Origem: Revista O Cristão – O Amor de Cristo nos Constrange

Devoção Cristã

O poder da verdade Cristã no coração se mostrará em devoção.

Cristo é tanto a vida como o objeto ou motivo da vida em nós, dando assim Seu caráter para nossa caminhada. “Para mim”, diz o apóstolo, “viver é Cristo”.

Cristo foi a exibição, com todo custo para Si mesmo, do amor divino aos homens. Seu Pai era Seu prazer e objeto contínuo, Sua demonstração de amor e de Seu Pai era constante e perfeita. Esta foi Sua devoção. Além disso, Ele demonstrou obediência total à vontade de Seu Pai, tendo essa vontade como Seu motivo constante.

O amor ao Pai e a obediência a Ele deram forma e caráter ao Seu amor por nós.

Sede, pois, imitadores de Deus, como filhos amados; e andai em amor, como também Cristo vos amou e se entregou a Si mesmo por nós”. Note a plenitude do motivo e do caráter que é mostrado para o nosso comportamento, imitadores de Deus.

Somos seguidores e imitadores de Deus. Nós andamos em amor como Cristo nos amou. Nossa vida deve ser o exercício do amor divino como foi exibido em Cristo. Assim é que somos chamados a andar, imitar a Deus e segui-Lo assim como Ele Se mostrou a Si mesmo em Cristo.

O amor que desce de Deus operando no homem, se eleva sempre em direção a Deus como Seu objeto justo e necessário. Não pode ter nada menor do que suas fontes.

“Nisto conhecemos”, disse João, “que Cristo deu a Sua vida por nós; e devemos dar nossa vida pelos irmãos”.

Somos chamados a mostrar, visto que temos Sua vida, o próprio Cristo em nós.

O manancial e fonte de toda devoção verdadeira é o amor divino que preenche e opera em nosso coração, como Paulo disse, “o amor de Cristo nos constrange”. Sua forma e caráter devem ser extraídos do caráter e das ações de Cristo.

Os anjos aprendem das “abundantes riquezas da Sua graça, pela Sua benignidade para conosco em Cristo Jesus”. Isso une nosso coração a Cristo, nos levando a Deus n’Ele, Deus n’Ele por nós. Nada nos separa desse amor. O primeiro efeito é elevar o nosso coração, santificando-o assim. Nós bendizemos a Deus, adoramos a Deus, assim conhecido, nosso deleite, alegre adoração, está em Jesus.

Quanto mais próximo de Deus e em comunhão com Ele, conscientemente unidos a Cristo pelo Espírito Santo, o amor divino flui para dentro e por meio de nosso coração. Nós nos animamos com isso pelo nosso prazer n’Ele. É realmente “Deus habitando em nós”, como João expressou. “Seu amor derramado em nosso coração”, como Paulo demonstrou, deixando isso fluir para os outros como aconteceu em Cristo. Seus objetivos e motivos eram como eram em Cristo.

A morte de Cristo governa o coração. “Nisto conhecemos o amor: que Cristo deu a Sua vida por nós; e devemos dar nossa vida pelos irmãos”. “Porque o amor de Cristo nos constrange, julgando nós assim: que, se um morreu por todos, logo, todos morreram. E Ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si, mas para Aquele que por eles morreu e ressuscitou”.

A nova vida divina que há em nós aprecia Deus. Somente esta vida é capaz de apreciar, sendo da mesma natureza, a benção que está n’Ele.

A atividade da natureza divina no novo homem é testada, porque Cristo tem necessariamente o primeiro lugar nessa natureza e é o motivo de suas ações.

Nosso corpo é o templo do Espírito Santo, e o amor de Deus é derramado em nosso coração pelo Espírito Santo que nos foi dado. Ele flui como uma fonte para a vida eterna, e então, água viva flui de nós pelo Espírito Santo que nos foi dado. Toda devoção verdadeira, então, é a ação do amor divino nos remidos, por meio do Espírito Santo dado a eles.

A atividade do amor não destrói o senso de obrigação do santo, mas altera todo o caráter de sua obra. “Onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade”. Em Deus, o amor é ativo, mas soberano, já nos santos ele é ativo, mas é um dever, por causa da graça. Deve ser livre para ter o caráter divino, para ser amor. No entanto, devemos tudo e, mais do que tudo, Àquele que nos amou.

O Espírito de Deus que habita em nós é um Espírito que fixa nosso coração no amor de Deus de maneira constrangedora. Todo sentimento correto em uma criatura deve ter um objeto e, para ser correto, esse objeto deve ser Deus, e Deus revelado em Cristo como o Pai, pois assim Deus possui nossa alma.

Paulo disse: “Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual me amou e se entregou a Si mesmo por mim” (Gl 2:20). A vida de Paulo foi uma vida divina. Cristo viveu nele, mas foi uma vida de fé, uma vida que se dedicou inteiramente a um objeto, e esse objeto era Cristo, conhecido como o Filho de Deus que o amou e se entregou por ele. Aqui obtemos o caráter prático e o motivo da devoção Cristã, viver para Cristo.

Nós vivemos por causa de Cristo: Ele é o objeto e a razão da nossa vida (tudo fora d’Ele é a esfera da morte). “Porque o amor de Cristo nos constrange, julgando nós assim: que, se um morreu por todos, logo, todos morreram. E Ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si, mas para Aquele que por eles morreu e ressuscitou” (2 Co 5:14-15). Vivemos para isso e nada mais. Pode ser um motivo para vários deveres, mas é o motivo e fim para nossa vida. Não somos de nós mesmos, “porque fostes comprados por preço”, e por isso “glorificai a Deus no vosso corpo”.

O Seu amor constrangedor não é uma lei que aprisiona ou prende a vontade que busca seu próprio prazer, mas a sensação bendita e grata de devermos nossa vida ao Seu amor, e um coração que entra neste amor tendo Ele como seu objeto. Portanto, o constrangimento é uma lei de liberdade.

Uma vida que é constrangida pelo Seu amor só pode ter objetivos de serviço que Sua vida pode ter, e o Espírito Santo pode focar o coração n’Ele e então a obra se tornará um serviço prazeroso. A carne pode buscar formas para dificultar, pois seus objetivos não são aqueles do novo homem e do Espírito Santo. O coração ama todos os santos, porque Cristo os ama. Ele procura a todos por quem Cristo morreu, porém sabendo que apenas a graça pode trazer qualquer um deles. Paulo disse: “Tudo suporto por causa dos eleitos, para que também eles obtenham a salvação que está em Cristo Jesus, com eterna glória” (2 Tm 2:10). “A fim de que apresentemos todo homem perfeito em Cristo”, para ver os santos crescerem em direção Àquele que é o Cabeça de todas as coisas, e vê-los andando dignos do Senhor, buscando ver a igreja apresentada como uma virgem casta para Cristo. Continuou em seu amor, embora quanto mais amasse, menos foi amado. Estava pronto para suportar as dificuldades como um bom soldado de Jesus Cristo.

O motivo que governa nosso coração caracteriza nossa caminhada e julga todas as coisas por ele. Um homem que busca somente prazeres esbanja dinheiro, o mesmo acontece com um homem ambicioso. Eles julgam o valor das coisas pelo prazer e pelo poder. O homem cobiçoso pensa que o nosso caminho é loucura, julga todas as coisas por sua tendência de enriquecer. O Cristão julga todas as coisas por Cristo, e lança fora aquilo que esconde a Sua glória em si mesmo ou em outro, julgando tais coisas não como sacrifício, mas descartando-as como um obstáculo. Tudo é escória e esterco por causa da excelência do conhecimento de Cristo Jesus nosso Senhor. O descartar a escória não é algo de grande sacrifício. Quão abençoadamente o “eu” se vai aqui! O “ganhar para mim” desapareceu. Libertação é isso! Indizivelmente precioso para nós mesmos e elevado moralmente!

Cristo deu a Si mesmo. Temos o privilégio de esquecer de nós mesmos e viver para Cristo. O nosso serviço em graça será recompensado, mas o amor tem suas próprias alegrias em servir por amor. O “eu” gosta de ser servido. O amor se deleita em servir.

Viver para Deus interiormente é o único meio possível de viver para Ele exteriormente. Toda atividade externa não movida e governada por isso é carnal e até mesmo um perigo para a alma, com a tendência de fazer as coisas sem Cristo e trazer para nós mesmos.

A atividade externa da devoção será governada pela vontade de Deus e pela competência dada por Deus para servir. A devoção é uma coisa humilde e sagrada, fazendo a vontade do seu Mestre. Nós queremos sabedoria: Deus a dá livremente. Cristo é nossa verdadeira sabedoria. Nós queremos poder, aprendemos isso em dependência d’Aquele que nos fortalece. A devoção é dependente, pois vem de um espírito humilde, assim como foi com Cristo. Ela espera no seu Senhor. Tem coragem e confiança no caminho da vontade de Deus, porque se apoia na força divina em Cristo. Ele pode fazer todas as coisas. Assim, a devoção é paciente e faz o que tem que fazer de acordo com a Sua vontade e Palavra, depois disso Ele pode trabalhar.

Estamos em um mundo onde a vontade de Deus encontrará oposição e rejeição, e nosso coração naturalmente quer se livrar dessa oposição. Pedro apresentou o pensamento de livrar a Cristo e foi tratado como Satanás por Ele (Mt 16:23). Encontraremos a carne instintivamente se afastando das circunstâncias e do efeito da devoção a Cristo – estaria desistindo de si mesmo – e traria sobre nós reprovação, abandono e oposição. Temos que tomar nossa cruz para seguir a Cristo (leia Mateus 10), não voltar para dar adeus aos que estão em casa. Ainda é nossa casa, se podemos dizer assim, e seremos, na melhor das hipóteses, “João Marcos” no trabalho (At 12:25, 15:38). E aprenderemos que sempre será “permita-me que primeiramente […] (Mt 8:21).

Se houver algo a não ser Cristo, isso será antes de Cristo, e não devoção a Ele com olhar simples. É difícil para o coração que não haja egoísmo, nem autopreservação, nem autoindulgência! No entanto, nenhuma dessas coisas é devoção a Cristo e aos outros, mas exatamente o oposto. Portanto, se devemos viver para Cristo, devemos nos considerar mortos e vivos para Deus por meio de Jesus Cristo, nosso Senhor.

Se a carne tiver permissão para agir, será um obstáculo contínuo. A reprovação e a oposição serão um fardo e não uma glória. Temos que nos manter como Paulo “trazendo sempre por toda parte a mortificação do Senhor Jesus no nosso corpo, para que a vida de Jesus se manifeste também em nosso corpo”, e ter a sentença de morte como algo bom para nós. Aqui a ajuda do Senhor, durante as provas e dificuldades, entra em cena. Mas “somos mais do que vencedores, por Aquele que nos amou”. Nada nos separa desse amor.

Quando chegarmos à administração do nosso próprio coração, descobriremos que estar “trazendo sempre por toda parte a mortificação do Senhor Jesus no nosso corpo” é a grande dificuldade e testa o estado interior da alma. No entanto, não há liberdade de serviço nem de poder, mas este padrão: “trazendo sempre […] a mortificação”. Nós temos esse poder no sentido da graça. É o poder da percepção que temos de Sua morte e entrega por nós que, pela graça, faz nos manter mortos para todos, menos para Ele.

O serviço externo pode ser comparativamente fácil quando o ego e o poder de Satanás não são sentidos em oposição.

Considerar sempre a morte de Cristo fará bem contra o ego, exibida pela cruz, subentende que Cristo seja tudo nas afeições. O verdadeiro poder e qualidade de serviço é medido pela operação do Espírito de Deus por nós.

O amor de Cristo na cruz constrange a nos entregarmos inteiramente Àquele que tanto nos amou, dando-Se inteiramente por nós. O Cristo vencedor. E ser como Ele em glória, dá energia e a fonte de poder e de esperança ao nosso caminho. Quão constrangedor e poderoso é o motivo, se realmente o sentimos! No entanto, quão humilde! Nos faz ter pouca estima por nós mesmos na presença de tal amor. Nós vemos que não somos de nós mesmos, mas fomos comprados por um preço.

A sensação do amor de Cristo toma posse do coração e nos constrange. Desejamos viver também para Aquele que se deu por nós. A perfeição da oferta e a perfeição absoluta com que foi oferecida, da mesma maneira que o Seu amor a nós nela, têm poder sobre nossa alma. “Pelo Espírito eterno, se ofereceu a Si mesmo imaculado a Deus”.

O entendimento de que não somos de nós mesmos aprofunda a afirmação em nosso coração, e tira todo mérito da devoção. Os caminhos de Deus são sábios e nos santifica! Assim como é o pensamento de que ganhá-Lo faz tudo à nossa volta como escória e excremento por causa da excelência do conhecimento d’Ele!

O que é tudo comparado a satisfazê-Lo, possuí-Lo, estar com Ele e ser como Ele para sempre! Isso coloca o valor de Cristo como motivo em tudo o que fazemos. Leva à verdadeira grandeza de coração, pois tudo o que para Ele é precioso torna-se precioso para nós, e evita toda a frouxidão da natureza e dos sentimentos, pois estamos focados em Cristo. O que não faz parte da Sua glória é impossível, e põe o pecado praticamente para fora do coração pelo poder das afeições divinas, tendo o coração cheio d’Ele. Na prática, a nova natureza só vive com Cristo como seu objeto.

O constrangedor amor de Cristo se aplica a tudo, porque temos que agradar a Cristo em tudo. O mundanismo em todas as suas formas desaparece, seja na maneira de se vestir e nos modos mundanos, pois se forem iguais não podem ser agradáveis Àquele a quem o mundo rejeitou, porque Ele testificou que suas obras eram más. Pelo fato de o tom da mente ser mundano, não se recorre a isso, exceto para fazer o bem quando pode.

O lugar do Cristão é ser a epístola de Cristo. Cristo possuindo assim o coração tem um poder circunscrito. Os motivos, pensamentos e relações do mundo não entram no coração. Mas Cristo movendo tudo dentro e tudo sendo direcionado no coração para Ele, carrega Seu caráter para o mundo. Pelo exercício ativo do bem que está n’Ele, o amor de Deus, o Cristão é guardado do mal. O coração está focado em Deus, mas toda a bem-aventurança de Deus é dada na medida em que o vaso o contém.

Cristo tem “purificado para Si um povo seu especial, zeloso de boas obras”. O amor de Cristo é ativo, mas é guiado pela mente de Cristo que ama os irmãos como Cristo amou, isto é, tem sua fonte em si, não no objeto. Ele sente todas as suas tristezas e enfermidades, mas está acima de todas elas para suportar e tolerar, e encontra nelas a ocasião de seus santos exercícios. É igualmente terno em espírito e firme em coerência com o caminho divino, pois tal é o amor de Cristo.

A vida de Cristo, em toda a sua devoção e atividade, é uma vida de obediência. Não pode haver uma vontade justa em uma criatura, pois a justiça em uma criatura é a obediência. Adão caiu porque tinha uma vontade independente de Deus. Cristo veio para fazer a vontade d’Aquele que O enviou, e em Sua mais alta devoção, Seu caminho era o da obediência. “O príncipe deste mundo nada tem em Mim. Mas é para que o mundo saiba que Eu amo o Pai e que faço como o Pai me mandou”. Isso tanto orienta em devoção como nos mantém quietos e humildes.

Somos chamados a uma devoção simples e sem divisão a Cristo, com Cristo sendo o único motivo do coração, Seu amor nos constrangendo, em todas as coisas, cuidando daquilo que Ele cuida, com o Cristo crucificado e ressuscitado posto diante de nós como nossa esperança. O centro, em torno do qual toda a nossa vida gira.

J. N. Darby (adaptado de Christian Devotedness)

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