Origem: Revista O Cristão – A Cruz
Gloriando-Se na Cruz
Nada é tão difícil do que tirar um homem de si mesmo; é impossível, exceto dando a ele uma nova natureza. O homem se gloria de qualquer coisa que traga honra a si mesmo – qualquer coisa que o distinga do próximo. Não importa o que seja, contanto que lhe dê uma vantagem sobre os outros. Alguns podem se gloriar em seus talentos. Existem diferenças na mente dos homens; a vaidade é mais vista em alguns, desejando a boa opinião de outros; o orgulho é mais visto em outros, tendo uma boa opinião de si mesmos. Riqueza, conhecimento, qualquer coisa que distinga um homem, ele se gloria nisso e cria um pequeno mundo ao seu redor. Também há outra coisa em que os homens se gloriam, além de coisas como talento, nascimento e riqueza, e essa é sua religião. Assim, o homem toma exatamente o que Deus deu para tirá-lo de si mesmo e atribui crédito para si mesmo por isso.
Religião
A medida da verdade, ligada à religião que os homens mantêm, é a própria ocasião de sua glória. Assim, aquele que confessa a Deus se gloriará em sua religião sobre aqueles que não O confessam; o judeu se gloria em sua religião; ele tem a verdade e “a salvação é dos judeus”; até o Cristão é grato por ter a verdade, mas depois se orgulha sobre ela, e isso traz o mal. A sutileza do inimigo é vista na medida em que é na verdade que ele faz um homem se gloriar. Com Jonas, havia apenas esse orgulho em ação: Ele tinha orgulho de ser judeu e não iria a Nínive, como Deus lhe disse, porque tinha medo de perder sua reputação. Ele preferiria ver todos os de Nínive destruídos do que ver perdido o seu próprio crédito como profeta. Jonas era um verdadeiro profeta, mas, glorificando a si mesmo, ele transformou sua religião em um terreno de glória própria. O que quer que seja que você esteja se adornando – pode até ser com o conhecimento das Escrituras – é se gloriar na carne. Uma coisa tão pequena é suficiente para nos deixar satisfeitos conosco mesmos
O “eu”
Gloriar-se na religião é algo mais profundo. Tudo o que vem do homem não tem valor. Um homem não pode se gloriar em ser um pecador. A consciência nunca pode se gloriar, e não há religião verdadeira sem a consciência. O que há então na religião que o homem se gloria? Sempre deve ter um caráter legalista, porque deve haver algo que ele tenha que fazer – severas penitências ou qualquer coisa, não importa a que custo, desde que glorifiquem o “eu”. “Todos os que querem mostrar boa aparência na carne, esses vos obrigam a circuncidar-vos… Eles… querem que vos circuncideis, para se gloriarem na vossa carne” (Gl 6:12-13). O homem poderia impor cargas pesadas. Por que ele faria isso? Porque o “eu” quer algo para fazer. Quando o homem se gloria no “eu”, pode haver a verdade em certa medida, mas é sempre de caráter legalista, porque deve haver algo que o homem possa fazer para Deus. Gloriar-se na carne não é gloriar-se no pecado, mas, como em Filipenses 3, glória religiosa, glória em algo além de Cristo. Mas na cruz o homem não tem nada a dizer sobre isso. Não é minha cruz, mas “a cruz de nosso Senhor Jesus Cristo”, e a única parte que tive na cruz de Cristo foi o pecado. Meu pecado tinha a ver com isso, porque O levou até lá. Isso coloca o homem completamente abaixo. A única coisa que tenho na cruz é o meu pecado.
Pecado
Há este pensamento adicional: Estamos totalmente perdidos sem Ele. O amor divino me trata como um pecador totalmente perdido, e quanto mais vejo esse amor perfeito e divino, mais vejo como sou vil, totalmente desprezível, contaminado e perdido. Como pecador, gostei de me contaminar; Sou um escravo miserável, arrastado até a minha contaminação. A cruz, quando vejo o que ela é, destrói a glória no meu “eu” e coloca a verdade no interior também, pois não apenas me mostra o quão mau eu sou, mas me alegra em confessar meu pecado, em vez de dar desculpas por ele. Sou despertado para dizer que sou culpado de ter amado tudo isso. O amor abre o coração e me permite vir e dizer a Ele o quão mau eu sou. Assim, tenho prazer em registrar tudo o que Ele fez, tudo o que devo a Ele, e isso é gratidão. Não há deleite no pecado, mas alegria no remédio.
O prazer de Deus
Então temos, por outro lado, o deleite de Deus na cruz. “Havendo por Ele feito a paz pelo sangue da Sua cruz” (Cl 1:20), Deus nos concede nos deleitarmos com Ele no valor da cruz. E primeiro vemos nela o amor indescritível de Deus – “Mas Deus prova o Seu amor para conosco em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores” (Rm 5:8). Foi o amor agindo em sua própria energia, somente de si mesmo, tão propriamente divino que uma alma que o esperasse, como uma consequência natural, não poderia ser um objeto adequado para Ele. A obra de Deus e o caminho de Deus são mostrados de uma maneira que o homem não poderia nem deveria ter imaginado. Sou um pecador pobre e miserável, e ali vejo o amor de Deus em dar Seu próprio Filho. Quando Ele perdoa, há a energia positiva e ativa do amor em dar a melhor coisa – a coisa mais próxima de si – pelo pecado, que é a coisa mais distante de si, dando-O para ser “feito pecado”. Quando eu olho para a cruz, vejo amor perfeito e infinito, Deus dando o Seu Filho para ser “feito pecado”; Também vejo sabedoria perfeita e infinita.
Pecados julgados
Com a consciência, não posso desfrutar do amor de Deus sem vê-Lo tratando com meus pecados. Deus pode me aceitar em meus pecados? Ele pode aceitar uma oferta imperfeita? Como diz Miqueias: Posso dar “O fruto do meu ventre, pelo pecado da minha alma?” Caim trouxe o fruto de sua própria obra, sem qualquer senso de pecado; a dureza de seu coração foi provada por isso, e um esquecimento absoluto de seu pecado. Eu vejo na cruz o que o meu pecado é. Não posso ver isso como Deus vê sem aprender de Deus. O homem se esqueceu de Deus o suficiente para se levantar contra Aquele que era o remédio de Deus para sua miséria. Então o juízo deve ser executado; A autoridade de Deus deve ser vindicada. Devem os anjos ver o homem desafiando Deus, e Ele não Se importar com isso? Não! Deus é um Juiz justo, e o juízo deve ser executado. Há julgamento e assim como amor vistos na cruz; não apenas Cristo, o Santo, sendo feito pecado, mas passando pelo juízo devido ao pecado. Existe a implacável ira de Deus contra o pecado, mas o perfeito amor de Deus ao pecador. Ali Sua majestade, a qual insultamos, é vindicada; até o Filho Se curva a isso. Se Ele deseja manter o brilho da glória do Pai, Ele deve justificar Seu caráter dessa maneira. A verdade de Deus foi provada na cruz. “O salário do pecado é a morte”. O homem havia esquecido isso, mas Cristo Se levanta, como a Testemunha de Deus em um mundo assim, mostrando que o que Deus disse é verdadeiro. “O salário do pecado é a morte”. O amor com o qual Deus atrai o homem para Si prova exatamente isso ao mesmo tempo.
O propósito de Deus realizado
Há mais na cruz. Deus realiza todos os Seus propósitos por meio dela. Ele está trazendo “muitos filhos para a glória”, e como poderia trazer esses pecadores contaminados para a mesma glória com o Seu próprio Filho? Deus realizou tão plenamente a obra que, quando estivermos na glória com Ele, seremos parte da demonstração dessa glória. Portanto, Ele diz: “Para mostrar nos séculos vindouros as abundantes riquezas da Sua graça” – uma Maria Madalena, um ladrão na cruz, troféus dessa graça, por toda a eternidade! E como Ele poderia colocá-los em tal lugar com Seu próprio Filho? Sua própria glória e amor se elevam sobre todo o nosso pecado e o remove; Ele mesmo fez isso.
Paz e amor
Para nós, então, a cruz fez duas coisas: Ela nos deu paz de consciência e nos transformou em vasos de tal amor e graça. A consciência tem certeza e paz, e mais do que isso, uma confiança que Adão na inocência nunca poderia ter tido. Há comunhão e paz em minha própria alma, e há outra coisa também: tenho clareza de entendimento nos caminhos de Deus.
Quando você não conhece a cruz, pode usar os esforços humanos para acalmar sua consciência. Quando você a conhece, ela deixa livres os afetos espirituais. Quando vejo a cruz, posso amar a Deus. Se eu O ofendi, posso ir até Ele diretamente e dizer a Ele, porque sou filho, e meu relacionamento não é alterado por isso. Minha comunhão é com o Pai e o Filho – esse é meu feliz privilégio. Quando posso me gloriar na cruz, há um fim para a glória do “eu”, pois não sou nada além de um pecador. Nossa alma está se gloriando na cruz do Senhor Jesus Cristo, ou no “eu”? Se você não está se gloriando na cruz, é para sua própria perda, para não dizer para seu próprio pecado, pois nunca pode ver o amor de Deus, a santidade de Deus, a sabedoria de Deus, a verdade de Deus, como na cruz. A própria natureza que está conectada com o mundo é o que ocasionou a morte de Cristo. Portanto, quando eu me glorio na cruz, estou crucificado para o mundo.
