Origem: Revista O Cristão – Arrependimento e Restauração

Limpeza e Restauração

Em Números 19, temos a mais instrutiva ordenança de Deus, peculiar ao Livro dos Números. “Este é o estatuto da lei, que o SENHOR ordenou, dizendo: Dize aos filhos de Israel que te tragam uma bezerra ruiva sem defeito, que não tenha mancha, e sobre que não subiu jugo” (Nm 19:2). O que o grande dia da expiação é para o centro do Livro de Levítico, a bezerra ruiva é para o Livro dos Números. Cada um parece característico do livro em que é dado, o qual mostra quão sistemáticas são a ordem e o conteúdo da Escritura.

Provisão para a contaminação 

Temos aqui uma provisão distinta para as impurezas que são encontradas à medida que caminhamos por este mundo. Isto é de importância vital na prática. Há muitas almas dispostas a fazer com que a expiação faça toda a obra. Não há verdade mais abençoada do que a da expiação, a menos que seja a Sua Pessoa que dá a essa obra seu valor divino, mas devemos deixar espaço para tudo o que nosso Deus nos deu. Não há nada que mais tenda a fazer uma seita do que tirar a verdade de suas devidas proporções, tratando uma parte como se fosse toda a mente de Deus. Assim, não será suficiente confinar o santo nem mesmo à obra expiatória de Cristo, que aboliu para sempre nossa culpa diante de Deus, nem mesmo se acrescentarmos a isso que sabemos que n’Ele ressuscitado somos colocados em uma posição inteiramente nova, uma vida onde o mal nunca entra. Ambas as coisas são muito verdadeiras e preciosas, mas estas são toda a verdade? Certamente não, e não há curso mais perigoso do que interpretá-las como sendo toda a verdade. Elas são tão preciosas quanto necessárias para a alma, mas realmente não há nenhuma parte da verdade que não seja necessária.

Por sangue e por água 

A bezerra vermelha ensina aos filhos de Israel que a obra do dia da expiação não havia tratado de maneira completa com a questão do pecado a ponto que eles pudessem tratar a contaminação diária como sem importância. Nunca conseguiremos dar o real valor do derramamento do sangue de Cristo pelos nossos pecados. Ele nos concede que não tenhamos mais consciência de pecados. Somos justificados pelo Seu sangue e com Cristo nós morremos para o pecado; estamos vivos para Deus n’Ele. Mas embora tudo isso seja completamente verdadeiro (e tenham sido então apresentado até onde as figuras puderam mostrar, embora imperfeitamente, quando olhamos para um israelita), tal graça é o mais forte motivo pelo qual não podemos mexer naquilo que está contaminado. O próprio fato de estarmos limpos perfeitamente diante de Deus é um forte apelo para não tolerarmos uma mancha diante dos homens. Foi para proteger o seu povo das sujeiras do caminho que Deus deu aqui uma provisão tão notável. Uma bezerra ruiva deveria ser trazida, uma figura marcante de Cristo, mas de Cristo de um modo que não é frequentemente mencionado na Escritura. A exigência supõe não apenas a ausência de tais defeitos como era indispensável em todo sacrifício, mas também ela nunca deveria ter conhecido o jugo, isto é, a pressão do pecado. Como isso fala do Antítipo! Cristo sempre foi perfeitamente aceitável para Deus. “E a dareis a Eleazar, o sacerdote; e a tirará fora do arraial, e se degolará diante dele” (Nm 19:3).

O sangue era levado e espargido sete vezes diante do tabernáculo, pois é o sangue que faz expiação e vindica a Deus onde quer que ocorra o pensamento do pecado. Mas seu uso especial aponta para outro aspecto, pois a purificação do pecado é mencionada novamente. “Então, queimará a bezerra perante os seus olhos; o seu couro, e a sua carne, e o seu sangue, com o seu esterco se queimará. E o sacerdote tomará um pedaço de madeira de cedro, e hissopo, e carmesim, e os lançará no meio do incêndio da bezerra” (Nm 19:5-6). Então encontramos as cinzas da novilha colocadas em um lugar limpo. “E um homem limpo ajuntará a cinza da bezerra e a porá fora do arraial, num lugar limpo, e estará ela em guarda para a congregação dos filhos de Israel, para a água da separação; expiação é” (Nm 19:9). Em que sentido? Simples e unicamente com vista à comunhão – de restaurá-lo quando quebrantado. Aqui não é uma questão de estabelecer relacionamento (isso já estava feito), mas é com base no relacionamento que já existia, que o israelita não deve permitir nada pelo caminho que estrague a santidade que convinha ao santuário de Jeová. Este era o ponto.

Uma percepção completa da ofensa 

Essa sombra de coisas boas exigia a separação de qualquer coisa inconsistente com o santuário. Enquanto peregrinavam pelo deserto, eles foram expostos constantemente ao contato com a morte. É a morte que é trazida aqui como contaminadora em várias formas e graus. Se alguém tocasse o cadáver de um homem, ele seria imundo sete dias. O que deveria ser feito? “Ao terceiro dia, se purificará com a água e, ao sétimo dia, será limpo; mas, se ao terceiro dia se não purificar, não será limpo ao sétimo dia” (Nm 19:12). Não era permitido que ele se purificasse no primeiro dia. Porque não logo de uma vez? A ordem era que não fosse no primeiro dia, mas no terceiro. Quando há uma contaminação no espírito, quando qualquer coisa consegue interromper a comunhão com Deus, é de profunda importância moral que percebamos completamente nossa ofensa.

Isto parece o significado de ser feito no terceiro dia. Não seria um mero sentimento repentino de que alguém tivesse pecado e que houvesse um fim no assunto. O israelita foi obrigado a permanecer até o terceiro dia sob a percepção de seu pecado. Esta era uma posição dolorosa. Ele tinha que contar os dias e permanecer até o terceiro, quando ele teria a água da separação espargida sobre ele pela primeira vez. Uma expressão apressada de tristeza não prova genuíno arrependimento do pecado. Nós vemos algo assim com as crianças. Há muitos que têm um filho pronto para pedir perdão ou até mesmo confessar sua culpa, mas a criança que mais sente isso nem sempre é rápida. Uma criança que é muito mais lenta a confessar pode, e comumente tem, ter uma percepção mais profunda do que significa arrependimento. É correto e apropriado que aquele que está contaminado (ou seja, teve sua comunhão com Deus interrompida) deva levar a sério esse lugar. Creio que este é o significado geral da ordenança do Senhor aqui. É claro que, no Cristianismo, não é uma questão de dias, mas daquilo que corresponde ao significado. Deveria haver tempo suficiente para provar uma verdadeira percepção do mal da contaminação de alguém, assim como da desonra a Deus, e não a pressa que realmente evidencia uma ausência de sentimento correto. Aquele que se purificou devidamente no terceiro dia foi, de fato, purificado no sétimo dia.

Uma percepção do pecado e graça 

Assim, em primeiro lugar, a pessoa contaminada tem uma percepção de seu pecado na presença dessa graça que lhe traz provisão contra a contaminação pela lavagem no terceiro dia. Então, ela finalmente tem a preciosa percepção da graça na presença do pecado no sétimo dia. Assim, as duas aspersões são o inverso uma da outra. Elas expuseram como o pecado trouxe vergonha à graça, e como a graça havia triunfado sobre o pecado. Esse parece ser o significado e, mais particularmente, pelo seguinte motivo. As cinzas da novilha expressam o efeito do julgamento consumidor de Deus sobre o Senhor Jesus por causa do pecado. Não é simplesmente sangue, mostrando que sou culpado e que Deus dá um sacrifício para tirar o pecado. As cinzas atestam o tratamento judicial de Deus na consumação, por assim dizer, daquela oferta bendita que ficou sob toda a santa sentença de Deus por meio de nossos pecados. A água (ou Espírito pela Palavra) nos faz perceber Cristo tendo sofrido por aquilo que nós, infelizmente, tendemos a sentir tão pouco.

Para assuntos pequenos e grandes 

Há outra coisa para notar de passagem. A água da purificação não era apenas necessária quando se tocava um corpo morto, mas em modos e medidas diferentes. Tocar um cadáver pode ser considerado um caso grave, mas a instituição mostra que Deus percebe até o melhor detalhe. Então nós assim deveríamos fazer – pelo menos em nós mesmos. “E todo aquele que sobre a face do campo tocar a algum que for morto pela espada, ou outro morto, ou aos ossos de algum homem, ou a uma sepultura, será imundo sete dias” (Nm 19:14-16). “Aos ossos de algum homem” pode ser um objeto muito menor, mas tudo o que contamina é notado e há provisão em Cristo, nosso Senhor. Não são apenas assuntos graves que contaminam, mas pequenas ocasiões, como diriam os homens, que se interpõem entre nós e a comunhão com nosso Deus e Pai. Ao mesmo tempo, Ele fornece o remédio imutável da graça para cada contaminação

“Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna, por Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 6:23).

W. Kelly (adaptado)

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