Origem: Revista O Cristão – Nascentes, Fontes e Rios

Cisternas Rotas Que Não Retêm Água

Temos três grandes inimigos sempre buscando nos vencer: o mundo, a carne e o diabo. E, na proporção em que damos lugar a qualquer um deles, nos afastamos de Deus. Encontramos os três no caso de Pedro em Lucas 22. Nos versículos 45 e 50 ele é levado pela carne, ao dormir quando deveria estar vigiando, ao atacar quando não deveria ter resistido. Nos versículos 54 e 55, ele é desviado pelo medo do mundo: primeiro, ao se afastar para longe do lado de Cristo; segundo, pela comunhão com Seus inimigos. E, por último, nos versículos 57, 58 e 60, ele é levado três vezes pelo diabo: a negar a Cristo, a jurar e a negá-Lo novamente.

Pode-se, de fato, dizer que tal conduta é prenunciada no primeiro Salmo. O conselho dos ímpios, os ditames da razão carnal, levaram à agressão com a espada; o deter-se no caminho dos pecadores é ilustrado ao ficar em pé parado e se aquecer; enquanto o sentar-se na roda dos escarnecedores é encontrado no versículo 55.

O caminho do que se afasta 

E agora, o que dizer de nós? Ouçam as seguintes palavras:

Não há no vasto mundo coração tão infeliz quanto aquele que foi desviado da santidade e da alegria da obediência para os caminhos do egoísmo e do pecado.

“Que horas de paz eu outrora desfrutei,
Quão doce ainda é a sua lembrança!
Mas elas deixaram um vazio doloroso,
Que o mundo jamais poderá preencher.”

E essa é a linguagem, em poesia ou em prosa, da alma cujo primeiro amor foi deixado; que, infelizmente, de uma forma ou de outra, abandonou o Senhor para desfrutar os favores do mundo.

“Meu povo fez duas maldades: a Mim Me deixaram, o manancial de águas vivas, e cavaram cisternas, cisternas rotas, que não retêm águas” (Jr 2:13). Tal foi a lamentação de Deus no passado. Quão corretamente Ele Se intitulou “o Manancial de águas vivas” – a fonte e manancial de bênçãos; e quão solenemente descritiva é a expressão “cisternas rotas, que não retêm água”, da experiência adquirida ao nos apartarmos d’Ele.

Ele sabe onde se encontra a bênção. Nós, infelizmente, muitas vezes em meio a mares de tristeza, temos que aprender que as cisternas às quais recorremos estão, na verdade, rotas, e que não retêm água, e que resta, como único resultado de nossa decadência, um vazio doloroso, um coração distraído e descontente – um estado de espírito, de fato, que não teve paralelo nas horas mais miseráveis de nossos dias quando não éramos convertidos.

Ah, por trás de muitos rostos sorridentes, por trás de muitas risadas vibrantes, debaixo de muita atividade forçada e esforço anormal, encontra-se um coração miserável, que procura por esses meios esconder o fato de seu afastamento de Deus.

E, no entanto, quão vão é esse esforço – quão vazia aquela risada! Mas também a Palavra de Deus se mostrará eficaz, ainda que por muito tempo desprezada; e a alma rebelde, embora conduzida por caminhos de profunda e perscrutadora provação, descobrirá que o amor com que era amada era um “amor eterno”. Tal amor poderia voltar seu olhar, pleno e perdoador, para um pobre Pedro que falhou, e operar, por meio de seu silencioso, porém ferido, olhar, a completa restauração dele.

Deixaste o teu primeiro amor 

Você não reconhece e sente a verdade dessas palavras? Não consegue se lembrar, com o coração angustiado, das brilhantes e santas memórias do passado, da outrora amada Bíblia, do lugar “onde se costumava fazer oração”, do feliz trabalho para o seu Senhor? Pode ser que alguma tarefa pobre, fria e formal, professamente para Ele, ainda ocupe você, mas o tempo todo você ouve a voz d’Ele sempre dizendo a você: “Deixaste o teu primeiro amor”. Gradualmente, você não apenas deixou as coisas que um dia amou, mas voltou àquelas que um dia odiou por causa de Cristo. O romance envolvente, corroendo seu cérebro e seu tempo, a canção mundana, as diversões deste mundo, tudo isso está prendendo suas correntes em torno de você, e você não está feliz. Você tenta estar, mas não consegue. Você inveja a feliz despreocupação das almas mortas ao seu redor. Elas não sentem remorso; os prazeres do mundo não contêm para elas nenhum ferrão oculto. Elas nunca conheceram e amaram o Salvador que você abandonou. A voz da consciência não lhes diz incessantemente, como a você: “Você está agindo errado. Você está pecando contra a luz.”

Considere agora, onde foi o seu primeiro passo de afastamento? Não era tão pequeno a ponto de ser quase imperceptível? Você não começou jogando fora sua Bíblia por um romance; você não trocou imediatamente a reunião pela sala de concertos. Não! A primeira coisa foi uma negligência gradual da leitura e da oração privadas. À medida que seu coração esfriava e você perdia o interesse por isso, o diabo sussurrava: “Desista; não adianta continuar com formalidades; espere até que seu coração se aqueça novamente”, sabendo bem que, ao dizer isso, ele estava privando você do calor e da luz. E você o obedeceu. Você não leu nem orou esta manhã ao se levantar, nem ontem, nem anteontem. De fato, estou descrevendo um caso triste, mas, ainda assim, há graça abundante para enfrentá-lo.

A. T. Schofield

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