Origem: Revista O Cristão – Cristo para o Coração
Carta de Cristo (2 Coríntios 3)
Em 2 Coríntios 3, Paulo traz Cristo diante de nossa alma de três maneiras – primeiro, como escrito no coração dos crentes, em segundo lugar, como manifestado a “todos os homens”, e em terceiro, como uma Pessoa viva na glória – o Objeto diante de nós. É a intenção de Deus que, durante a ausência de Cristo deste mundo, haja reuniões de crentes na Terra que tenham Cristo escrito em seu coração, Cristo manifestado na vida deles e Cristo diante deles como um Objeto na glória.
Ao lermos as últimas tocantes instruções do Senhor aos Seus discípulos e reverentemente ouvimos Sua oração ao Pai, estamos conscientes de que, por traz, tanto dos discursos quanto da oração, há sempre diante de nós a grande verdade de que os crentes são deixados neste mundo para representar Cristo – o Homem que foi para a glória. É a intenção de Deus que, embora Cristo pessoalmente não esteja mais aqui, ainda assim, Cristo, moralmente, ainda deve ser visto em Seu povo. Todas as epístolas nos chamam a atenção ao nosso privilégio e responsabilidade como crentes para representar o caráter de Cristo a um mundo que O rejeitou e expulsou.
Nas cartas às sete Igrejas em Apocalipse, vemos o Senhor andando no meio das Igrejas, avaliando sua condição e nos dando o Seu julgamento sobre até que ponto elas corresponderam ou falharam em sua responsabilidade. Aprendemos que a grande massa daqueles que professam Seu nome não apenas falhou em representar Seu caráter perante o mundo, mas se tornou tão desesperadamente corrupta e indiferente a Ele que no final eles serão vomitados de Sua boca. No entanto, também aprendemos que em meio a essa vasta profissão haverá alguns que, embora tenham pouca força, responderão à Sua mente expondo algo da amabilidade de Seu caráter. Vendo então que ainda é possível, mesmo num dia de ruína, expressar algo do caráter de Cristo, certamente todo aquele que ama o Senhor dirá: “Eu gostaria de ser contado entre aqueles que, em uma pequena medida, manifestam algo dos belos traços de Cristo para o mundo ao redor”. É verdade que é possível para o mundo formar alguma estimativa de Cristo a partir da Palavra de Deus, mas à parte da Palavra – que eles podem questionar ou não entender, mesmo que lida – é a intenção de Deus que na vida de Seu povo haja uma apresentação de Cristo “conhecida e lida por todos os homens”. Lembremo-nos de que, quaisquer que sejam as circunstâncias, nossa única ocupação deve ser apresentar o caráter de Cristo.
Cristo escrito no coração
Primeiro, então, notemos que Paulo fala desses crentes como “a carta de Cristo”. Ele não diz as “cartas”, mas a “carta”, pois ele não está pensando simplesmente no que é verdadeiro nos indivíduos, mas em toda a assembleia, embora, obviamente, a assembleia seja composta de indivíduos. Então, podemos observar que ele não diz: “Vós deveis ser a carta de Cristo”, mas que “vós sois a carta de Cristo”. Se tivermos o pensamento de que devemos ser a carta de Cristo, trabalharemos para nos tornar a carta por nossos próprios esforços. Isso não apenas nos levaria à ocupação legalista com nós mesmos, mas também impediria a obra do “Espírito do Deus vivo”. O fato é que nos tornamos carta de Cristo, não por nossos próprios esforços, mas pelo Espírito de Deus escrevendo Cristo em nosso coração.
Um Cristão é aquele a quem Cristo Se tornou precioso por uma obra do Espírito no coração. Não é simplesmente um conhecimento de Cristo no intelecto (que um homem não convertido pode ter) que constitui um homem Cristão, mas Cristo escrito no coração. Como pecadores, descobrimos nossa necessidade de Cristo e estamos sobrecarregados com nossos pecados. Encontramos alívio ao descobrir que Cristo, por meio de Sua obra propiciatória, morreu por nossos pecados e que Deus estabeleceu Sua aceitação dessa obra assentando Cristo em glória. Nós descansamos na satisfação de Deus com Cristo e Sua obra, e nossas afeições são atraídas para Aquele pelo qual fomos abençoados. “E assim para vós, os que credes, é preciosa”. Assim, Cristo está escrito em nosso coração e nos tornamos a carta de Cristo. Se não somos a epístola de Cristo, não somos Cristãos de forma alguma.
Cristo manifestado a todos os homens
Tendo estabelecido a verdadeira companhia Cristã como composta de crentes em cujo coração Cristo foi escrito, Paulo apresenta a segunda grande verdade quando diz: “Já é manifesto que vós sois a carta de Cristo… conhecida e lida por todos os homens”.
Uma coisa é uma assembleia de crentes ser uma carta de Cristo, e outra bem diferente é que a assembleia esteja em tal condição correta que manifeste a todos os homens algo do caráter de Cristo. A responsabilidade de qualquer assembleia de santos não é andar bem a fim de se tornar uma carta, mas, visto que eles são uma carta de Cristo, andar bem a fim de que a carta possa ser lida por todos os homens. Se alguém escrever uma carta de recomendação, é para recomendar a pessoa citada na carta. Assim, quando o Espírito de Deus escreve Cristo no coração dos crentes, é para que eles juntos possam se tornar uma carta de recomendação para recomendar Cristo ao mundo ao seu redor – que, por sua caminhada santa e separada, seu amor mútuo um pelo outro, sua humildade e mansidão, e sua gentileza e graça, possam demonstrar o caráter amável de Cristo.
Assim foi com os santos coríntios. Eles tinham estado andando de uma maneira desordenada, mas, como resultado da primeira carta de Paulo, eles haviam se alimpado do mal para poderem dizer que eram uma carta “conhecida e lida por todos os homens”. A escrita pode se tornar indistinta, e os Cristãos são frequentemente como a escrita em alguma antiga lápide – tão desgastada que dificilmente é possível decifrar o que foi escrito. Assim acontece conosco hoje em dia. Quando primeiro o Espírito escreve Cristo sobre os corações de uma companhia de santos, suas afeições são calorosas e sua vida coletiva fala claramente de Cristo. A escrita, sendo nova e clara, é conhecida e lida por todos os homens. Mas, à medida que o tempo passa, a menos que haja vigilância e julgamento próprio, a inveja, a contenda e a amargura podem se infiltrar e a reunião pode deixar de dar qualquer impressão verdadeira de Cristo.
No entanto, apesar de todos os nossos fracassos, os Cristãos são a carta de Cristo, e sempre é verdade que é a grande intenção de Deus que todos os homens vejam o caráter de Cristo demonstrado em Seu povo. Aqui, então, temos uma bela descrição da verdadeira companhia Cristã. É uma companhia de crentes em cujos corações Cristo foi escrito, não com tinta, mas “com o Espírito do Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas nas tábuas de carne do coração”. Como nas tábuas de pedra de antigamente, os homens podiam ler o que a justiça de Deus exigia do homem sob a lei, então agora, na vida do povo de Deus, o mundo deveria ler o que o amor de Deus traz ao homem sob a graça.
Cristo, o Objeto em glória
Como, então, a escrita de Cristo nos corações do povo de Deus deve ser mantida clara e legível, de modo que o caráter de Cristo possa ser manifestado a todos os homens?
A resposta a essa pergunta nos leva à terceira grande verdade do capítulo. Cristo será manifestado a todos os homens apenas na medida em que temos diante de nós o Cristo vivo na glória como nosso Objeto. O apóstolo escreve “E todos nós, contemplando a glória do Senhor, com o rosto descoberto, somos transformados de acordo com a mesma imagem de glória em glória, como pelo Senhor, o Espírito” (2 Co 3:18 – JND). Há um poder transformador em contemplar o Senhor em glória. Esse poder transformador está disponível para todos os crentes – tanto o mais jovem quanto o mais velho – “todos nós”, não apenas “nós apóstolos”, contemplando a glória do Senhor “somos transformados… na mesma imagem”. Essa mudança não é efetuada por nossos próprios esforços, nem por nos cansarmos de tentar ser como o Senhor, nem é alcançada pela busca de imitar algum santo dedicado. Pelo contrário, é contemplando a glória do Senhor. Não há véu em Sua face e, quando O contemplamos, não apenas todo véu de trevas passará do nosso coração, mas moralmente nos tornaremos cada vez mais semelhantes a Ele, mudando de glória em glória. Contemplando o Senhor em glória, somos elevados acima da fraqueza e do fracasso que encontramos em nós mesmos e no mal ao redor, para descobrir e nos deleitar em Sua perfeição. Como a noiva de Cantares pôde dizer: “Sento-me com grande gozo à sua sombra, e o seu fruto é doce ao meu paladar” (TB).
O amor de Cristo
No decorrer desta epístola, Paulo nos dá uma amostra de algumas dessas frutas preciosas. Abrindo em 2 Coríntios 5:14, lemos que “o amor de Cristo nos constrange”. Aqui, o amor de Cristo é apresentado como o verdadeiro motivo para todo ministério, seja para santos ou pecadores. Com tal amor diante de sua alma, o apóstolo pôde dizer “os que vivem não vivam mais para si, mas para Aquele que por eles morreu e ressuscitou”. À luz desta Escritura, podemos desafiar nosso coração quanto ao motivo que nos impulsiona em todo o nosso serviço. É o amor de Cristo que nos constrange ou é o nosso amor próprio? Outro disse: “Ai! Quantas vezes temos que nos censurar por seguir um ciclo de dever Cristão, fiéis na intenção geral, mas não fluindo de uma renovada percepção do amor de Cristo à nossa alma”.
A graça de nosso Senhor
Passando a 2 Coríntios 8:9, chegamos a outra característica encantadora de Cristo. Ali lemos sobre “a graça de nosso Senhor Jesus Cristo”. Paulo está rogando em favor dos pobres crentes judeus, exortando os mais ricos santos coríntios a ajudar a atender suas necessidades. Nos dois versículos 6 e 7, ele fala de dar como “graça”. Então ele coloca diante de nós Cristo como Aquele em Quem temos o Exemplo transcendente da graça de dar. Ele era rico, extremamente rico e, no entanto, para satisfazer as nossas necessidades profundas, Ele não apenas dá, mas tal é a Sua graça que Ele Se torna pobre para dar. “Sendo rico, por amor de vós Se fez pobre, para que, pela Sua pobreza, enriquecêsseis”. O próprio momento em que Ele está nos enriquecendo com uma fonte de água jorrando para a vida eterna, Ele mesmo Se tornou tão pobre que teve que pedir um copo de água (Jo 4:7, 14).
A mansidão de Cristo
Abrindo em a 2 Coríntios 10:1, encontramos alguns frutos mais reconfortantes que marcaram a vida de Cristo. Primeiro lemos da mansidão de Cristo. O apóstolo está corrigindo o espírito de rivalidade que havia estado operando entre os santos coríntios, por meio do qual alguns dos talentosos servos estavam se medindo uns com os outros e procurando se elogiarem. Para corrigir sua vaidade e autoafirmação, ele traz diante deles a mansidão de Cristo que nunca afirmou Seus direitos ou Se defendeu. Seria bom para nós se, na presença de difamação e insultos, pudéssemos captar algo do espírito do Senhor e mostrar a mansidão que se recusa a afirmar nossos direitos, sustentar nossa dignidade ou nos defender.
A benignidade de Cristo
Então o apóstolo fala da “benignidade de Cristo” (v. 1) – outra qualidade bela que Ele sempre exibiu na presença de oposição. Se procurarmos manter a verdade, logo descobriremos que há aqueles que se oporão e levantarão questões que levam a conflitos. Mas o “servo do Senhor não convém contender”, mas procura agir no espírito do Senhor e ser “mas, sim, ser manso [benigno – JND] para com todos, apto para ensinar, sofredor”. A benignidade de Cristo fala da maneira como Ele agia e falava. Quantas vezes conosco, mesmo que nossos motivos sejam corretos e os princípios que defendemos sejam verdadeiros, tudo é arruinado porque nossa maneira de agir carece de graciosidade e benignidade. Lembremo-nos das impressionantes palavras do salmista. “A Tua condescendente benignidade me fez grande” (Sl 18:35 – JND). Nossa veemência pode facilmente se degenerar em violência pela qual nos depreciamos aos olhos dos outros, mas a benignidade nos fará grandes. A violência atrai a violência, mas a benignidade é irresistível. “O fruto do Espírito… é benignidade”.
O poder de Cristo
Finalmente, em 2 Coríntios 12:9, lemos de “o poder de Cristo”. Paulo está falando de enfermidades corporais, insultos, necessidades, perseguições e aflições. Ele aprendeu por experiência que todas essas coisas só se tornam uma ocasião para a manifestação do “poder de Cristo” para preservar o crente através das provações e elevá-lo acima delas. Assim, aprendemos que qualquer que seja a provação, Sua “graça… basta” e Seu “poder se aperfeiçoa na fraqueza”.
Ao olharmos para Cristo em glória e admirarmos esses belos traços morais, demonstrados em toda a sua perfeição em Cristo, encontramos Seu fruto doce ao nosso paladar e, quase inconscientemente para nós mesmos, começaremos a exibir algo de Seu caráter gracioso e assim seremos transformados segundo a Sua imagem.
