Origem: Revista O Cristão – Guerra Cristã
Conflito ou Concessão
Desde o momento em que o pecado entrou neste mundo, aqueles que quiseram viver para a glória de Deus tiveram que enfrentar oposição e conflito. O sacrifício aceito oferecido por Abel despertou o ódio de seu irmão Caim; mais tarde, homens fiéis, como Noé e Abraão, se viram em desacordo com o mundo ao seu redor. A Escritura registra que, quando a ocasião demandou, os servos de Abraão já estavam “treinados e armados” (Gn 14:14). Quando Israel entrou na terra de Canaã, eles tinham que se envolver em conflitos, se quisessem possuir e desfrutar da terra.
O Senhor Jesus veio a este mundo como “o Príncipe da Paz” (Is 9:6), mas, quando foi rejeitado, Ele disse aos Seus seguidores: “Supondes que vim para dar paz à Terra? Não, Eu vo-lo afirmo; antes divisão” (Lc 12:51 – ARA). No Cristianismo, sob a plena luz da revelação de Deus em Cristo, não somos chamados à guerra física, porque “as armas da nossa milícia não são carnais” (2 Co 10:4). Antes, somos chamados a uma guerra espiritual, uma guerra que é tão real e tão mortal quanto o combate físico. Se vamos caminhar com Deus e obedecer à determinação de “guarda o que tens” (Ap 3:11), então a guerra Cristã será inevitável.
O conflito
O verdadeiro conflito Cristão é trazido diante de nós em Efésios, onde o crente é exortado a revestir-se de “toda a armadura de Deus”, para poder resistir aos “principados e potestades”, aos “senhores universais destas trevas” e às “forças espirituais da maldade nas regiões celestiais” (Ef 6:12 – JND). Isso se refere a Satanás e seus exércitos, que procuram roubar do crente seu gozo em Cristo, o desfrutar de suas bênçãos celestiais, bem como sua capacidade de ser um testemunho para Cristo neste mundo.
Embora essa guerra seja uma parte necessária da vida Cristã, muitas vezes ela é evitada ou talvez feita da maneira errada. De um lado, pelo fato de alguns queridos crentes não terem praticado julgamento próprio adequadamente em sua vida privada, coisas como pecado não julgado, atitudes erradas e uma personalidade difícil podem levá-los a defender a verdade de Deus em um espírito errado. Uma guerra desse tipo pode envolver o uso de meios carnais, e o resultado é afastar os corações da verdade ao invés de enaltecê-la. Tais crentes podem estar na posição correta, mas sua condição está errada.
Paz a qualquer preço
Outros, após verem um espírito tão errado na guerra, podem ir para o extremo oposto e querer “paz a qualquer preço”, mesmo que seja à custa da verdade. Como o batalhar “pela fé que uma vez foi dada aos santos” é um trabalho árduo e às vezes desconfortável, alguns preferem evitá-lo. Outros podem tomar uma atitude semelhante, justificando-se dizendo que o Cristianismo deve ser caracterizado pelo amor, não pelo conflito. Outros, ainda, permitiriam o conflito com o mundo, mas se opõem a qualquer divergência com outros Cristãos, exceto em circunstâncias extremas. Nestes últimos dias, também é fácil temer a derrota, à medida que vemos o testemunho coletivo enfraquecendo e um abandono geral do que antes era de apreço.
Vemos essa batalha ilustrada para nós em Lucas 14:31-32, onde um rei com apenas 10.000 homens se depara com a perspectiva de batalhar contra outro rei com 20.000. Como a Escritura aponta, pode muito bem ser prudente para o rei com apenas 10.000 pedir a paz, em vez de arriscar ser derrotado nas mãos do inimigo. Se o rei com 10.000 representa o crente, então certamente o rei com 20.000 é Satanás, e muitos Cristãos queridos são levados a fazer paz com ele ao perceberem que ele é forte demais para eles. No entanto, é fácil ver que qualquer paz em tais circunstâncias certamente favoreceria Satanás em vez do crente, e é desta maneira que ele muitas vezes nos leva a ceder.
Qual, então, é a reposta? A guerra Cristã deve ser evitada, ou deve ser realizada na energia humana? A resposta é encontrada na Palavra de Deus, que nos encoraja a seguir em frente rumo à vitória. Lemos em 2 Timóteo 1:7 que “Deus não nos deu o espírito de covardia, mas de poder, de amor e de moderação” (AIBB). Além disso, em Efésios 6:10, nos é dito: “Fortalecei-vos no Senhor e na força do Seu poder”. A batalha é do Senhor, e em Sua força podemos alcançar a vitória. Não podemos sair em nossa própria força; se tentarmos fazer isso, nos veremos derrotados, como Israel em Ai (Js 7:1-4). É somente em completa dependência do Senhor e renunciando a todos os meios humanos que podemos contar com Seu poder. Mas em Sua força a vitória está garantida, não importa qual seja o poder do inimigo.
Guerra individual e coletiva
Isso nos leva a uma consideração sobre guerra individual e guerra coletiva, bem como sobre conflito privado e conflito público. Notamos em Efésios 6 que a maior parte da armadura de Deus é defensiva. Esta parte da armadura deve ser colocada em privado e como indivíduos. Ela deve ser colocada todos os dias, e devemos ter o cuidado de vestir toda a armadura de Deus. Lemos em Romanos 8:7 que “a inclinação da carne é inimizade contra Deus” e descobrimos que devemos estar continuamente “derrubando as imaginações e toda altivez que se exalta contra o conhecimento de Deus” (2 Co 10:5 – KJV). É somente com toda a armadura de Deus que podemos fazer isso. Não podemos permitir em nossa vida o que é inconsistente com a luz que recebemos e, no momento em que o permitimos, damos a Satanás uma vantagem sobre nós. Mas, vestidos com toda a armadura, não precisamos sucumbir às “astutas ciladas do diabo” (Ef 6:11).
Quando vestimos a armadura de Deus individualmente e empreendemos a guerra Cristã em nossa vida privada, o resultado será visto publicamente, e poderemos efetivamente empunhar “a espada do Espírito”. Entretanto, embora seja a Palavra de Deus que temos em nossas mãos, ela é a espada do Espírito; não é nossa para que seja usada na energia humana. Antes, é a Palavra de Deus que lemos, digerimos e na qual andamos; essa é a nossa espada. Aquilo que porventura saibamos intelectualmente como conhecimento racional não pode ser usado pelo Espírito; a Palavra de Deus deve ser uma realidade viva em nossa vida. Quanta necessidade há hoje daqueles que irão se envolver na guerra Cristã de forma privada, como Davi fez com o leão e o urso, e que então serão capazes de obter grandes vitórias publicamente, como Davi fez com Golias! Em cada caso, o poder era o mesmo, pois vinha do Senhor; não importava se era um leão, um urso ou Golias. Se estivermos dispostos a entrar na guerra privada, teremos Sua força para enfrentar o conflito público.
O testemunho coletivo
Mas há também uma necessidade de guerra coletiva, e isso muitas vezes é negligenciado. O pecado de um só homem foi suficiente para ocasionar a derrota de Israel nas mãos de Ai, pois o Senhor pôde dizer: “Israel pecou” (Js 7:11). Da mesma forma hoje, o pecado de um pode muito bem afetar toda uma companhia de crentes. Não lemos exatamente acerca de conflitos coletivos na Escritura, mas sabemos que Satanás está atacando o testemunho coletivo como nunca. Embora Satanás certamente não saiba quando o Senhor vem para os Seus, ele, sem dúvida, entende que nestes últimos dias “pouco tempo lhe resta” (Ap 12:12 – ARA). Se os crentes procurarem, como indivíduos, desfrutar de suas bênçãos celestiais e viver para a glória de Deus neste mundo, eles serão um objeto especial da fúria de Satanás. Assim será também quando os crentes procurarem expressar toda a verdade de Deus de forma coletiva e exibir a preciosa verdade do um só corpo.
Nós já mencionamos as tristes dificuldades que Satanás introduziu no meio do povo de Deus através dos tempos. Essas dificuldades são permitidas pelo Senhor, pois o nosso estado coletivamente é apenas um reflexo do que somos como indivíduos. Às vezes, podemos culpar os outros pelo fracasso coletivo, quando deveríamos examinar nosso próprio coração quanto a quão fielmente vestimos toda a armadura de Deus e quão diligentes temos sido em nos preparar para a guerra. Em 2 Crônicas 14 lemos a respeito de Asa, que usou os dez anos de paz para realizar duas coisas importantes: ele removeu todas os ornamentos da idolatria na terra e construiu fortificações. Ele também se certificou de que seu exército estava bem-preparado para a guerra. Como resultado, quando veio a guerra, ele estava pronto e, confiando no Senhor, ele alcançou uma das maiores vitórias no Velho Testamento. Portanto, nós, como crentes, deveríamos usar tempos de paz e tranquilidade em nossa vida para lidar com aquelas coisas que não são consistentes com a comunhão com o Senhor, e para nos edificarmos nas coisas do Senhor, em preparação para a guerra que certamente virá. Muitas vezes ficamos acomodados e, assim, nos encontramos despreparados quando o conflito começa.
Em resumo, então, lembremos que o conflito na vida Cristã é inevitável, se formos viver para a glória de Deus em um mundo de pecado e Satanás. Lembremos que a guerra individual e privada é importantíssima e que toda vitória pública e coletiva, em última análise, depende disso. Que estejamos dispostos a enfrentar o inimigo, mesmo nestes últimos dias, e a não ceder para ter um caminho mais fácil. No final de sua vida, Paulo pôde dizer: “Combati o bom combate […] guardei a fé” (2 Tm 4:7). Não há razão alguma que nos impeça de fazer isso também, pois o Senhor é o mesmo.