Origem: Revista O Cristão – Primogênito
A Bênção e a Herança
“E criou Deus o homem à Sua imagem; à imagem de Deus o criou; macho e fêmea os criou. E Deus os abençoou”. Então segue a herança, Sua dádiva para eles. “e Deus lhes disse:… enchei a Terra, e sujeitai-a; e dominai” (Gn 1:27-29). Mas o curso do brilhante dia de inauguração da Terra não durou muito antes que o homem e sua herança fossem arruinados! Aquele Sol havia nascido sobre uma visão brilhante de bem-aventurança sem fim; então ele se pôs com a carreira do homem interrompida com uma precária e miserável existência encerrada em pó, e sua herança sendo dominada pela corrupção.
Esta foi a dotação do homem natural com suas possessões em responsabilidade. Foi “uma herança” “adquirida às pressas” “no princípio”; mas não foi “abençoada no seu fim” (Pv 20:21 – AIBB). Aqui temos a figura do homem natural, mas há o contraste também do Segundo Homem, o Senhor que é do céu. Ele Se esvaziou, tomando a forma de Servo – na semelhança da carne pecaminosa, e sendo achado como tal, humilhou-Se até a morte. Ele foi cortado e não tinha nada. Jesus veio de uma mulher, veio sob a lei para que pudesse redimir aqueles que estavam sob a lei, para que pudéssemos receber a filiação. Ele parecia trabalhar em vão e gastar Sua força por nada. Ele coloca de lado toda prerrogativa de Divindade, enquanto permanece sempre Deus, a fim de estar em perfeita e absoluta obediência como Homem. Então Ele na morte renunciou a todo direito para fazer a vontade de Seu Pai. Ele adquire um título para a herança no pó da morte, de acordo com a glória e a justiça de Deus. Além disso, os coerdeiros não são segundo a carne, mas segundo o Espírito – os filhos da promessa, não da lei, trazidos pela mesma obra de redenção da graça por meio da fé.
Herdeiros segundo a promessa
Tudo isso é feito, não no princípio da lei, mas da promessa, pois Deus, pela promessa, deu a herança em graça a Abraão. Assim, Paulo nos diz: “Se sois de Cristo, então, sois descendência de Abraão e herdeiros conforme a promessa” (Gl 3:29). Todas as coisas são Suas, o dom do amor do Pai a Ele; todo poder também é dado a Ele no céu e na Terra. Mas ainda assim Ele espera. Enquanto Ele ainda estava aqui na Terra, o Pai havia dado todas as coisas em Suas mãos. Mas Ele esperou, tomou a cruz e consumou a vontade de Seu Pai no sangue e fogo de Seu sacrifício. Ele está ressuscitado agora e glorificado, mas ainda assim Ele espera com paciência enquanto os coerdeiros são reunidos, pois a longanimidade de nosso Senhor é para salvação. Mas “O Senhor não retarda a Sua promessa, ainda que alguns a têm por tardia” (2 Pe 3:9), e em breve Ele Se assentará no trono do julgamento. Então o Bendito, e aqueles já abençoados n’Ele, serão por poder introduzidos na herança. Então se cumprirá: “Bem-aventurado e santo aquele que tem parte na primeira ressurreição; sobre estes não tem poder a segunda morte, mas serão sacerdotes de Deus e de Cristo e reinarão com Ele mil anos” (Ap 20:6).
A Noiva – a Esposa do Cordeiro
Quão doce é notar que quando somente a assembleia está diante dos olhos do Espírito, ela está “adereçada como uma Esposa ataviada para o seu Marido!” Não há nenhum estado público ou glória exterior aqui, mas simplesmente “para o seu marido”. Em termos simples, esta é “a bênção”, a vida e seus frutos em justiça (Ap 19:7-8, 21:2). É “a bênção” em sua esfera apropriada, e a maldição e o amaldiçoado são excluídos por toda a eternidade. As afeições não desejarão nada além de Cristo por toda a eternidade, o Objeto que as envolve. Somos de Cristo, e Seu desejo é direcionado a nós. Mas então devemos desprezar a herança – o direito de primogenitura? Não é assim. O Espírito habita com deleite naquela cena radiante de luz celestial. Naquela cena, ela é a Esposa do Cordeiro, não apenas a Noiva agora, e ela exibe para a Terra a glória d’Aquele que antes era rejeitado em Sua herança possuída. Este é o retrato do próprio Jesus. Esta é agora sua porção, associada a Ele em Seu reino celestial de poder.
Vimos o contraste com o primeiro homem que, em desobediência, se exaltou para ser como Deus. Jesus, sendo em forma de Deus, esvazia-Se para ser obediente, e toma sobre Si a forma de homem. Ele entrega Suas posses. Ele também não toma Seu lugar de exaltação e poder até ter cumprido a obediência na morte; é só então (embora verdadeiro em título antes) que o Pai dá todas as coisas em Suas mãos (Gn 24:36, 25:5; Jo 13:3; Fp 2:10). É depois de ser oferecido sobre o altar que o verdadeiro Isaque toma em poder de ressurreição Sua noiva e Sua herança.
A bênção e a herança
Mas enquanto isso a bênção e a herança estão temporariamente separadas; isto é, a plena realização divina da bênção veio em Cristo, mas a herança espera. Podemos até dizer que isso caracteriza o próprio chamado do Cristão; nós esperamos Ele tomar a herança. Buscar algo aqui que seja do mundo é a armadilha do Cristão. Isso seria desprezar o nosso direito celestial de primogenitura em prol de uma vida mundana. Devemos atentar diligentemente, para que não haja ninguém profano, como Esaú, que por uma refeição vendeu o seu direito de primogenitura (Hb 12:16 – ACF).
Nosso bendito Senhor abdica de Suas perspectivas, Sua glória, Seu reino, como Filho do Homem; Ele Se entrega para que possa morrer (João 12:23-28). Ele não desprezou o Seu direito de primogenitura, nem disse: “de que Me aproveitará o direito de primogenitura?” No entanto, Ele não poderia tomá-lo contaminado com pecado, nem o possuiria sozinho, mas teria os coerdeiros associados a Si mesmo para a glória de Seu Pai e para o cumprimento de Seus propósitos de amor. Mas para isso Ele precisa morrer; Ele precisa ser rejeitado pelo mundo, pelo homem e abandonado por Deus. Assim, Ele foi levantado, para que todos os homens pudessem se aproximar de Deus. E agora, pela cruz, somos totalmente trazidos à bênção, de modo que já somos abençoados com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo. Mas, se é assim, devemos esperar pela glória com Aquele em Quem obtivemos nossa herança. Ele espera; Ele próprio ainda não está na herança.
Não devemos buscá-la aqui. Isso é o que Jacó fez. A bênção era dele. Marcado pelo próprio Deus como a semente eleita da promessa, o que tinha ele a ver com comprar o direito de primogenitura de seu irmão? Não era para ele, assim como a bênção de Deus não era para Esaú, que pensou em herdá-la (Hb 12:17). Com astúcia e ganância, ele tentou unir a bênção e a herança por seus próprios meios. Mas foi isso para bênção? Sua história conta o resultado. Mas Jesus não apenas Se esvaziou de Suas possessões ao subsistir em forma de Deus, mas, tornando-Se Homem, abriu mão de todas as Suas perspectivas para morrer. Uma solene, porém abençoada, lição para aprendermos: “quem, neste mundo, aborrece a sua vida, guardá-la-á para a vida eterna. Se alguém Me serve, siga-Me” (Jo 12:25-26).
Jacó abençoa seus filhos
“Poucos e maus” foram os dias dos anos da vida de Jacó, mas ele aprendeu sua lição, e com seu último suspiro e bênção de seus filhos ele faz distinção entre a bênção e a herança, unindo-as somente em Siló – Aquele que era o Pastor, a Pedra de Israel (Gn 49:24). A semente eleita da promessa e o poder de governo ele coloca na linhagem de Judá (Gn 49:10). Ele deveria ser o depositário da bênção, mas a José foi dado o direito de primogenitura – a porção do primogênito. Assim, lemos em 1 Crônicas 5:1-2 (TB) que foi o “direito da primogenitura dado aos filhos de José, filho de Israel; e a genealogia não se deve contar segundo o direito da primogenitura. Pois Judá prevaleceu sobre seus irmãos, e dele veio o príncipe; mas o direito da primogenitura foi de José”.
Resta-nos manter em nossa alma, no poder divino, este princípio de Deus de que, enquanto Cristo espera, a linhagem e a primogenitura não andam juntas. Estamos na linha da semente eleita? Então a bênção em toda a sua plenitude e extensão divinas é nossa – a vida eterna, o lugar e o relacionamento de Cristo com Seu Pai e Seu Deus, todas as coisas que pertencem à vida e à piedade. Mas a primogenitura, a porção aqui do primogênito, ainda não é nossa. Ela ainda está na mão do primeiro homem, por mais que ele a tenha desprezado como dada por Deus. Não cabe a nós buscá-la. Não somos do mundo, assim como Cristo não é dele, e Ele ainda não exigiu ter o mundo (João 17:9). Quando “os reinos do mundo” vierem a ser “de nosso Senhor e do Seu Cristo” (Ap 11:15), então entraremos na possessão com Ele, não apenas as coisas da Terra, mas também as dos céus. Pois Deus propôs “encabeçar todas as coisas em o Cristo[1], as coisas nos céus e as coisas na Terra; n’Ele, em Quem também obtivemos uma herança” (Ef 1:10-11 – JND). Até então, Ele espera, e nós também esperamos. Ele tem direito e título sobre tudo; Ele adquiriu aquilo que era o propósito do amor de Seu Pai antes que o mundo existisse – aqueles a quem Ele deu a Ele, Seu corpo e Sua noiva. Eles compartilharão com Ele em tudo: Sua vida, Seus relacionamentos com Seu Pai e Seu Deus, Seu amor, Sua paz, Seu gozo, Sua glória. Podemos muito bem esperar com Ele então, até que venha a glória. Portanto, permaneçamos separados do mundo e da falsa igreja que se autodenomina esposa de Cristo, mas que recebe a glória dela aqui sem Ele.
[1] N. do T.: “O Cristo” é uma expressão nos escritos de Paulo que se refere à união mística de Cristo, a Cabeça, e os membros do Seu corpo, pela habitação do Espírito Santo (1 Co 12:12-13 – JND). ↑
W. T. W. (adaptado)