Origem: Revista O Cristão – A Páscoa, o Mar Vermelho e o Jordão
O Caminho para os Lugares Celestiais
O deserto
O deserto é o caminho de um Cristão no qual ele aprende sobre si mesmo. É o lugar de uma alma que está realmente em repouso diante de Deus. Pode ter tido experiências anteriores de escravidão e outras coisas, mas foram as experiências de uma alma na qual Deus agiu, mas que ainda não foi libertada. É onde uma alma que sabe que é redimida está. Se eu apenas conheço o sangue, ainda estou no Egito, mas se eu já passei pelo Mar Vermelho, conheço Deus como libertador. Eu não estou na carne, mas no Espírito (Rm 8). O filho pródigo teve experiências antes de voltar para casa, mas eram as experiências de alguém que ainda não conhecia o pai. Havia uma obra no homem. Ele descobriu que estava perecendo. Ele se arrependeu e partiu, mas ainda havia a pergunta: o que o pai vai me dizer quando eu o encontrar? Ele vai me colocar à sua mão direita ou esquerda? Ele já tinha preparado seu discurso e havia fixado o lugar que deveria ocupar na casa – o de um servo – mas ainda não havia se encontrado com o pai. Ele descobre qual era o seu lugar na casa por aquilo que o pai era para ele quando o encontrou e não diz nada sobre o lugar de um servo. Ele é trazido como filho, mas não pôde dizer: “faze-me como um dos teus trabalhadores”, pois seu pai estava abraçado em seu pescoço. Não era o que ele era para Deus, mas o que Deus era para ele. Ele colocou a melhor roupa sobre ele, e não uma roupa qualquer. Ele o encontrou em seus pecados, mas não o trouxe em seus pecados. Deus o encontrou em trapos, mas ele é trazido em Cristo.
O Mar Vermelho
Se eu atravessei o Mar Vermelho, Deus é para mim um Libertador e não um Juiz, em virtude da plena e bendita obra de Cristo. Eu não estou na carne. Não é apenas que meus pecados foram perdoados, mas eu estou no Segundo Homem, em Cristo, diante de Deus. O primeiro efeito prático é que eu sou trazido para o deserto. Uma pessoa tem muito a aprender depois de ser resgatada. Estou fora da minha carne e tenho o meu lugar em e com Cristo, mas o aprendizado da carne em mim é um processo humilhante. “Te lembrarás de todo o caminho pelo qual o SENHOR, teu Deus, te guiou no deserto estes quarenta anos, para te humilhar, para te tentar, para saber o que estava no teu coração”. “Nunca se envelheceu a tua veste sobre ti, nem se inchou o teu pé nestes quarenta anos” (Dt 8). Deus estava preocupado com suas próprias roupas e pés, mas Ele lhes deu toda a disciplina e correção necessárias para mostrar a eles mesmos quem eles eram. E, quando por sua incredulidade, eles se recusam a entrar na Terra de Canaã, não querendo subir e combater os amorreus, Ele, em Sua graça, Se volta em amor e paciência infalíveis e habita com eles todos os quarenta anos de sua jornada no deserto.
Deus morando conosco
O que caracteriza o Cristão é a presença do Espírito Santo – Deus habitando nele em virtude da redenção. Ele não mora com o homem na inocência; Ele nunca morou no Éden. A morada de Deus com o homem sempre foi consequência da redenção, seja na nuvem com Israel ou na Igreja pelo Espírito Santo. Ele havia caminhado com Adão no jardim, jantado com Abraão, por assim dizer, mas nunca morou com eles. Mas assim que Ele obtem um povo resgatado, Ele habita com eles e fala de santidade. Ele Se adapta às circunstâncias deles. Quando estavam em servidão no Egito, Ele veio a eles como Libertador; quando eles estavam no deserto, habitando em tendas, Ele armou Sua tenda no meio deles e os conduziu por todo momento. Quando chegaram a Canaã, Ele os encontrou, com a espada na mão, como Capitão, para liderá-los nos conflitos, e quando finalmente se estabeleceram, Ele construiu uma bela casa e habitou no meio deles. O mesmo acontece com o Seu povo agora. Ele habita conosco pelo Espírito Santo: primeiro em nós como indivíduos (“Não sabeis que o nosso corpo é o templo do Espírito Santo”); segundo, na Igreja coletivamente (“No Qual também vós juntamente sois edificados para morada de Deus no Espírito”). Não é apenas que eles nasceram de Deus, mas eles têm o sangue sobre eles, e aí o Espírito Santo habita. “Tendo nele também crido…” “E isso disse Ele do Espírito, que haviam de receber os que n’Ele cressem”. “Mas o que nos confirma… é Deus”. Ele vivifica incrédulos e habita em crentes. A presença do Espírito Santo é o que forma o caráter distintivo do Cristão e da Igreja. O leproso foi lavado, aspergido e ungido – o sangue colocado na sua orelha, em sua mão e em seu pé e depois o azeite sobre o sangue. Era algo santíssimo; nada mais deve passar pela orelha ou ser feito pela mão que contaminasse, nem deve fazer qualquer coisa que contaminasse os pés na caminhada. A unção – isto é, a presença do Espírito Santo em nós – é o selo do valor do sangue. “O amor de Deus é derramado em nossos corações pelo Espírito Santo” (Rm 5:5). O Espírito Santo é o penhor, não do amor de Deus (pois temos isso), mas da herança pela qual esperamos.
Morto e ressuscitado com Cristo
No deserto, Deus está nos humilhando, provando e fazendo com que tudo trabalhe para nosso bem. A circuncisão não é praticada no deserto. Israel vem para o Jordão e o atravessa. Aqui temos uma figura, não de Cristo morrendo por mim, mas de minha morte e ressurreição com Ele. Não é simplesmente que Cristo morreu por mim, mas que eu sou crucificado com Cristo. Eu me considero morto e recebi Cristo como minha vida. Estou morto, ressuscitado e assentado em lugares celestiais em Cristo Jesus. Estou completamente fora do deserto. Eu estava morto em pecados, e Cristo desceu e morreu pelos pecados, e agora estou vivificado, ressuscitado e assentado em Cristo. Esse é um lugar completamente novo. Essa é a doutrina ensinada em Efésios. Não olho mais para mim como vivo na carne de forma alguma. Eu entrei nos lugares celestiais. E no momento em que cheguei lá, tudo é meu – “todas bênçãos espirituais em lugares celestiais”. Mas então é só quando eu adentro às minhas bênçãos que eu as torno minhas de maneira prática. E então eu descubro que há outro lá – o inimigo está na posse – de modo que eu preciso de toda a armadura de Deus. O lugar pelo qual temos de passar é o mundo como um deserto, mas, quanto à minha posição, estou nos lugares celestiais e devo andar de acordo com isso. Se estou vivendo no mundo como um homem na carne, eu encontro meus vizinhos e posso achá-los gentis e atenciosos, mas assim que começo a falar sobre coisas celestiais, eles se opõem.
Bem, eu tenho que mostrar Cristo em relacionamentos vivos. Se é verdade que estou em Cristo, também é verdade que Cristo está em mim. “Naquele dia, conhecereis que estou em Meu Pai, e vós, em Mim, e Eu, em vós” (Jo 14:20). O padrão não é um homem correndo em direção ao céu, mas está mostrando o Cristo que está em mim. “Trazendo sempre por toda parte a mortificação do Senhor Jesus no nosso corpo, para que a vida de Jesus se manifeste também em nossos corpos” (2 Co 4:10) – Isto e nada mais. “De maneira que em nós opera a morte, mas em vós, a vida”. Paulo está morto. Era Cristo agindo por meio de Paulo. Se falharmos, isso é uma obra do deserto. Se Cristo está em mim, nunca devo deixar que nada além de Cristo seja visto. Agora você tem Cristo em você, que é poder positivo e nada mais; agora você vê Aquele que é visto e nada mais. Josué diz: Ponha o pé nela. É sua. Entrei em Canaã e tenho conflito imediatamente. Estou assentado em lugares celestiais em Cristo. É tudo meu, e agora estou procurando me apossar das coisas às quais tenho direito. E disse ele: “Mas venho agora como Príncipe do exército do SENHOR”. Passamos por testes no deserto; temos conflito em Canaã. Quando estou em Canaã, tenho inteligência e atividade espiritual naquilo que me pertence. “Herdeiros de Deus e coerdeiros de Cristo” – quanto cada um de nós tem compreendido das bênçãos espirituais que são nossas?
Gilgal, o lugar do julgamento próprio
Nas pedras retiradas do Jordão, descobrimos que o crente leva consigo o caráter da morte. A arca passou. Nós morremos para o pecado. O mundo e o poder de Satanás se foram. Pertencemos à morte uma vez; agora a morte nos pertence. Agora sou obrigado a dizer: Considere-se morto. Nunca nos é dito que devemos morrer para o pecado, mas que já “estamos mortos”. A primeira coisa é que passamos pelo Jordão a seco, e esse é o nosso título para nos considerarmos mortos. A circuncisão é a aplicação prática disso. “Mortificai, pois, os vossos membros que estão sobre a Terra” (Cl 3). Se vejo um homem impaciente, não nego que ele esteja morto, mas digo: Você precisa de um pouco de Gilgal. Se eu vejo um homem olhando coisas inconvenientes na cidade, não nego que ele esteja morto, mas digo: Você precisa ser circuncidado. Essa é a aplicação prática da morte de Cristo à nossa alma, na verdade, tornando-a uma realidade. De maneira muito impressionante vemos em Josué Ai ser conquistada e depois conquista após conquista. Mas encontramos que Gilgal, o lugar da circuncisão, sempre era o lugar para o qual o arraial retornava após suas vitórias. Não importa o seu sucesso, você deve voltar para Gilgal. O Livro de Josué é a história da energia bem-sucedida; o Livro dos Juízes, a história do fracasso, com Deus entrando e removendo-o de tempos em tempos.
Gilgal, o lugar do julgamento próprio, é o lugar do poder prático e divino. Descobrimos que até mesmo as vitórias são perigosas, a menos que retornemos ao julgamento da carne. Depois de pregar o evangelho, a obra mais abençoada que pode existir, devemos voltar a Gilgal. Israel começou bem em Jericó; o que eram os altos muros para a fé? Quanto mais altos os muros, mais eles se despedaçam quando caem. Mas, em vez de retornarem a Gilgal, eles se tornam confiantes em si mesmos e mandam apenas alguns para tomar Ai. Mas aí temos o fracasso. Eles têm que retornar a Gilgal e julgar a carne. Em Juízes, o Anjo do Senhor sobe de Gilgal para encontrá-los em Boquim; isto é, do lugar do poder ao lugar das lágrimas. Eles deixaram o lugar do poder para o lugar da tristeza. Eles se sacrificam ali, mas estão em lágrimas.
A páscoa
Após a passagem do Jordão, a primeira coisa que vimos foi o estabelecimento das doze pedras; a segunda, foi a circuncisão; a terceira, foi a páscoa. Agora eles podem olhar para trás, para ver a base de tudo na redenção. Eles a celebram agora, não como culpados e protegidos por ela – como foi no Egito – mas comemorando a verdade de que a morte do bendito Filho de Deus é o fundamento de toda bênção. A ceia do Senhor nada mais é do que a celebração daquilo que é o fundamento de Deus dando tudo. Quanto mais olhamos para ela, mais encontramos a cruz segurando um lugar que nada mais tem, exceto Aquele que morreu nela. “Qual O celestial…” e “qual Ele é, somos nós também”. A cruz é ainda mais profunda que a glória. A glória foi obtida por ela, mas a cruz é onde a natureza moral de Deus, Sua santidade e Seu amor, foram glorificados. Aqui vemos o crente circuncidado em Canaã se alimentando do cordeiro, a lembrança da morte de Cristo.
O trigo da terra
A quarta coisa vista é que eles se alimentam do “trigo terra”, e o maná cessa. O trigo da terra é uma figura do Cristo celestial. O maná era adequado ao deserto – Cristo desceu do céu. No meio de todas as circunstâncias aqui embaixo, Ele nos encontra na jornada, e nos alimentamos d’Ele. É o mesmo Cristo – somente em outro caráter – que vemos no trigo da terra. Não temos apenas um Cristo humilhado e glorificado para alimento de nossa alma – Sua vida aqui embaixo – mas o que encontramos em 2 Coríntios 3: “Mas todos nós, contemplando a glória do Senhor com rosto descoberto, somos transformados conforme a mesma imagem de glória em glória” (JND). É o fruto da terra – um Cristo humilhado que agora está em Canaã, ao Qual pertencemos. Ainda não haviam tomado uma cidade sequer, mas assentaram-se à mesa que Deus lhes havia preparado na presença de seus inimigos. Tudo é meu antes mesmo de uma única vitória. Assento-me na presença dos meus inimigos. Ele preparou uma mesa para mim. O deleite de Deus é o meu deleite. Antes de desembainhar minha espada para o conflito, assento-me e sei que tudo é meu.
O homem com a espada desembainhada
Por fim, temos o Homem com a espada desembainhada vindo para assumir o lugar como Príncipe [Capitão – JND) do exército do Senhor. Nas coisas celestiais, tudo é conflito. Observe a palavra aqui. É uma questão de: “És tu dos nossos ou dos nossos inimigos?” Não existe um meio termo, mas uma separação completa. Se você é pelo mundo, você é contra Cristo. No momento em que se torna uma questão a respeito de Cristo, deve ser a favor ou contra. O mundo crucificou a Cristo, e Ele disse: “Quem não é comigo é contra Mim” e “Porque quem não é contra nós é por nós”. Eu sei que o significado dessas duas declarações tem sido questionado e considerado difícil de conciliar, mas é muito simples. Se somos a favor de Cristo, devemos ser contra o mundo, e se não somos contra Ele, a oposição do mundo a Ele é tão forte que não nos aceitará. “A luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz”, e não pode haver união entre os dois. O mundo nunca aceita fidelidade a Cristo. O coração humano é inimizade para com Cristo. O grande objetivo de Satanás é que os Cristãos adequem seu Cristianismo ao mundo. Você nunca fará com que o mundo tome Deus como sua porção. “Mas venho agora como Príncipe do exército do SENHOR”. É claro que era o próprio Senhor.
Temos aqui as mesmas palavras ditas a Moisés, vindas da sarça ardente: “Descalça os sapatos de teus pés, porque o lugar em que estás é santo”. Na batalha espiritual que devemos travar, a santidade é uma questão tão importante quanto a redenção, e quando entramos em batalha, devemos ser tão santos quanto seremos quando estivermos com Ele. Graças a Deus, a redenção fez isso. Você terá o Senhor com você. Aquele que conduz a guerra é o Santo que nos redimiu, e a força do próprio Senhor está conosco.
Até que ponto temos o testemunho? Podemos dizer que estou morto e minha vida está escondida com Cristo em Deus (Cl 3:3)? É seu pensamento e propósito estar em Gilgal ou em Boquim? É seu pensamento prosseguir no conhecimento da redenção perfeita? Você terá tudo da carne julgado? E ter a força do Senhor com você para um conflito bem-sucedido?
“Examinai tudo”. Por qual padrão? Minha própria compreensão ou a Palavra revelada de Deus? “Retende o bem”.
