Origem: Revista O Cristão – Os Ouvidos
Aquela Boa Parte Que Não Será Tirada
Lucas 10:38-42
Na parte final deste capítulo, vemos que a única grande coisa era ouvir a Palavra de Cristo. Isso aprendemos com a aprovação maior dada à Maria do que a dada à Marta, que, em certo sentido, estava fazendo uma coisa muito boa, pois ela O recebeu em sua casa e O serviu. Mas há algo melhor do que isso, e “Maria escolheu a boa parte, a qual não lhe será tirada”. Em certo sentido, deve haver trabalho para servir a Cristo, mas é muito melhor ouvi-Lo. Suas Palavras entrariam e teriam poder no coração.
A única coisa que permanece para sempre é a Palavra do Senhor. A sabedoria deste mundo é contra ela, o raciocínio humano é contra ela, mas a Palavra de Deus é a única coisa sobre a qual vale a pena esperar diligentemente. Se um Cristão está raciocinando sobre as circunstâncias, em vez de buscar a Palavra – “assim diz o Senhor” – ele certamente vai decair em sua própria alma. O princípio insistido nesta narrativa final do capítulo é o mesmo que o Senhor ensinou quando disse no versículo 20: “alegrai-vos, antes, por estar o vosso nome escrito nos céus”, em contraste com os demônios se sujeitando a eles. Queremos a Palavra em nosso coração e estar sentados aos pés de Cristo.
A religiosidade é amável o suficiente para este mundo, mas isso não entrará no céu. Devemos ter Cristo em nosso coração, pois o mundo está se desvanecendo, e só aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre.
Sentado aos pés de Jesus
Ao sentar-se aos pés de Jesus, Maria soube como antecipar a morte d’Ele e o valor de Sua Pessoa a ponto de fazer com que ela tomasse o unguento de nardo e, em pleno afeto de seu coração, esgotar o vaso na unção de Seus pés. Somente Maria ungiu o corpo do Senhor para o sepultamento, e ela não é vista no sepulcro, nem mesmo na cruz. Ela só pensava na ressurreição, porque sabia que as almas dos homens estavam arruinadas e que Ele veio livrá-las.
A questão retratada nestes versículos não é tanto que Marta estava incomodada em preparar uma refeição, mas que Maria estava ouvindo a Palavra, pois o grande prazer que encantou o Senhor era o ouvido atento à Sua Palavra. “Segundo a Sua vontade, Ele nos gerou pela Palavra da verdade” (Tg 1:8). Deus estava agora, por Sua própria Palavra, trazendo a verdade para a alma das pessoas. Elas podem, é claro, ter os ouvidos fechados para essa Palavra, mas isso é outra coisa. “A graça e a verdade vieram por Jesus Cristo”. Cristo era a Palavra viva, e Ele disse: “Vós já estais limpos pela Palavra que vos tenho falado”. A verdade coloca tudo no seu devido lugar, ou não é verdade. Ela coloca tudo na plena luz de Deus. A verdade coloca o homem no lugar dele, ou não é verdade. Ela coloca o pecado no lugar dele, ou não é verdade. Ela coloca a justiça no lugar dela, ou não é verdade. Ela coloca o amor no lugar dele, ou não é verdade. E coloca Deus no lugar d’Ele, ou não é verdade. Em certo sentido, a verdade nunca veio até que Cristo veio, pois eu não digo a verdade sobre Deus, a menos que eu diga que Ele é amor, e que nunca se manifestou até que Cristo veio. A lei não disse nada sobre isso; graça e verdade vieram por Jesus Cristo. Tudo foi moralmente corrigido por Ele. Eu não digo que os homens viram isso. A lei é colocada em contraste com o que Cristo veio declarar. “Porque a lei foi dada por Moisés; a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo” (Jo 1:17).
A Palavra escrita
A Palavra escrita é agora o instrumento que revela a verdade. A lei era santa, justa e boa, porque era de Deus. A lei convenceu os homens do pecado, mas desse modo, a lei em si mesma não era a verdade. Dizia aos homens o que deviam fazer, mas enquanto dizia aos homens que deviam amar a Deus de todo o coração, não dizia nada em si mesma o que era o homem, mas o que o homem deveria ser, pois ela disse: “faça isso e viverá”. Ela não disse ao homem que ele era um pecador perdido, e incapaz de cumpri-la; não disse ao homem qual era sua condição; dessa forma, não disse nada da verdade, apenas deu um pensamento abstrato sobre o que o homem deveria ser. Também, a lei não dizia o que Deus era, embora a lei em si fosse verdadeira, ela apenas afirmava que “os Meus estatutos e os Meus juízos guardareis; os quais, fazendo-os o homem, viverá por eles” (Lv 18:5). Claro, eu não preciso dizer que o homem não poderia cumpri-la, e, portanto, a lei não era a verdade – isso veio por Jesus Cristo. Cristo entra como a Luz e diz: Vocês todos estão mortos no pecado, mas Eu posso lhes dar vida – isso é verdade. Ele diz: Deus é amor, e Deus manifestou Seu amor a um mundo pobre, pecaminoso e perdido, por isso estou aqui! Isso é verdade. A vinda de Cristo ao mundo mostrou como tudo estava no mundo e colocou tudo em seu verdadeiro lugar, tanto para o homem quanto para Deus. Sua vinda mostrou que tanto judeus quanto gentios eram igualmente escravos do pecado e de Satanás e que a verdade era necessária para libertá-los.
Portanto, Cristo veio, não apenas em graça e em verdade, mas também em amor, pois Ele veio para deixar claro ao coração e à consciência do homem seu verdadeiro estado diante de Deus, e para mostrar o remédio. Cristo era a Palavra viva. Ele veio testemunhando e dizendo o que Deus era – não especificamente na redenção, mas em testemunho. Portanto, de que valor para Ele foi o serviço pesado de Marta, em comparação com uma alma, a quem Ele veio salvar, ouvindo Sua Palavra? É o mesmo agora com um Cristão. Quando a Palavra de Deus vem, ela tem uma excelência sobre o coração do homem para fazê-lo crer. “Santifica-os na verdade; a Tua Palavra é a verdade” (Jo 17:17). A Palavra de Deus tem suas reivindicações sobre o coração daqueles que a ouvem, e quando recebida, é vida. Faz o caminho dela pela sua própria autoridade para a alma. Não há poder vivo em um milagre para colocar a vida na alma de um homem, mas há poder vivo na Palavra de Deus. E nunca há uma alma salva senão pela Palavra de Deus, pois é a Palavra que fala do sangue derramado na redenção. Uma pessoa pode acreditar por causa de milagres. Muitos o fizeram nos dias que o Senhor andou aqui, mas Jesus não Se confiava neles, porque era apenas uma convicção natural na mente, sem qualquer poder vivo na alma. Deve haver Cristo no coração, e é pela Palavra que qualquer alma pode entrar no céu. Pela Palavra de Deus uma alma é vivificada, pois somos gerados pela Palavra, e se a Palavra não pode fazê-lo, isso nunca será feito. “Segundo a Sua vontade, Ele nos gerou pela Palavra da verdade” (Tg 1:8). Suponha que pudéssemos começar um trabalho e fizéssemos um milagre; isso não daria vida a uma alma.
Responsabilidade
Mas a Palavra de Deus também coloca os homens sob responsabilidade. “A Palavra que tenho pregado, essa … há de julgar no último Dia” (Jo 12:48). Assim também são as “sagradas letras, que podem fazer-te sábio para a salvação” (2 Tm 3:15). Assim, vimos que o poder vivificante da Palavra de Deus é colocado em contraste com milagres, de modo que uma fé fundada em milagres, como tal, é menos do que nada e vaidade, não tendo vida nela, pois não está no poder de nenhum milagre converter ou vivificar uma alma.
Há três coisas constantemente impostas em conexão com o poder da Palavra de Deus. Primeiro, a Palavra falada virá contra os homens num dia determinado. Em segundo lugar, embora venham “tempos difíceis (TB) [perigosos (KJV)]”, a Palavra de Deus pode “fazer-te sábio para a salvação, pela fé que há em Cristo Jesus”. Terceiro, em uma alma que é vivificada pela Palavra de Deus, o efeito moral é torná-la dependente e obediente. “Santificado para a obediência”. Dependência é a característica do novo homem. O velho homem é independente, fazendo sua própria vontade, mas o novo homem conta com Deus. A perfeição do Senhor como Homem era Sua total dependência de Deus. Ele era Deus, é claro, mas sendo encontrado na forma de Homem, Ele era dependente, e, portanto, O encontramos, no início deste capítulo, como em outras partes do evangelho de Lucas, “orando”,que é a expressão de dependência. E assim também com Saulo de Tarso, quando sua própria vontade independente foi quebrada, temos a mesma expressão de dependência. “Eis que ele está orando” (At 9:11). Quando a altivez de sua vontade foi subjugada, sua linguagem foi: “Senhor, o que queres que eu faça?” A partir daquele momento, Deus teve Seu devido lugar na alma de Paulo. Assim, obtemos a força da declaração: “Mas uma só [coisa] é necessária; e Maria escolheu a boa parte, a qual não lhe será tirada”.
Girdle of Truth, Vol. 3