Origem: Revista O Cristão – Trombetas
As Duas Trombetas de Prata
Sendo completa a redenção, o Cristão é visto sob três condições distintas, que nunca são confundidas na Palavra de Deus.
Primeiro, ele é visto como possuidor da vida eterna em Cristo. “Deus nos deu a vida eterna; e esta vida está em Seu Filho” (1 Jo 5:11). Esse dom de Deus está baseado no fato de que toda a culpa do Cristão é removida. A morte não é mais para ele o salário do pecado, mas a entrada para o seu descanso eterno.
Segundo, ele também é colocado nos lugares celestiais na Pessoa de Cristo: Ele “nos vivificou juntamente com Cristo […] e nos ressuscitou juntamente com Ele, e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus” (Ef 2:5-6). Nisto, ele tem um novo lugar com Deus.
Terceiro, há uma jornada entre esses dois pontos – uma corrida para correr, um alvo para alcançar, embora já alcançado se ele olhar para si mesmo como estando em Cristo. O Cristão prossegue para o alvo pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus. Ele deve trabalhar para entrar no descanso de Deus e para conservar firme o princípio de sua confiança até o fim (Fl 3:14; Hb 3:6; 4:11).
A condição de três partes
Compreender essa visão de três partes do estado do Cristão é de grande importância para entender as Escrituras e tirar proveito dos seus ensinamentos de uma maneira correta. Há advertências e exortações dirigidas a ele durante a corrida que não se aplicariam à sua posição diante de Deus. Essas advertências e “ses” da Escritura provam seu coração se não estiver firmado na redenção, visto que para ele pareceriam fazer o fim algo incerto.
Israel também tinha essa condição de três partes. Mas eles não começaram como nós, com um novo lugar com Deus; eles tinham que alcançá-lo no final. Israel foi tirado, por redenção, do Egito e trazido para Canaã. Mas eles também tiveram que passar pelo deserto para o seu descanso.
As duas trombetas de prata
Antes de começar a jornada, Moisés recebeu ordem para fazer duas trombetas de prata: “Faze duas trombetas de prata; de obra batida as farás; e te serão para a convocação da congregação e para a partida dos arraiais” (Nm 10:2). A orientação visível de Deus pela coluna de nuvem e de fogo estava lá dia e noite continuamente. Então veio o testemunho de Sua Palavra nesta figura diante de nós, dado por meio daquelas trombetas de prata, pelas variadas notas que eram tocadas. Finalmente, a arca do concerto ia adiante do arraial.
Aquelas três coisas expressavam a direção de Deus para Israel – Seus mandamentos, em seguida Sua Palavra, e então Ele mesmo.
Mas havia mais nas trombetas de prata do que tudo isso. No livro de Números, descobrimos que elas são os únicos instrumentos que o Senhor indicou que fossem feitos neste livro, na jornada no deserto. A prata pode apontar para a redenção, quando o livro em questão trata de tal coisa. Mas em Números, onde é a jornada que está diante de nós, essas trombetas são o meio pelo qual Deus se comunicava com Seu povo. Eu sugeriria que a trombeta é o testemunho de Sua Palavra, enquanto a prata é a imutabilidade de Seus caminhos. A prata aqui, então, tem este significado: a imutabilidade de Seus caminhos, tão abundantemente provada durante a memorável jornada de Israel.
Lemos sobre quatro toques (ou notas) distintos dessas trombetas em Números 10 e encontramos essas notas ecoadas pelo Espírito na epístola aos Hebreus. Em Israel, o povo estava sob a liderança de Moisés e Aarão, o apóstolo e sumo sacerdote de Israel, em sua vocação terrenal. Agora, o Cristão certamente está sob a liderança de Cristo – o Apóstolo e Sumo Sacerdote da nossa confissão.
As notas das trombetas
A primeira nota das trombetas em Números era “para a convocação da congregação” de Israel, quando eles deveriam ser reunidos para as atividades necessárias daquele dia. Em Hebreus, isso encontra seu antítipo nas palavras: “Não deixando a nossa congregação, como é costume de alguns; antes, admoestando-nos uns aos outros; e tanto mais quanto vedes que se vai aproximando aquele Dia” (Hb 10:25).
O segundo toque era “para as jornadas da congregação”. “Segundo a ordem do SENHOR, se alojavam e, segundo a ordem do SENHOR, partiam” (Nm 9:23 – ACF). Quão abençoado saber que nenhum movimento era realizado e nenhum lugar de parada era escolhido no deserto, senão “segundo a ordem do Senhor”. Não importava para onde a direção da jornada apontava, “segundo a ordem do Senhor”, ou quanta demora parecia haver, até que outra ordem para marchar fosse soada do lugar de descanso, somente Canaã era o alvo! Aqueles toques das trombetas são uma figura do que temos em Hebreus: “Esforcemo-nos, pois, por entrar naquele descanso” (ARA), “[…] corramos, com paciência, a carreira que nos está proposta, olhando para Jesus, autor e consumador da fé”.
A terceira ocasião em que lemos sobre o som das trombetas, trata-se de um “alarme” (TB). Essa palavra foi traduzida no Salmo 89:15 como “o som alegre” (ACF), mas se trata de ambos, pois era ouvida quando o inimigo estava em movimento e, para o ouvido acostumado, era um “som alegre”. O Senhor dos Exércitos estava com Seu povo; nenhum inimigo poderia pegá-los desprevenidos. Mas era um “alarme” também, pois despertava os fiéis para a necessidade de vigilância contra um inimigo atento e, para o inimigo, era o “alarme” de iminente derrota e ruína.
Para o dia da alegria
“Semelhantemente, no dia da vossa alegria e nas vossas solenidades, e nos princípios de vossos meses, também tocareis as trombetas sobre os vossos holocaustos, sobre os vossos sacrifícios pacíficos, e vos serão por memorial perante vosso Deus: Eu sou o SENHOR vosso Deus” (Nm 10:10 – ACF). Este era o quarto “sonido de trombetas” no deserto – os “dias de alegria” foram ali marcados, e sobre os “holocaustos” e “ofertas pacíficas” o som era ouvido. Quão repleto é o final de Hebreus (cap. 9-12) do valor d’Aquele em Quem todas as ofertas encontraram seu correspondente “uma vez” e “para sempre”! É um dia de alegria para o qual somos chamados ali: “[…] comei as gorduras, e bebei as doçuras, e enviai porções aos que não têm nada preparado para si; porque esse dia é consagrado ao nosso Senhor; portanto, não vos entristeçais, porque a alegria do SENHOR é a vossa força” (Ne 8:10). Ou, como a epístola aos Hebreus coloca: “Mas não vos esqueçais de fazer o bem e de repartir com outros, pois com tais sacrifícios é que Deus se agrada” (Hb 13:16).
Assim, encontramos Números com seus tipos e Hebreus com suas interpretações, encaixando-se com a perfeição das comunicações de Deus à nossa alma. “Ora, tudo isso lhes sobreveio como figuras, e estão escritas para aviso nosso, para quem já são chegados os fins dos séculos” (1 Co 10:11).
A trombeta caracterizava, então, o ponto de partida da jornada do povo de Deus. Se eles tivessem dado ouvidos ao seu alegre som, teriam conhecido a bem-aventurança do “povo que conhece o som alegre”. “Andará”, diz o salmista, “ó SENHOR, na luz da Tua face” (Sl 89:15).