Filho do Homem, segue Sua genealogia até Adão. Esses três evangelhos sempre falam de Cristo como um Homem aqui embaixo, apresentado aos homens historicamente, e eles seguem seu relato até que Ele seja decididamente rejeitado, anunciando então Sua entrada na nova posição que Ele assumiu pela ressurreição. A ascensão, que é o fundamento de nosso lugar atual, é dada somente em Lucas diretamente; alusão a ela é feita nos últimos versículos suplementares em Marcos.

O que é diferente em João 

O Evangelho de João considera o Senhor de outra maneira. Ele nos apresenta uma Pessoa divina que desceu até aqui, Deus manifestado neste mundo – um fato maravilhoso, do qual tudo depende na história do homem. Não é mais uma questão aqui de genealogia; não é mais o segundo Homem responsável para com Deus (embora isso seja sempre verdade) e perfeito diante de Deus e todo o Seu deleite, enquanto vemos em cada página que não é mais o Messias segundo a profecia; não é mais o Emanuel, Jesus, que salva o Seu povo; não é mais o mensageiro que comparece diante de Sua face. Em João, é o próprio Deus, como Deus, que em um Homem Se mostra aos homens, aos Judeus, pois Deus O havia prometido – mas antes de tudo para colocá-los inteiramente de lado (cap. 1:10-11), mostrando ao mesmo tempo que nada no homem podia sequer compreender Quem estava ali presente com ele. Então, no final do Evangelho, encontramos a doutrina da presença do Espírito Santo, que deveria substituir Jesus aqui embaixo, revelando Sua glória nos céus e nos dando a consciência de nossos relacionamentos com o Pai e com Ele. Também é de salientar que todos os escritos de João, e entre eles o seu evangelho, olham para o Cristão como um indivíduo e não reconhecem a Igreja, nem como o corpo nem como a casa. Além disso, o Evangelho de João trata da vida eterna; ele não fala do perdão dos pecados, exceto como uma administração presente confiada aos apóstolos, e, no que diz respeito a Cristo, ele trata essencialmente do assunto da manifestação de Deus aqui embaixo e da vinda da vida eterna na Pessoa do Filho de Deus; consequentemente, ele praticamente não fala da nossa porção celestial, com a exceção de três ou quatro alusões. Mas é hora de deixar essas reflexões gerais, para considerar o que o evangelho em si nos ensina.

A estrutura do evangelho 

Antes de tudo, então, vejamos sua estrutura. Os três primeiros capítulos são preliminares. João Batista ainda não havia sido preso, e Jesus, embora ensinasse e realizasse milagres, ainda não havia iniciado Seu ministério público. Os dois primeiros desses três capítulos, até o capítulo 2:22, formam um todo. O capítulo 3 nos dá a base da obra divina em nós e para nós – isto é, o novo nascimento e a cruz, esta última introduzindo coisas celestiais quanto a nós e ao próprio Jesus. No capítulo 4, Jesus passa da Judeia para a Galileia, deixando os Judeus que não O receberam, e toma o lugar de Salvador do mundo em graça. No capítulo 5, Ele dá a vida como Filho de Deus; no capítulo 6, Ele Se torna, como Filho do Homem, o sustento da vida, em Sua encarnação e em Sua morte. O capítulo 7 nos mostra que o Espírito Santo deveria substituí-Lo – a festa dos Tabernáculos, o restabelecimento de Israel, que acontecerá depois. No capítulo 8, Sua palavra é definitivamente rejeitada; no capítulo 9, Suas obras, mas o homem que recebeu a visão O segue. Assim, no capítulo 10, Ele terá Suas ovelhas e as guardará para coisas melhores por vir. Nos capítulos 11 a 12, Deus dá testemunho d’Ele, como Filho de Deus, pela ressurreição de Lázaro; como Filho de Davi, por sua entrada em Jerusalém; como Filho do Homem, pela vinda dos gregos, mas esse título de Filho do Homem trouxe consigo a morte, um assunto que é então considerado. Betânia é uma cena por si só; Maria apreendeu em seu coração a posição de Jesus; Aquele que deu a vida deve Ele próprio morrer. Seu título de Filho do Homem encerra a história de Jesus aqui, apresentando-O pela morte e pela redenção em uma esfera de glória muito mais ampla. Mas então (cap. 13) surgiu naturalmente a questão: Jesus deixaria Seus discípulos? Não; sendo glorificado no alto, Ele lavaria os pés deles. Mas para onde Ele foi, os discípulos não podiam segui-Lo agora. No capítulo 14, encontramos os recursos de consolo durante o tempo da ausência do Senhor. O Pai já havia sido revelado n’Ele durante Sua vida aqui. Quando tivesse retornado para os céus, Ele enviaria outro Consolador; por meio d’Ele, os discípulos conheceriam que Ele estava no Pai, e eles n’Ele, e Ele neles. O capítulo 15 nos mostra a relação dos discípulos com Ele na Terra, tomando o lugar dos Judeus; o lugar dos discípulos diante do mundo, o dos Judeus ao rejeitá-Lo, e depois o Consolador. O capítulo 16 nos diz o que o Espírito Santo faria quando viesse; do que Sua presença seria a prova no mundo e o que Ele ensinaria aos discípulos, colocando-os ao mesmo tempo em relacionamento imediato com o Pai. No capítulo 17, o Senhor, assumindo Sua posição em razão da realização de Sua obra e a revelação do nome do Pai, coloca os Seus em Sua própria posição diante do Pai e diante do mundo; o mundo é julgado, por ter rejeitado o Senhor, e os Seus são deixados aqui em Seu lugar. Em seguida, nos capítulos 18-19, temos a história da condenação e crucificação do Senhor; no capítulo 20, Sua ressurreição e manifestação de Si mesmo a Seus discípulos, bem como a missão deles. O capítulo 21 nos dá Sua conversa com os Seus na Galileia, a restauração de Pedro e a profecia de Jesus sobre ele e sobre João.

Collected Writings of J. N. Darby

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